domingo, 17 de março de 2013

COMENTÁRIO LITÚRGICO - 5º DOMINGO DA QUARESMA - A CILADA DO PRECONCEITO - 17.03.2013


COMENTÁRIO LITÚRGICO – 5º DOMINGO DA QUARESMA – A CILADA DO PRECONCEITO – 17.03.2013

Caros Confrades,

Na liturgia deste 5º domingo da quaresma, a liturgia traz para leitura um trecho bastante conhecido pelo grande público, que é o caso da mulher flagrada em adultério e que deveria ser apedrejada, destacando a sabedoria de Jesus para fugir à cilada do preconceito e da hipocrisia. Nas outras leituras, destaca-se o tema da renovação, bem relacionado com a recente eleição do Seráfico Papa, que deverá renovar e revitalizar a Santa Madre Igreja.

Na primeira leitura, o projeta Isaias (43, 18) nos dirige um recado direto: “'Não relembreis coisas passadas, não olheis para fatos antigos. Eis que eu farei coisas novas, e que já estão surgindo: acaso não as reconheceis? ” Pois é, será que não somos capazes de reconhecer as coisas novas que Deus nos faz constantemente? Dois fatos recentes mobilizaram as atenções do mundo inteiro, tanto entre cristãos, católicos, quanto entre pessoas das mais diversas tendências religiosas: a renúncia de Bento XVI e a eleição de Francisco. Por certo, esta leitura do profeta Isaías já estava prevista para ser tema deste domingo desde muito tempo atrás, mas o Espírito de Deus conduziu os fatos de modo que ela se tornou ainda mais significativa neste tempo de mudanças. Impossível não reconhecer as coisas novas que já estão acontecendo e, de certo modo, tentar adivinhar as outras novidades que ainda deverão surgir na sequência desses fatos. Esse tema de Isaías foi utilizado por Paulo naquela polêmica levantada pelos cristãos judaizantes, que queriam restabelecer a obrigação da circuncisão como complemento do batismo, ao que Paulo argumentou: deixem de olhar o passado e mirem os fatos futuros, em Cristo, Deus fez novas todas as coisas.

Na segunda leitura, a Filipenses (3, 8-14), Paulo prossegue nessa mesma linha de raciocínio, acerca das novidades, quando ele diz que perdeu tudo por causa de Cristo. O que Paulo sacrificou para aderir plenamente à missão que Cristo lhe confiou não consistiu apenas em bens e benefícios, mas no abandono de si mesmo pela causa do evangelho. Ele não tinha mais família, nem casa, nem emprego, nem salário, sua vida era viajando de um lugar para outro, a pregar o evangelho, converter pessoas e constituir novas comunidades. Paulo foi o verdadeiro herói da difusão do cristianismo na Europa, desde a Grécia até Roma. A própria comunidade de Roma foi fundada por Paulo, aquela onde Pedro foi exercer sua missão episcopal posteriormente, transformando-a na Diocese base do cristianismo mundial. Pedro era antes titular da comunidade de Jerusalém, tendo-se transferido para Roma após o sucesso da pregação de Paulo e a grande adesão ali conseguida da população romana ao evangelho de Cristo. Paulo diz que considera lixo tudo aquilo que ele sacrificou, comparado à glória de estar unido a Cristo, em comunhão com seus sofrimentos, tornando-se semelhante a Ele na sua morte. No mesmo sentido da mensagem de Isaías, na primeira leitura, Paulo também afirma que “Uma coisa, porém, eu faço: esquecendo o que fica para trás, eu me lanço para o que está na frente. Corro direto para a meta, rumo ao prêmio, que, do alto, Deus me chama a receber em Cristo Jesus. ”(Fl 3, 13) Veremos como, de forma indireta, essa temática do esquecer o passado e olhar para a frente está também presente na leitura do evangelho.

No evangelho (Jo 8, 1-11), o apóstolo João mostra a sabedoria de Jesus ao resolver magistralmente uma autêntica “sinuca” em que lhe colocaram os fariseus e os mestres da lei, na tentativa de encontrarem algo para usar como acusação. Antes de abordar o conhecido episódio da mulher adúltera, detenhamo-nos em alguns detalhes da leitura, que são também significativos. Diz João no início deste capítulo 8 que Jesus havia ido ao monte das Oliveiras para orar e, voltando de lá, foi direto para o templo. É interessante observarmos essa informação, porque Jesus não foi àquele monte apenas na noite em que Judas chegou lá com os soldados, ao contrário, Judas já levou os soldados para lá porque sabia que Jesus tinha o costume de orar durante a noite no referido monte. Essa oração noturna de Jesus, por diversas vezes referenciada nos evangelhos, inspirou os monges medievais para os ofícios divinos durante as madrugadas, costume que chegou até nós, nos anos 60, o que causava grande desconforto naquelas noites frias de Guaramiranga, sem energia elétrica naquela época, quem passou por essa experiência lembra muito bem do seu significado. Aliás, na missa jubilar do Monsenhor Verçosa, no Seminário da Prainha, o Dom Frei Adalberto justificou na homilia que essa pedagogia rígida e até dolorosa foi necessária para moldar as têmperas daqueles que a vivenciaram, contribuindo para torná-los pessoas bem formadas e cidadãos dignos de dar exemplo à sociedade.

Outro ponto acessório a destacar no contexto do episódio da mulher adúltera é o da discriminação que pesava sobre a mulher, associada à hipocrisia masculina. A mulher, se fosse apanhada em adultério, deveria ser apedrejada até a morte, conforme a lei de Moisés, todavia, todos sabemos que a mulher não adulterava sozinha, para isso ela devia ter uma companhia masculina. Ora, se a mulher foi flagrada em adultério, o seu parceiro também o foi e, portanto, era possível que aqueles ali presentes o conhecessem, talvez até mesmo ele estivesse ali no meio do grupo com uma pedra na mão. Quanta desfaçatez e quanta mentira juntas. Fico pensando quantas mulheres aquele grupo já teria apedrejado e fico pensando também na sorte grande daquela mulher ao ter encontrado Jesus no seu caminho. O evangelista não registrou o seu nome e, ao que eu saiba, a tradição também não traz essa informação, mas certamente, ela era uma daquelas mulheres piedosas, que acompanharam o trajeto de Cristo a caminho do calvário e choraram por Ele.

A estratégia dos fariseus e mestres da lei era poderosa e eles pensavam que haviam colocado Jesus contra a parede, deixando-o numa situação sem saída, qualquer que fosse a sua resposta. “Moisés, na lei, mandou apedrejar essas mulheres, que dizes tu?” Ora, se Jesus dissesse “sim”, sua pregação sobre o amor e o perdão estaria desmoralizada e a sua palavra se tornaria sem qualquer valor, levando a sua legião de seguidores ao descrédito e inviabilizando o seu projeto do novo reino de amor. Se respondesse “não”, pior ainda, estaria infringindo a lei de Moisés e na presença de dezenas de testemunhas, isso seria suficiente para ele ser acusado de infração legal e ser condenado no pretório. Uma cilada tão bem arquitetada só podia ser resolvida de modo favorável por alguém que possuía uma mente especial, mesmo prescindindo da natureza divina de Cristo. Ele não se abalou com a indisfarçável má-fé dos fariseus e serenamente passou a escrever no chão com o dedo. O evangelho silencia a respeito das palavras que Ele estaria escrevendo. Embora a tradição afirme que seriam os pecados dos que estavam ali presentes, na minha opinião, Jesus não escrevia nada propriamente, ele fez aquilo como uma contra estratégia para provocar os fariseus. Obviamente, eles não foram lá perto tentar ler o que ele escrevia, mas ficaram intrigados com aquilo. O que Ele estaria escrevendo? Intimamente, eles tiveram medo de terem a sua intimidade exposta, pois embora não acreditando na divindade de Jesus, eles sabiam da sua fama de realizar milagres e ter um poder sobrenatural. Então, apenas insistiram na mesma pergunta: o que dizes sobre isso?

Meus amigos, Jesus percebeu nessa insistência deles um quê de indecisão e temor, a arrogância deles havia se transformado em fraqueza e aquela pergunta repetida era sinal claro da confusão que se passava nas suas mentes. A resposta de Jesus não poderia ter sido mais magistral: quem dentre vós nunca cometeu nenhuma infração, pode começar a apedrejar, porque só tem moral para reclamar dos pecados dos outros aquele que não os tem. Então, diz o evangelista, Jesus se inclinou novamente e voltou a rabiscar no chão, enquanto eles foram se retirando um a um, a começar pelos mais velhos. A pobre mulher, tremendo e temendo pelo que poderia ocorrer, foi a única que não correu, bem que poderia ter fugido quando os seus acusadores se afastaram. Mas não, ela esperou pelo perdão de Cristo, ali naquele momento, ela passou por uma profunda conversão, e foi o que Jesus percebeu quando lhe disse: vai e não tornes a pecar. Isto é, esquece o passado, olha pra frente, daqui em diante farei novas todas as coisas na tua vida.

Meus amigos, que a nossa preparação para a Páscoa seja animada pelo tema das leituras de hoje: façamos novas todas as coisas, esqueçamos o passado e não olhemos para trás.


Nenhum comentário:

Postar um comentário