domingo, 3 de março de 2013

COMENTÁRIO LITÚRGICO - 3º DOMINGO DA QUARESMA - CUIDADO PARA NÃO CAIR - 03.03.2013


COMENTÁRIO LITÚRGICO – 3º DOMINGO DA QUARESMA – CUIDADO PARA NÃO CAIR – 03.03.2012

Caros Confrades,

Tomarei como referência para este comentário as leituras deste domingo (3º da quaresma) da carta de Paulo a Coríntios, com a advertência final: tome cuidado para não cair, e ainda do evangelho de Lucas (13, 1-9), que contem a parábola da figueira que não dava frutos.

Na primeira leitura, do livro do Êxodo (3, 1-8), vemos a vocação de Moisés, quando Javeh o escolheu para falar diante do Faraó, ele que não sabia falar nem tinha o dom da oratória. Desta primeira leitura, destacarei apenas a autodefinição que Javeh faz de si mesmo: “eu sou”, sem quaisquer complementos. De fato, Deus não tem complementos, ele é todo e integralmente um, tornando-se desnecessária qualquer outra explicação. De acordo com o Monsenhor Manfredo Ramos, no sermão deste domingo, o verbo hebraico que é traduzido em português por “eu sou” tem um significado muito mais amplo do que a expressão em português, pois inclui também o sentido de 'fazer ser', ou seja, além de ser absolutamente, Ele também faz as coisas serem. Seria uma autodefinição de Javeh como o criador do universo. Tem assim um significado ativo e dinâmico de ser, não o aspecto estático que a expressão em português sugere.

Passando ao tema selecionado, vemos na carta de Paulo a Coríntios (1Cor 10, 1-6) a menção aos patriarcas e aos hebreus que atravessaram o deserto, favorecidos por Javeh comendo o maná e bebendo a água do rochedo, porém desagradaram a Deus e morreram antes de chegar na terra prometida. O próprio Moisés também teria recebido o mesmo castigo por haver duvidado do poder de Javeh. Paulo reproduz uma figura que era muito conhecido dos judeus daquele tempo, que era a imagem do Deus furioso e vingativo, que amava o povo mas não os poupava, quando cometiam infidelidades. Então, diz Paulo, estes fatos devem ser vir de advertência para nós, para que não repitamos as mesmas atitudes reprováveis cometidas pelos nossos antepassados, que foram alvo do anjo exterminador. Vejam bem “anjo exterminador”, uma figura cultural do povo hebreu que parecia indicar algo que, nos dias de hoje, chamamos de “castigos de Deus”.

Por que Paulo estaria usando essas imagens do tempo antigo numa época em que Jesus Cristo já havia dito que tinha vindo abolir aqueles costumes com o seu novo mandamento? Na verdade, Paulo faz referência ao rochedo donde brotava a água no deserto, vendo neste rochedo uma prefigura de Cristo, a fonte da água viva. Verifica-se, na verdade, um esforço de Paulo para integrar a antiga aliança com a nova aliança, através de uma catequese que aproveitasse os conhecimentos da tradição hebraica, pois o cristão de Corinto eram, em grande parte, judeus convertidos. Ficava, portanto, mais fácil para Paulo lançar mão dos conceitos da tradição conhecida por eles para fazer a relação com a mensagem de Cristo. Havia, entre estes judeus, um conceito que nós ainda encontramos na mentalidade religiosa do nosso povo de que, quando acontece algo de ruim com alguém, aquilo foi um castigo de Deus. Isso era entendido, pelo raciocínio inverso, que quando alguém havia sido beneficiado com algo de bom, isso seria um prêmio de Deus, uma espécie de reconhecimento de Deus pelos méritos desta pessoa. Daí a advertência de Paulo: quem julga estar de pé, tome cuidado para não cair. (1Cor 10, 12).

O “estar de pé”, neste contexto, significa a autoconfiança na salvação, porque se a pessoa não foi castigada, é porque Deus se agrada dela; o “cair” significa sofrer algum revés, passar por alguma dificuldade, enfrentar uma adversidade. Então, diz Paulo, quem pensa que está de bem com Deus porque não foi castigado e, ao contrário, pensa que o irmão que sofre é porque não está de bem com Deus, deve mudar essa mentalidade. Se não houver “conversão”, isto é, se não houver mudança de mentalidade, pode acontecer o mesmo que aconteceu no deserto: virá o “anjo exterminador” já não para tirar a vida do corpo, mas representado na presunção de salvação. Com isso, ele quer significar que a conversão não é uma atitude que acontece uma vez na vida e pronto, mas ela deve ser renovada a cada dia, na nossa consciência e nas nossas atitudes. O batismo não é garantia de salvação por si só, se não for complementado com um trabalho contínuo de renovação interior, pela leitura e meditação da escritura, pela inserção dos ensinamentos de Cristo no nosso dia a dia. Por isso ele adverte: quem pensa que está em pé (de bem com Deus, com a salvação assegurada), tenha cuidado para não cair (não deixar a presunção e o orgulho embotarem a sua visão de fé).

Este é também o ensinamento que retiramos da passagem do evangelho de Lucas (13, 1-9), quando os judeus falaram a Jesus sobre alguns do povo que haviam sido mortos por ordem de Pilatos, que confundiu o ritual de sacrifícios de animais deles com alguma ação de rebeldia, de modo que eles foram assassinados sendo inocentes. Por isso, Jesus pergunta aos próprios portadores da notícia: por acaso, vocês pensam que estes que morreram eram mais pecadores do que os outros? Dentro daquela mentalidade judaica, essa desgraça acontecida com cidadãos inocentes era entendida como um 'castigo divino' por alguma coisa imprópria feita por eles. Então, Jesus aproveita a ocasião para ensinar que não é nada disso, que não se deve associar o sofrimento de alguém com uma espécie de 'vingança' de Javeh, porque isso pode acontecer a qualquer um.

Para ilustrar este mesmo ensinamento, Jesus cita também um episódio ocorrido por aqueles dias, em que uma torre de pedra, na localidade de Solié, havia desmoronado, matando 18 hebreus. Segundo os estudiosos da arqueologia, essa torre teria existido nos arredores de Jerusalém e era próxima de uma piscina natural famosa na região, a piscina de Siloé, que estava constantemente cheia por ter sido construída num local que nós aqui chamamos de “olho d'água”. Era uma espécie de balneário público e havia sempre gente por lá. Provavelmente, a própria consistência insegura do solo próximo da nascente de água teria afetado os alicerces e levado a torre de pedra a cair. Então, Jesus usa este conhecido episódio para reforçar a sua catequese: vocês pensam que aqueles que morreram soterrados eram mais pecadores do que os outros habitantes de Jerusalém? E repete a mesma conclusão: não se trata de vingança de Javeh, mas trata-se de algo que pode acontecer com qualquer um. É um fato da vida, que não está relacionado com o poder divino, mas com a negligência ou ignorância dos seres humanos. Trazendo para os dias de hoje, Jesus diria que os tsunamis, o desequilíbrio ecológico do planeta, as epidemias disseminadas por toda a parte, a violência generalizada não são castigos divinos, mas são resultado da ação egoísta e desastrosa comandada pelo próprio homem.

Então, Lucas conclui com a parábola da videira que não dava frutos. Era uma árvore bonita, frondosa, de boa aparência, mas infrutífera. O “dono” ficou irritado: já faz três anos que eu venho aqui e não vejo frutos nesta árvore, pode cortá-la. O “capataz” intercedeu pela árvore: vamos dar mais uma chance a ela, vamos colocar adubo, podar, aguar, vamos ver se os frutos chegarão na próxima safra. Ora, meus amigos, quem esse “dono”? É Javeh, claro. E quem é o “capataz” que intercedeu pela árvore? É o próprio Cristo. Ele veio cumprir este plano de Javeh (adubar, podar, aguar) a árvore do povo, pra ver se ainda tinha jeito. O povo havia se negado a ouvir os profetas e se recusado a cumprir a promessa, ou seja, praticava só aquela religião de fachada, que desagradava Javeh por não ter raízes firmadas no coração. Quantos profetas, desde Moisés, Javeh havia mandado pra ensinar o povo, mas este sempre voltaram aos seus ídolos. Então, com a catequese de Jesus, Javeh estava dando mais uma chance à árvore do povo de Deus: vai lá, conversa com esse povo, mostra a eles quem Tu és, vejamos se eles se convertem e produzem frutos... não deu certo. O povo não entendeu nada e continuou a adorar a Javeh apenas com atitudes exteriores, sem raízes no coração, e essa religião enganosa pode até enganar os outros, mas a Javeh não engana.

Meus amigos, era como se Jesus estivesse dizendo: eu sou a última chance de vocês, acreditem em mim e façam o que eu estou dizendo. Os ouvidos dos judeus estavam totalmente surdos e o adubo e a aguação não surtiram nenhum efeito. Então, ouçamos São Paulo e não deixemos que o mesmo venha a acontecer conosco. Cuidemos para não cair na tentação de achar que, por cumprir suas obrigações religiosas, mas sem ter o coração contrito, alguém está sendo agradável a Deus.


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