segunda-feira, 25 de março de 2013

COMENTÁRIO LITÚRGICO - DOMINGO DE RAMOS DA PAIXÃO DO SENHOR - 24.03.2013


COMENTÁRIO LITÚRGICO – DOMINGO DE RAMOS DA PAIXÃO DO SENHOR – 24.03.2013

Caros Confrades,

Conforme é do conhecimento de alguns, ontem foi o meu aniversário e a comemoração demorou um pouco mais, de modo que somente agora estou aqui repartindo com vocês algumas reflexões sobre a parasceve ou da preparação da Páscoa. A propósito deste termo, trata-se de uma transliteração do termo grego 'paraskeve', que por sua vez era a tradução da palavra hebraica 'prosabbaton' (preparação para o sábado). De fato, os judeus utilizavam esta palavra para denominar a sexta feira antes do sábado em que era celebrada a páscoa deles. Eu estou utilizando aqui o termo numa extensão proposital para a semana de preparação para a Páscoa do Senhor, que se inicia no domingo dos ramos.

Conforme os Colegas devem também recordar, a festa da páscoa, até o tempo de Cristo, era celebrada no sábado, porque este era o dia santificado para os judeus. A tradição mudou esta celebração para o dia de domingo, em homenagem à ressurreição de Cristo e ainda para indicar uma nova regra celebrativa, diferente dos costumes antigos dos patriarcas, pois Cristo afirmou, por diversas vezes, que viera trazer um novo mandamento, uma nova proposta religiosa, um novo estilo de adorar o Pai, deixando de lado a figura tradicional do Javeh veterotestamentário. Mas é de se recordar que Cristo celebrava a páscoa do seu tempo no mesmo dia da tradição judaica. E quando ele convocou os apóstolos para a 'última ceia', ali Ele estava antecipando a celebração da Páscoa definitiva, como assim se configurou o seu sacrifício supremo, de uma vez por todas. Ele não podia esperar até o dia comemorativo, porque já sabia do que lhe aconteceria nos dias seguintes.

A primeira leitura, do profeta Isaías (50, 4-7), na verdade, do deuteroIsaías, traz a conhecida imagem do servo sofredor, aquele que não foge diante dos castigos, que oferece a outra face a quem lhe bateu e não se afasta diante de bofetões e cusparadas. E complementa: “ o Senhor Deus é meu Auxiliador, por isso não me deixei abater o ânimo, conservei o rosto impassível como pedra, porque sei que não sairei humilhado. ” O texto de São Jerônimo, traduzido literalmente, diz assim: por isso, expus o meu rosto como pedra duríssima, pois sei porque não ficarei desconcertado. Eu acho simplesmente impressionante como o Profeta conseguiu antever, com tamanha precisão de detalhes, aquilo que iria acontecer com o Ungido (Messias).

Na leitura do evangelho deste domingo, que descreve a condenação e crucifixão de Jesus, há um trecho que reproduz o momento em que o 'mau ladrão' com Ele crucificado, escarnece dizendo: “salvou os outros, salva agora a ti mesmo”. A resposta para esta provocação está na passagem de Isaías acima, porque Jesus realmente salvou várias pessoas, livrando-as do pecado e de sofrimentos corporais, mas a Ele próprio quem vai salvar é o Pai. Daí as duas outras expressões de grande significado contidas na descrição da paixão: “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito”; e outra: “tudo está consumado”. Jesus veio para o mundo humano a fim de cumprir a missão que o Pai lhe destinou, então não seria Ele próprio o gestor desta empreitada, e sim o Pai que O enviou. As diversas manifestações miraculosas realizadas em outras pessoas tinham como finalidade levar aquelas pessoas a acreditarem n'Ele, na Sua missão, na Sua divindade, na Sua entrega total ao cumprimento da promessa. Vejamos o grande testemunho contido nos versículos 47 e 48 do cap. 23 de Lucas: “O oficial do exército romano viu o que acontecera e glorificou a Deus dizendo: 'De fato! Este homem era justo!' E as multidões, que tinham acorrido para assistir, viram o que havia acontecido, e voltaram para casa, batendo no peito.” O sacrifício de Cristo começou a produzir seus efeitos logo logo, de modo imediato, após o “consumatum est”. Nem foi preciso esperar a Sua miraculosa ressurreição para que os resultados pudessem ser notados.

Eu sempre ficava perguntando pra mim mesmo e tentando encontrar uma explicação razoável para a transcrição dos diálogos acontecidos por ocasião da crucifixão de Jesus, pois os seus seguidores estavam todos olhando de longe. O próprio evangelista Lucas afirma isso: “Todos os conhecidos de Jesus, bem como as mulheres que o acompanhavam desde a Galiléia, ficaram à distância, olhando essas coisas. (Lc 23, 48) ” Então, naquela balbúrdia que devia acontecer no entorno dos crucificados (Jesus e os dois malfeitores), com aqueles ruídos de marteladas, soldados bêbados proferindo imprecações, oficiais militares dando ordens e coordenando os trabalhos, quem estaria prestando atenção no que um “condenado” estaria falando? Até porque os crucificados se contorciam em espasmos de dor e já estavam fracos fisicamente, não tinham condições de gritar ou falar alto o suficiente para serem ouvidos à distância.

Nesse contexto, quem teria escutado quando o 'bom ladrão' repreendeu o imprecador que insultava Jesus e quem escutou o que Jesus teria lhe falado: “hoje mesmo estarás comigo no paraíso”? Na hora em que Jesus, fazendo grande esforço, gritou em aramaico: Eli, Eli, lama satabactani (cf. Mc, 15, 34), algum dos soldados ouviu e não entendeu e interpretou que Ele estava chamando por Elias. Lucas nem menciona esse episódio. Consta nas narrações que a crucifixão de Jesus teria sido por volta da hora sexta (meio dia) e que se fizeram trevas no local até a hora nona (3 da tarde), cf. Lucas, 23, 44, quando Jesus entregou o espírito ao Pai. Certamente, as cruzes com os condenados ficaram guarnecidas por soldados, para evitar que fossem libertados, ou pelo menos Jesus fosse libertado por aqueles que n'Ele acreditavam. É possível que algum desses guardas tenha escutado e tenha retransmitido isso a alguém, de modo que o episódio fosse se espalhando de boca em boca, até chegarem a ser escritos nos primeiros documentos, donde se originaram os evangelhos. Mas é possível também que esses diálogos tenham sido criados pela própria comunidade, com o objetivo de edificação dos fiéis e como corolário dos ensinamentos que Cristo havia repassado no seu tempo de pregação pública.

Do ponto de vista fático, permanece a incógnita. Mas do ponto de vista catequético e doutrinário, os diálogos guardam total coerência com o que Jesus ensinou e praticou, de modo que o seu conteúdo é totalmente verossímil. Esses comentários que faço não tem a finalidade de colocar em descrédito os textos sagrados, mas de mostrar que devemos entendê-los não como “atas” ou “reportagens” dos fatos ocorridos durante a vida histórica de Cristo, e sim como relatos de testemunhas e expressões de fé das primeiras comunidades, as quais são críveis porque estão situadas temporamente bem próximas dos fatos. Devemos ler e compreender o texto bíblico pelo seu contexto, não como quem lê uma matéria jornalística publicada nos periódicos atuais. Isso nos ajuda a ultrapassar dúvidas infundadas e, principalmente, a afastar discussões inúteis sobre determinadas passagens tidas como contraditórias da Biblia. A nossa fé deve estar adiante e acima desses detalhes.

Devemos sempre nos lembrar ainda que os sofrimentos de Cristo são a transição para a Sua glória, pois não há como falar em ressurreição sem falar em morte, no entanto, o que deve ser ressaltado nas comemorações da semana santa há de ser muito mais a ressurreição do que a paixão. As encenações teatrais da Paixão de Cristo formam uma tradição mundial, até filmes já exploraram exaustivamente o tema, no entanto, não é esse sentimentalismo e essa consciência de culpa que deve nos servir de estímulo, e sim o resultado final disso tudo, ou seja, o triunfo de Cristo sobre o pecado e a morte. O sacrifício de Cristo não se esgota na paixão, mas se corrobora na ressurreição. Os sofrimentos são constantes na nossa vida, mas Jesus nos ensina a não nos concentrarmos neles nem nos deixarmos sucumbir por eles, porque Ele nos deu o maior exemplo de que todo sofrimento será superado e toda morte será vencida, e o que nos coloca nesta perspectiva é a nossa fé sempre viva e produtiva. Fé sem obras não existe.

Portanto, meus amigos, vivamos e comemoremos as festividades desta semana santa dentro do espírito da verdadeira 'parasceve', isto é, a preparação para a Páscoa do Senhor, que nos conduz à verdadeira vida. E, para não perder a tradição que aprendemos no Seminário, rezemos: Adoramus te, Christe, et benedicimus tibi quia per sanctam crucem tuam redemisti mundum.



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