domingo, 21 de outubro de 2012

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 29º DOMINGO COMUM – SABER PEDIR – 21.10.2012


COMENTÁRIO LITÚRGICO – 29º DOMINGO COMUM – SABER PEDIR – 21.10.2012

Caros Confrades,

Neste 29º domingo comum, dia dedicado aos Missionários que atuam no mundo tudo, levando a palavra de Cristo, a liturgia nos põe como tema de reflexão o diálogo de Tiago e João com Jesus, sobre o “lugar” que cada um teria no reino de Deus. Este diálogo nos conduz à reflexão sobre o conteúdo das nossas orações, sobre o que pedimos a Deus quando oramos.

O trecho do evangelho lido neste domingo é retirado de Marcos 10, 35-45. Antes porém de passar ao conteúdo da mensagem, gostaria de fazer uma breve análise textual, comparando com o texto análogo de Mateus 20, 20, onde consta o mesmo episódio. No evangelho de Marcos (10, 35) lemos: “Tiago e João, filhos de Zebedeu, foram a Jesus e lhe disseram:”. No evangelho de Mateus (20, 20), lemos: “Então, aproximou-se d'Ele a mãe dos filhos de Zebedeu com seus filhos, adorando-o e pedindo algo a Ele.” A análise desses dois pequenos trechos nos mostra por que não podemos fazer uma leitura fundamentalista da Sagrada Escritura, porque os textos às vezes se mostram incoerentes. Afinal, quem foi ter com Jesus: os filhos de Zebedeu sozinhos ou acompanhados da mãe deles? É verdade que esse detalhe não tem importância para o restante do diálogo, mas contém um fato discrepante, já que Marcos não menciona a presença da mãe deles. Outro detalhe: nenhum dos dois evangelistas diz o nome da mãe de Tiago e João, embora digam o nome do pai deles. Vê-se aí a questão da discriminação contra as mulheres, o nome da mulher não interessa na história.

Os exegetas explicam essa divergência alegando que o texto de Marcos é mais antigo do que o de Mateus, por ser mais simplificado. Se considerarmos que durante anos os ensinamentos de Jesus existiam na comunidade apenas em forma oral, passando a ser escritos somente por volta do ano 60, ou seja, aproximadamente 30 anos após a morte d'Ele, veremos que funciona aquela máxima que ainda hoje se diz: quem conta um conto aumenta um ponto. Ou seja, quanto mais detalhado é um texto, mais recente ele deve ser, porque passou pela boca de mais pessoas até que fosse escrito. Desse modo, embora o evangelho de Mateus venha em primeiro lugar no cânon bíblico, contudo o texto de Marcos é aceito como mais antigo. Aliás, há entre os estudiosos uma dúvida sobre a autoria do primeiro evangelho, pois alguns não concordam que tenha sido escrito por Mateus, embora não se saiba quem seria o autor. Lembro que, nas aulas de Bíblia, o Padre Luiz Uchoa, nosso professor, ensinou que a autoria de Mateus é creditada a uma informação do historiador antigo Papias de Hierápolis, o qual anotou em seus registros que Mateus havia escrito a 'palavra' do Senhor em aramaico e então foi atribuída a ele a autoria de um texto em aramaico, cujo autor era desconhecido. Este texto é o atual evangelho que conhecemos.

Pois bem, passemos então ao comentário sobre o tema da leitura, o que os filhos de Zebedeu foram pedir a Jesus: pediram que um deles tivesse assento à direita de Jesus e outro à esquerda, no reino da Sua glória. Jesus ficou intrigado com aquilo e falou: vocês não sabem o que estão pedindo... E por fim, arrematou: 'Vós bebereis o cálice que eu devo beber, e sereis batizados com o batismo com que eu devo ser batizado. Mas não depende de mim conceder o lugar à minha direita ou à minha esquerda. É para aqueles a quem foi reservado'. (Mc 10, 39) E diz mais o evangelista que, quando os outros dez souberam desse pedido, ficaram indignados com os dois irmãos, porque sentiram-se traídos, afinal Jesus os tratava a todos igualmente, por que razão haveriam eles dois de ser privilegiados com um lugar de honra e os outros não? Foi quando Jesus os repreendeu dizendo que a autoridade cristã não é símbolo de honraria, mas de serviço. (Mc 10, 43)

Esse diálogo de Cristo com os discípulos nos deixa duas lições importantes. Primeira lição: será que nós sabemos pedir? Quando oramos, quando fazemos nossos pedidos a Deus, que tipo de oração fazemos? Pedido semelhante ao dos filhos de Zebedeu, reprovado por Jesus? Pois é, muitas vezes, a nossa oração contém uma dose significativa de egoísmo, quando pedimos preferencialmente algo bom para cada um de nós, esquecendo o que o próprio Cristo já ensinou que devemos buscar, em primeiro lugar, o Reino de Deus e que o resto nos será dado por acréscimo. Em geral, as orações dirigidas a Deus são pedidos de saúde, de bens materiais, de afastamento de um sofrimento, de uma conquista profissional, etc. E há uma prática ainda mais acintosa que é a de fazer um pedido em troca de uma certa 'promessa': se eu conseguir tal coisa, vou fazer tal tarefa (dar uma esmola, acompanhar uma procissão andando descalço, vestir roupa de uma determinada cor por certo tempo, mandar imprimir santinhos para distribuir, etc,) são inumeráveis e variados os modelos de 'penitência' que as pessoas costumam oferecer a Deus em troca de algum favor solicitado. É quando Jesus diz: não sabeis o que pedis.

A oração modelar deve ser do tipo daquela que o próprio Jesus deu o exemplo: quando orardes, dizei algo assim: santificado seja o Teu nome, venha o Teu reino, faça-se a Tua vontade... é o tipo da oração altruísta, sobre a qual já tive ocasião de fazer uma referência em um comentário anterior. Quando Jesus interpelou os dois filhos de Zebedeu, perguntando se eles estavam dispostos a 'beber o mesmo cálice' que Ele e eles disseram que sim, Jesus disse: pois vocês terão isso, mas isso não garantirá o atendimento ao que estais pedindo, pois não cabe a mim determinar os resultados. E aqui verificamos a segunda lição contida nesse diálogo: o lugar é para aqueles a quem foi reservado. (Mc 10, 40)

Esta resposta de Jesus é, a um só tempo, enigmática e esperançosa. Quem são esses a quem está reservado o melhor lugar? E quem o reservou? Isso Jesus não respondeu, deixando para nós a missão de interpretar e compreender isso. A chave da resposta, ao meu ver, está na frase seguinte do evangelho (Mc 10, 45): o Filho do Homem não veio para ser servido, mas pra servir... ou seja, quem seguir o exemplo de Jesus na prestação do serviço aos irmãos, é para estes que o lugar melhor está reservado. Foi isso que Ele deu a entender quando ensinou: quem quiser ser grande, que seja o servo; quem quiser ser o maior, que seja o escravo. Então, o 'lugar reservado' se destina a quem realizar o 'serviço' tal como Ele realizou, isto é, com humildade e sem reserva, dando tudo de si até o fim das suas forças. Então, podemos deduzir daqui que o 'lugar reservado' não é um lugar individual, mas coletivo, não cabe apenas um, mas cabem muitos, cabem nele todos os que tomarem a cruz e O seguirem.

A partir daqui, nós fazemos a ligação com a temática geral do domingo, que é a Igreja missionária. O Missionário é aquele que anuncia a palavra de Jesus, mas não apenas a anuncia, sobretudo, a vivencia e é o primeiro a dar exemplo que que ensina. Quem de nós não se lembra das campanhas missionárias, as Santas Missões? Os Capuchinhos são conhecidos no nordeste pelo serviço que prestaram e ainda prestam nessas Missões. Quantas pessoas foram beneficiadas com esse serviço gratuito e eficaz, que muitas vezes levava o nome de 'desobriga'? Atualmente, com os meios técnicos de comunicação, muitas comunidades são alcançadas pela mídia nos seus diversos modelos, mas isso jamais dispensará a presença dos missionários, sobretudo nas comunidades mais carentes. E nós temos exemplos bem recentes dessas missões e missionários das diversas denominações religiosas, trabalhando a serviço do reino de Deus. Lembro-me agora da irmã Dorothy Stang, vítima de assassinato na amazônia, fato não bem esclarecido ainda para a sociedade. Isso apenas para citar um exemplo, pois nós temos no Ceará dois grandes centros missionários em Canindé e em Juazeiro do Norte, onde muitos missionários se dedicam a essa nobre causa.

E mesmo sem precisar ir tão longe, cada um de nós, nas nossas relações familiares, relações de amizade, relações de trabalho, podemos fazer esse trabalho missionário, testemunhando com nosso exemplo e com nossa palavra a mensagem cristã, pois ocasiões não faltam para isso e as pessoas percebem quando assim fazemos.

Que o divino Missionário nos inspire e nos ajude constantemente na realização da nossa missão de cristãos.

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