COMENTÁRIO LITÚRGICO
– 5º DOMINGO DA PÁSCOA – COISAS NOVAS – 28.04.2013
Caros Confrades,
A liturgia deste 5º
domingo da Páscoa nos traz um tema dos mais sugestivos acerca da
presença de Cristo entre os homens, quando ele veio revelar ao mundo
a verdadeira face do Pai. O apóstolo João sintetiza isso nas
palavras do Apocalipse (2, 5): Eis que faço novas todas as coisas.
Com efeito, aquela imagem do Javeh vingativo e possessivo, irado e
violento, como era transmitida na Torah dos hebreus transmudou-se no
Deus Amor, aquele que está sempre pronto para perdoar, como disse
recentemente em discurso público, o nosso Seráfico Papa.
A coisa nova que nos é
transmitida na primeira leitura é o testemunho de Paulo e Barnabé
de que Deus abrira a porta da fé aos pagãos. Vimos, na leitura do
domingo anterior, como Paulo e Barnabé foram maltratados em
Antioquia e proibidos de pregar o nome de Jesus. Então, eles
corajosamente fizeram um ultimato aos chefes dos sacerdotes judeus:
era nosso dever anunciar por primeiro a vocês a boa nova de Cristo,
mas já que recusais a escutar, iremos pregar a palavra de Cristo aos
gentios. E assim, eles viajaram por várias cidades do Oriente Médio
(Listra, Icônio, Antioquia, Pisídia, Panfília, Perge, Atália e
retornaram a Antioquia, onde anunciaram à comunidade de cristãos
como os pagãos tinham sido receptivos à pregação do evangelho e
tinham-se engajado com entusiasmo, produzindo bons frutos. Estas
cidades situam-se, geograficamente, na região que hoje corresponde
ao territorio da Turquia, sendo as mais famosas Antioquia da Síria
(hoje chama-se Antakya) e Antioquia da Pisídia. Esta última é a
cidade referida na leitura dos Atos do domingo anterior, onde Paulo e
Barnabé foram perseguidos e expulsos. Esta foi também a primeira
viagem missionária de Paulo, houve ainda outras duas, pelas quais
ele chegou a pregar o cristianismo até em Roma.
É importante lembrar
que nem sempre Paulo e Barnabé eram bem recebidos quando chegavam
para a sua pregação, no entanto, eles eram insistentes. Em Listra,
por exemplo, na primeira vez em que estiveram lá, pelos milagres que
realizavam, eles foram confundidos como personificações de Júpiter,
o deus principal da religião do lugar, e até chegaram a ser
homenageados por isso. Quando Paulo e Barnabé perceberam que os
listrenses estavam entendendo tudo errado do que eles pregaram,
afastaram-se das homenagens e foram explicar. Então, os judeus de
Antioquia haviam chegado à cidade em perseguição à dupla e
começaram a espalhar boatos contra eles. A população os perseguiu
e os apedrejou, arrastando-os até fora da cidade. Para eles, Paulo
havia sido dado como morto, aparentemente, ele havia perdido os
sentidos, pois depois se recuperou. Mas, apesar das perseguições,
eles conseguiram obter muitas adesões nestas cidades. E conforme
está escrito em Atos 14, 23, eles fundavam as comunidades,
designavam presbíteros (ou sejam, ordenavam os lideres da
comunidade) e seguiam adiante para continuar sua missão em outras
cidades.
A
segunda leitura, do livro do Apocalipse (21, 1-5), contém uma das
passagens mais conhecidas e interpretadas: a imagem da Nova
Jerusalém, que desce do céu, de junto de Deus. Isso aconteceu
depois que o céu e a terra, assim como o mar, foram destruídos, e
apareceu um novo céu e uma nova terra. A
Nova
Jerusalém era a própria morada de Deus entre os homens. Esta Nova
Jerusalém é compreendida como sendo a figura da Igreja de Cristo.
Ao longo do tempo, esta imagem foi explorada com um certo ar de
triunfalismo desde os teólogos medievais, dando origem a uma espécie
de engrandecimento com que os membros da hierarquia eclesiástica se
viram durante muito tempo (alguns ainda hoje assim se veem), ou seja,
interpretando esta imagem como um tipo de reino temporal ou poder
político, nos moldes como isso existia naquela época histórica.
Esqueceram, esses cristãos triunfalistas, da exortação de Paulo,
contida na primeira leitura de hoje (At 14, 22): 'É
preciso que passemos por muitos sofrimentos para entrar no Reino de
Deus'.
Apesar de toda uma nova corrente que passou a ser estimulada, a
partir do Concílio Vaticano II, mas sobretudo a partir da
Conferência de Puebla, em 1979, acerca da opção preferencial da
Igreja pelos pobres, muitos eclesiásticos e leigos ainda continuam a
entender a Igreja de Cristo como um reino temporal, muitos Bispos e
Padres vivem e agem como verdadeiros monarcas em seus territórios,
embora a sua pregação deles seja o oposto disso. Basta compararmos
os fatos bem recentes, como a mudança de comportamento do nosso
atual Seráfico Papa com o anterior, para vermos essa diferença. O
Papa Francisco é, reconhecidamente, um eclesiástico que vive e age
dentro daquele modelo que a Igreja de Cristo escolheu para si mesmo:
igreja dos pobres para os pobres. Como disse, muitos falam isso mas
poucos assim praticam. Felizmente, parece que as coisas tendem a se
encaminhar para o seu verdadeiro rumo.
Então,
a coisa nova que está anunciada na segunda leitura é a Nova
Jerusalém, que surge dentro do contexto de um novo céu e uma nova
terra, a morada de Deus entre os homens, onde Ele enxugará toda
lágrima, a morte, a tristeza, a dor desaparecerão. Segue a visão
de João em Patmos, sempre cheia de metáforas e enigmas. Devemos
entender a Nova Jerusalém como a imagem da Igreja de Cristo? Eu
diria que sim e não. Sim, porque a comunidade fundada por Cristo, a
partir da catequese distribuída aos doze apóstolos e, através
deles, para todos os crentes em todos os lugares, efetivamente desceu
do céu, de junto de Deus, formando um novo céu e uma nova terra.
Não, porque essa comunidade, que forma a Igreja de Cristo, é por
enquanto só o prenúncio da “Jerusalém” verdadeira, a morada de
Deus, que não está ainda efetivada. A Igreja de Cristo antecipa,
pela fé, a Nova Jerusalém para onde nós seremos conduzidos, após
passarmos pelos muitos sofrimentos, conforme Paulo e Barnabé
exortaram os antioquienses (At 14, 22). Quando eu estudava teologia,
no Seminário da Prainha, havia um professor (não me recordo agora
quem) que dizia uma expressão que me ficou gravada de forma
indelével: a Igreja realiza o reino de Deus dentro da dialética do
já e ainda não. É assim que eu entendo a figura da Nova Jerusalém
relatada pelo Apocalipse. Pela fé, a NJ já está aqui, porém, de
fato, ela ainda não está, pois nós chegaremos lá somente quando
passarmos para a dimensão da eternidade. A Igreja de Cristo
antecipa, pela fé, as promessas que Ele fez e nos deu como garantia
o seu sublime sacrifício. Mas esta antecipação é em termos, ou
seja, na fé e na esperança, e para alcançá-la, nós precisamos
praticar a caridade, o exemplo, a solidariedade, a justiça, a união,
a fraternidade... todas aquelas virtudes que Cristo ensinou e
praticou. Como disse o apóstolo Paulo em I Cor 13, 12: agora vemos
de maneira confusa, como num espelho embaçado, mas depois o veremos
face a face. É isso o já e ainda não, o modo como a Igreja de
Cristo prefigura a Nova Jerusalém.
No
evangelho de João (13, 31), lemos a conversa que Jesus teve com os
apóstolos no final da Santa Ceia, após aquele momento traumático
em que Judas se rebelou e se retirou da recinto. Os outros discípulos
ficaram boquiabertos e sem reação. Jesus foi acalmá-los, dizendo:
chegou o momento em que o Pai será glorificado e isso logo
acontecerá. E acrescentou: “por um pouco de tempo, ainda estou com
vocês. Lembrem-se do novo mandamento que vos dei: que vos ameis uns
aos outros, assim como eu vos amei.” Esta é a coisa nova que a
leitura do evangelho de João nos traz na liturgia deste domingo: o
mandamento do amor. Aquela figura do Javeh odioso e vingativo ficou
para trás, ela foi substituída pela figura do Pai amoroso, que não
quer a morte do pecador, mas que ele se converta e viva. Este é
também o Novo Testamento de Cristo: nisso, todos conhecerão que
sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros. Pelo mandamento
do amor, Cristo veio tornar novas todas as coisas. Todo o evangelho
de João é um grande testemunho deste amor sem medidas, o qual está
presente em todas as narrativas. Diferentemente dos demais
evangelhos, em que os fatos são o destaque, no escrito de João, os
fatos são apenas o pretexto para o amor de Deus se manifestar. A
própria terminologia usada no texto reflete essa temática, como
vemos em Jo 13, 33: “Filhinhos, por pouco tempo ainda estou
convosco.” Nenhum dos outros evangelistas utiliza essa linguagem
intimista e afetuosa de chamar os apóstolos de filhinhos. O
evangelho de João transpira o amor de Deus, revelado no amor de
Cristo.
Meus
amigos, talvez vocês se lembrem de uma expressão que era cara ao
Frei Higino: um frade triste é um triste frade. Assim era o
ensinamento de São Francisco, conforme o testemunho de Tomás de
Celano. Ora, Cristo faz novas todas as coisas todos os dias, os
cristãos não podem ter motivos para tristeza. Que o Divino Mestre
nos ensine a ver sempre as coisas da vida da maneira nova e alegre,
como o Seráfico Pai ensinava.