domingo, 28 de abril de 2013

COMENTÁRIO LITÚRGICO - 5º DOMINGO DA PÁSCOA - COISAS NOVAS - 28.04.2013


COMENTÁRIO LITÚRGICO – 5º DOMINGO DA PÁSCOA – COISAS NOVAS – 28.04.2013

Caros Confrades,

A liturgia deste 5º domingo da Páscoa nos traz um tema dos mais sugestivos acerca da presença de Cristo entre os homens, quando ele veio revelar ao mundo a verdadeira face do Pai. O apóstolo João sintetiza isso nas palavras do Apocalipse (2, 5): Eis que faço novas todas as coisas. Com efeito, aquela imagem do Javeh vingativo e possessivo, irado e violento, como era transmitida na Torah dos hebreus transmudou-se no Deus Amor, aquele que está sempre pronto para perdoar, como disse recentemente em discurso público, o nosso Seráfico Papa.

A coisa nova que nos é transmitida na primeira leitura é o testemunho de Paulo e Barnabé de que Deus abrira a porta da fé aos pagãos. Vimos, na leitura do domingo anterior, como Paulo e Barnabé foram maltratados em Antioquia e proibidos de pregar o nome de Jesus. Então, eles corajosamente fizeram um ultimato aos chefes dos sacerdotes judeus: era nosso dever anunciar por primeiro a vocês a boa nova de Cristo, mas já que recusais a escutar, iremos pregar a palavra de Cristo aos gentios. E assim, eles viajaram por várias cidades do Oriente Médio (Listra, Icônio, Antioquia, Pisídia, Panfília, Perge, Atália e retornaram a Antioquia, onde anunciaram à comunidade de cristãos como os pagãos tinham sido receptivos à pregação do evangelho e tinham-se engajado com entusiasmo, produzindo bons frutos. Estas cidades situam-se, geograficamente, na região que hoje corresponde ao territorio da Turquia, sendo as mais famosas Antioquia da Síria (hoje chama-se Antakya) e Antioquia da Pisídia. Esta última é a cidade referida na leitura dos Atos do domingo anterior, onde Paulo e Barnabé foram perseguidos e expulsos. Esta foi também a primeira viagem missionária de Paulo, houve ainda outras duas, pelas quais ele chegou a pregar o cristianismo até em Roma.

É importante lembrar que nem sempre Paulo e Barnabé eram bem recebidos quando chegavam para a sua pregação, no entanto, eles eram insistentes. Em Listra, por exemplo, na primeira vez em que estiveram lá, pelos milagres que realizavam, eles foram confundidos como personificações de Júpiter, o deus principal da religião do lugar, e até chegaram a ser homenageados por isso. Quando Paulo e Barnabé perceberam que os listrenses estavam entendendo tudo errado do que eles pregaram, afastaram-se das homenagens e foram explicar. Então, os judeus de Antioquia haviam chegado à cidade em perseguição à dupla e começaram a espalhar boatos contra eles. A população os perseguiu e os apedrejou, arrastando-os até fora da cidade. Para eles, Paulo havia sido dado como morto, aparentemente, ele havia perdido os sentidos, pois depois se recuperou. Mas, apesar das perseguições, eles conseguiram obter muitas adesões nestas cidades. E conforme está escrito em Atos 14, 23, eles fundavam as comunidades, designavam presbíteros (ou sejam, ordenavam os lideres da comunidade) e seguiam adiante para continuar sua missão em outras cidades.

A segunda leitura, do livro do Apocalipse (21, 1-5), contém uma das passagens mais conhecidas e interpretadas: a imagem da Nova Jerusalém, que desce do céu, de junto de Deus. Isso aconteceu depois que o céu e a terra, assim como o mar, foram destruídos, e apareceu um novo céu e uma nova terra. A Nova Jerusalém era a própria morada de Deus entre os homens. Esta Nova Jerusalém é compreendida como sendo a figura da Igreja de Cristo. Ao longo do tempo, esta imagem foi explorada com um certo ar de triunfalismo desde os teólogos medievais, dando origem a uma espécie de engrandecimento com que os membros da hierarquia eclesiástica se viram durante muito tempo (alguns ainda hoje assim se veem), ou seja, interpretando esta imagem como um tipo de reino temporal ou poder político, nos moldes como isso existia naquela época histórica. Esqueceram, esses cristãos triunfalistas, da exortação de Paulo, contida na primeira leitura de hoje (At 14, 22):  'É preciso que passemos por muitos sofrimentos para entrar no Reino de Deus'. Apesar de toda uma nova corrente que passou a ser estimulada, a partir do Concílio Vaticano II, mas sobretudo a partir da Conferência de Puebla, em 1979, acerca da opção preferencial da Igreja pelos pobres, muitos eclesiásticos e leigos ainda continuam a entender a Igreja de Cristo como um reino temporal, muitos Bispos e Padres vivem e agem como verdadeiros monarcas em seus territórios, embora a sua pregação deles seja o oposto disso. Basta compararmos os fatos bem recentes, como a mudança de comportamento do nosso atual Seráfico Papa com o anterior, para vermos essa diferença. O Papa Francisco é, reconhecidamente, um eclesiástico que vive e age dentro daquele modelo que a Igreja de Cristo escolheu para si mesmo: igreja dos pobres para os pobres. Como disse, muitos falam isso mas poucos assim praticam. Felizmente, parece que as coisas tendem a se encaminhar para o seu verdadeiro rumo.

Então, a coisa nova que está anunciada na segunda leitura é a Nova Jerusalém, que surge dentro do contexto de um novo céu e uma nova terra, a morada de Deus entre os homens, onde Ele enxugará toda lágrima, a morte, a tristeza, a dor desaparecerão. Segue a visão de João em Patmos, sempre cheia de metáforas e enigmas. Devemos entender a Nova Jerusalém como a imagem da Igreja de Cristo? Eu diria que sim e não. Sim, porque a comunidade fundada por Cristo, a partir da catequese distribuída aos doze apóstolos e, através deles, para todos os crentes em todos os lugares, efetivamente desceu do céu, de junto de Deus, formando um novo céu e uma nova terra. Não, porque essa comunidade, que forma a Igreja de Cristo, é por enquanto só o prenúncio da “Jerusalém” verdadeira, a morada de Deus, que não está ainda efetivada. A Igreja de Cristo antecipa, pela fé, a Nova Jerusalém para onde nós seremos conduzidos, após passarmos pelos muitos sofrimentos, conforme Paulo e Barnabé exortaram os antioquienses (At 14, 22). Quando eu estudava teologia, no Seminário da Prainha, havia um professor (não me recordo agora quem) que dizia uma expressão que me ficou gravada de forma indelével: a Igreja realiza o reino de Deus dentro da dialética do já e ainda não. É assim que eu entendo a figura da Nova Jerusalém relatada pelo Apocalipse. Pela fé, a NJ já está aqui, porém, de fato, ela ainda não está, pois nós chegaremos lá somente quando passarmos para a dimensão da eternidade. A Igreja de Cristo antecipa, pela fé, as promessas que Ele fez e nos deu como garantia o seu sublime sacrifício. Mas esta antecipação é em termos, ou seja, na fé e na esperança, e para alcançá-la, nós precisamos praticar a caridade, o exemplo, a solidariedade, a justiça, a união, a fraternidade... todas aquelas virtudes que Cristo ensinou e praticou. Como disse o apóstolo Paulo em I Cor 13, 12: agora vemos de maneira confusa, como num espelho embaçado, mas depois o veremos face a face. É isso o já e ainda não, o modo como a Igreja de Cristo prefigura a Nova Jerusalém.

No evangelho de João (13, 31), lemos a conversa que Jesus teve com os apóstolos no final da Santa Ceia, após aquele momento traumático em que Judas se rebelou e se retirou da recinto. Os outros discípulos ficaram boquiabertos e sem reação. Jesus foi acalmá-los, dizendo: chegou o momento em que o Pai será glorificado e isso logo acontecerá. E acrescentou: “por um pouco de tempo, ainda estou com vocês. Lembrem-se do novo mandamento que vos dei: que vos ameis uns aos outros, assim como eu vos amei.” Esta é a coisa nova que a leitura do evangelho de João nos traz na liturgia deste domingo: o mandamento do amor. Aquela figura do Javeh odioso e vingativo ficou para trás, ela foi substituída pela figura do Pai amoroso, que não quer a morte do pecador, mas que ele se converta e viva. Este é também o Novo Testamento de Cristo: nisso, todos conhecerão que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros. Pelo mandamento do amor, Cristo veio tornar novas todas as coisas. Todo o evangelho de João é um grande testemunho deste amor sem medidas, o qual está presente em todas as narrativas. Diferentemente dos demais evangelhos, em que os fatos são o destaque, no escrito de João, os fatos são apenas o pretexto para o amor de Deus se manifestar. A própria terminologia usada no texto reflete essa temática, como vemos em Jo 13, 33: “Filhinhos, por pouco tempo ainda estou convosco.” Nenhum dos outros evangelistas utiliza essa linguagem intimista e afetuosa de chamar os apóstolos de filhinhos. O evangelho de João transpira o amor de Deus, revelado no amor de Cristo.

Meus amigos, talvez vocês se lembrem de uma expressão que era cara ao Frei Higino: um frade triste é um triste frade. Assim era o ensinamento de São Francisco, conforme o testemunho de Tomás de Celano. Ora, Cristo faz novas todas as coisas todos os dias, os cristãos não podem ter motivos para tristeza. Que o Divino Mestre nos ensine a ver sempre as coisas da vida da maneira nova e alegre, como o Seráfico Pai ensinava.


domingo, 21 de abril de 2013

COMENTÁRIO LITÚRGICO - 4º DOMINGO DA PÁSCOA - OUTRAS OVELHAS - 21.04.2013


COMENTÁRIO LITÚRGICO – 4º DOMINGO DA PÁSCOA – OUTRAS OVELHAS – 21.04.2013


Caros Confrades,

Neste 4º domingo da Páscoa, a liturgia nos traz a conhecida imagem do Bom Pastor, que conhece as suas ovelhas (Jo 10, 27). Repete-se o mesmo tema dos anos anteriores, porém tendo como referência outras leituras bíblicas. Vale recordar também a figura da Divina Pastora, devoção espalhada pelo beato capuchino espanhol Diego de Cadiz e presente nas missões capuchinhas tradicionais. Um outro detalhe curioso é o retorno para a liturgia daquele antigo cântico “vós sois meu pastor, ó Senhor”, que cantávamos no Seminário como parte daquela coleção de salmos de J. Gelineau, inclusive com a mesma melodia. Foi feita apenas uma adaptação nas palavras.

A primeira leitura, dos Atos dos Apóstolos (13, 14ss), relata a missão de Paulo e Barnabé, em Antioquia, quando foram escorraçados pelos chefes dos sacerdotes judeus, que não queriam ouvir falar no nome de Jesus. Relata o hagiógrafo Lucas que “quase toda a cidade” se reuniu para ouvir os apóstolos pregando a mensagem cristã, o que causou inveja e revolta nos fariseus, que os insultavam com blasfêmias. Foi quando Paulo lançou-lhes o anátema: “'Era preciso anunciar a palavra de Deus primeiro a vós. Mas, como a rejeitais e vos considerais indignos da vida eterna, sabei que vamos dirigir-nos aos pagãos.” (At 13, 46) Vê-se, nesse relato, a imagem das ovelhas que não reconhecem o pastor e o expulsam. Então, os Apóstolos deixaram de insistir com os judeus pela sua conversão ao cristianismo e passaram a pregar a Palavra aos gentios, donde foi atribuído a Paulo o título de Apóstolos dos gentios. A nossa vivência cristã atual é a realização dessa profecia de Jesus, ao anunciar a universalidade da sua doutrina.

Um detalhe interessante dessa narrativa está em At 14, 50 quando relata que os judeus instigaram as mulheres ricas e religiosas, bem como os homens influentes da cidade para buscarem apoio a fim de expulsarem Paulo e Barnabé do local. Há duas observações a fazer aqui. Primeiro, a menção das mulheres ricas. Sabe-se que, naquela época, as mulheres eram submissas aos maridos e, por elas mesmas, não teriam força social para conseguir aquele intento. Segundo, logo a seguir, o escritor sagrado se refere aos homens influentes da cidade. Ora, é de se supor que os tais homens influentes seriam os maridos daquelas mulheres ricas antes citadas. Na verdade, a mim parece que essa referência a mulheres ricas e homens influentes tem o objetivo de esclarecer que os primeiros crentes eram pessoas do povo, que não pertenciam às elites das cidades. As pessoas ricas e poderosas seguiam a mesma fé dos fariseus e ouviam as pregações tradicionais dos chefes dos sacerdotes nas sinagogas, daqueles mesmos que haviam trabalhado para a condenação à morte de Jesus. Deduz-se que, nesses primeiros tempos, a pregação dos Apóstolos não tinha boa aceitação entre os judeus tradicionais, embora alguns do povo, provavelmente os que haviam acompanhado a trajetória de Jesus de forma direta ou indireta, tivessem aderido aos seus ensinamentos. Tanto assim que o escritor menciona que “quase toda a cidade” se reunira para ouvir os Apóstolos, o que causava grande desconforto para os judeus tradicionais. Foi quando o Bom Pastor desistiu de insistir com as ovelhas descendentes de Abraão e saiu em busca de outros apriscos.

O relato dos Atos dos Apóstolos nos mostra, assim, de que modo se iniciou a pregação do cristianismo aos não judeus, espalhando-se pelas comunidades gregas e seguindo em direção a Roma, onde depois se fixou a sede da Igreja de Cristo. Sabemos, pelos escritos de Paulo, que outros judeus, que residiam em território grego, aderiram mais facilmente ao cristianismo, pois não tinham a influência negativa dos fariseus. Estes até quiseram ter uma 'prioridade' em relação aos novos cristãos de origem grega, considerando-se eles os primeiros a quem a Palavra fora dirigida, e assim eles deveriam ter um tratamento diferenciado. Paulo opôs-se veementemente a isso, afirmando que, após a nova aliança celebrada por Cristo, já não há mais diferença entre judeu e grego, porque agora todos estão incluídos no mesmo rebanho e são conduzidos pelo mesmo Bom Pastor. Convém sempre lembrar que foi em decorrência desse novo direcionamento da catequese dos Apóstolos, voltada para os não judeus, que nós brasileiros, latino americanos, tivemos o acesso à Boa Nova cristã, na continuidade da ação apostólica de Paulo, que chegou até nós por intermédio dos seus seguidores, discípulos de Inácio de Loyola.

Esta ideia está coerente com o tema da segunda leitura, retirada do Apocalipse de João: “Eu, João, vi uma multidão imensa de gente de todas as nações, tribos, povos e línguas, e que ninguém podia contar. Estavam de pé diante do trono e do Cordeiro.” (Ap 7, 9) Ou seja, João viu a nós nessa sua antecipação futurista espiritual. João foi um que padeceu a perseguição por causa do nome de Jesus, sendo desterrado para a ilha de Patmos, onde ele teve a visão que narra no Apocalipse. Embora João tenha se mantido sempre em território palestino, mesmo não tendo seguido Paulo em suas pregações pelos domínios gregos, no entanto, ele teve a mesma intuição de que o cristianismo obteria mais sucesso entre os gentios do que entre os judeus. E prossegue João: “Esses são os que vieram da grande tribulação. Lavaram e alvejaram as suas roupas no sangue do Cordeiro. ” (Ap 7, 14) Com outras palavras, João repete o mesmo ensinamento de Paulo a respeito da questão dos judaizantes: todos os que foram lavados no sangue do Cordeiro pertencem ao mesmo rebanho, sem distinção de origem. Todos passaram pela 'grande tribulação' e saíram vitoriosos. João estava, certamente, se lembrando da promessa de Cristo de que eles iriam ser perseguidos por causa do nome d'Ele, mas que, ao final, sairiam vitoriosos. Essa sensação era muito significativa para João naquele momento em que ele, no desterro, sofria na própria pele aquilo que Jesus havia previsto. Mas ele tinha certeza de que, depois daquela tribulação, o sangue do Cordeiro o habilitaria a receber a recompensa. Após a provação pelo sofrimento, todos “nunca mais terão fome, nem sede, nem os molestará o sol, nem algum calor ardente. Porque o Cordeiro, que está no meio do trono, será o seu pastor e os conduzirá às fontes da água da vida. ” (Ap 7, 16-17)

A metáfora do pastoreio está presente em muitos momentos da pregação de Cristo e dos Apóstolos, dada a familiaridade dessa atividade com as pessoas a quem eles se dirigiam. Nos dias atuais, trata-se de uma imagem romântica, que nós nos habituamos a ver nas pinturas clássicas e nas montagens do presépio do Natal. Mas para aquele povo, essa figura tinha uma força extraordinária, porque o cuidado do rebanho fazia parte do seu dia a dia, o carinho com as ovelhas, a busca da ovelha perdida, os predadores de ovelhas, os diversos rebanhos e o único rebanho, todos esses conceitos eram referenciais marcantes no imaginário daquela gente, daí porque Cristo tantas vezes utilizou essa imagem na sua pedagogia. E mesmo não fazendo ela parte da nossa cultura, ainda assim aquela figura amável e solícita do pastor permanece como um estereótipo cativante de quem cuida com amor dos animais, sobretudo dos mais indefesos. Ao longo da história, o discurso centrado na figura do Bom Pastor foi, sem dúvida, um apelo vigoroso para transmitir a imagem do Pai, revelada a nós por Cristo.

O evangelho deste domingo é um curto trecho também de João, reproduzindo as palavras de Jesus: “As minhas ovelhas escutam a minha voz, eu as conheço e elas me seguem. ” (Jo 10, 27). Esta frase nos deixa a pensar no porquê de não terem os judeus escutado a voz do Bom Pastor e não o terem seguido. Eles não eram Suas ovelhas? Ora, mas foi para os judeus que a Palavra divina foi dirigida em primeiro lugar, como não seriam eles Suas ovelhas? Parece, meus amigos, que o problema está em ouvir a palavra sem escutá-la. Embora estes dois verbos sejam gramaticalmente sinônimos, se observarmos bem, quantas vezes, nós ouvimos algo e não conseguimos identificar aquilo? Seja porque estamos distraídos, seja porque nos faltou interesse, seja porque estávamos ocupados com outras coisas mais importantes naquele momento... às vezes, até um(a) filho(a) precisa chamar mais de uma vez, para que nós venhamos a escutá-lo. Deve ter sido algo semelhante que aconteceu com os judeus: ouviram a pregação de João Batista e não a escutaram; ouviram a pregação de Cristo e não a escutaram; ouviram a pregação dos apóstolos e não a escutaram. Talvez estivessem com os ouvidos ocupados com outras coisas “mais importantes”. Não podemos deixar que esse mesmo deslize nos acometa. Precisamos estar sempre atentos para ouvir e escutar o que Jesus quer de nós. Que Ele nos ajude a estarmos sempre abertos à sua Palavra.


domingo, 14 de abril de 2013

COMENTÁRIO LITÚRGICO - 3º DOMINGO DA PÁSCOA - O TESTEMUNHO DE JOÃO - 14.04.2013


COMENTÁRIO LITÚRGICO – 3º DOM. DA PÁSCOA – O TESTEMUNHO DE JOÃO – 14.04.2013

Caros Confrades,

A liturgia deste terceiro domingo da Páscoa traz importantes testemunhos, na leitura do evangelho de João e também na segunda leitura, retirada do Apocalipse. Vemos ainda, na primeira leitura, o relato de Lucas, nos Atos dos Apóstolos, sobre a pregação destes nos dias que sucederam a morte de Jesus, sendo perseguidos pelos chefes dos sacerdotes.

Conforme a narrativa de Atos (5, 27), os Apóstolos foram levados ao Sinédrio, para se apresentarem ao Sumo Sacerdote, que os interrogou sobre o porquê de estarem pregando em nome de Jesus, se haviam sido proibidos de fazer isso. E estavam os sacerdotes ainda mais irritados porque os Apóstolos punham neles a culpa pela morte de Jesus. Mas não podendo manter os Apóstolos presos, por causa do receio da revolta popular, limitaram-se a mandar açoitá-los e depois os soltaram. E estes saíram do Sinédrio muito contentes, porque tinham sido insultados por causa do nome de Jesus, exatamente como Ele havia previsto. Apenas para deixar referenciado, a pena de açoites era utilizada naquela época para delitos pequenos, aquilo que atualmente o Direito chama de delitos de menor potencial ofensivo. Lembremo-nos que Pilatos também tentou fazer isso como forma de aplacar os judeus, pois tinha a intenção de libertar Jesus depois da surra. Só que os chefes dos sacerdotes queriam mais e assim os açoites não foram suficientes. Mas no caso dos Apóstolos, foi isso o que aconteceu.

A segunda leitura é um trecho do Apocalipse. Todos sabem que essa palavra significa revelação, pois foi a visão que João teve quando estava desterrado na ilha de Patmos. Esta era uma ilha deserta para onde eram enviados presos inconvenientes, para serem esquecidos e morrerem por lá. João foi desterrado por causa de sua pregação, pois ele desobedecera sucessivas vezes os sacerdotes judeus. Enquanto estava lá, na solidão do exílio, João teria tido umas visões estranhas, que ele escreveu neste livro. Há suposições dos estudiosos que o texto original era bem mais longo e dele foram retiradas algumas passagens. Talvez algumas ainda mais incompreensíveis do que as que estão nele contidas. Isso, porém, não é assunto pacífico, há divergências. O fato é que ele usa uma linguagem excessivamente cifrada e metafórica, dando azo a múltiplas interpretações. Outro fato importante a ser lembrado é que, embora este seja o último livro do cânon bíblico, ele foi escrito por João antes das cartas e do evangelho. Quando foi libertado, João foi viver em Éfeso, onde foi bispo daquela igreja até a sua morte.

O pequeno trecho do Apocalipse (5, 11-14) lido na missa de hoje mostra que grande parte da arte sacra produzida na Idade Média e no Renascimento tem como fonte de inspiração a Revelação de João. Assim como alguns trechos fixos da liturgia são também retirados desse mesmo livro. Dizendo, por exemplo, que o Pai estava sentado no trono e, ao seu lado, o Cordeiro que fora imolado e, em volta do trono, milhões de anjos é uma descrição que se vê representada nos quadros de diversos artistas, cada um interpretando à sua maneira. E mais os anciãos que se prostram... e os quatro seres vivos que diziam amém... talvez por causa de certas descrições de difícil entendimento há autores que sustentam que o livro do Apocalipse é composto por fragmentos do texto original, que teria sido perdido. Daí existirem certos lapsos de sequência, que suscitam as mais diferentes interpretações. Trata-se, sem dúvida, de uma leitura demasiado indigesta.

O texto do evangelho é também de João, relatando a terceira aparição de Jesus aos discípulos, após a ressurreição, desta vez na margem do lago de Tiberíades ou mar da Galiléia. Antes de prosseguir, quero apenas lembrar que o evangelho de João foi o último escrito dele, quando ele já tinha mais de 90 anos de idade. Consta que João teria escrito o seu evangelho por volta do ano 100 d.C., vindo a falecer pouco tempo depois, no ano 103. Então, o texto de João traz muitos aperfeiçoamentos teológicos, em relação aos outros evangelhos. Primeiro, pelo fato de João ter sido testemunha ocular dos fatos, enquanto os outros evangelistas sabiam apenas por ouvir dizer. Segundo, porque no final do século I, as primeiras comunidades cristãs já tinham amadurecido muito no conhecimento e no entendimento da doutrina cristã, de modo que o evangelho de João reflete isso.

Pois bem. João relata que alguns dos discípulos estavam na sua faina comum da pescaria, quando Jesus apareceu. Vejamos bem isso. Depois da ressurreição de Cristo, os Apóstolos não deixaram seus afazeres cotidianos e saíram só pregando pelas ruas. Eles faziam isso sim, mas precisavam trabalhar para ter o que comer. Somente após Pentecostes e com o crescente número de comunidades foi que eles tiveram de se dedicar apenas à missão dada a eles por Cristo. Continuando. João narra mais um milagre feito por Jesus após a ressurreição, período em que ele continuou a preparar os Apóstolos, até a sua ascensão, confirmando o que ele havia ensinado antes. Depois de passarem a noite em tentativas, sem nada conseguir pescar, Jesus mandou que eles jogassem a rede à direita do barco... e lá estavam os peixes em grande quantidade. João percebeu logo e disse a Pedro: é o Senhor. Chegados à praia, já havia fogo aceso e pão. Jesus mandou que trouxessem peixes dos que tinham pescado ali, assou-os e repartiu com eles. João não diz que Jesus comeu. Um outro fato curioso a considerar nessa narração é que João relatou uma 'missa' celebrada por Cristo ali na beira do lago, sem fazer uso do vinho, mas apenas com pão e peixe.

Depois dessa narrativa miraculosa, João passa a relatar um episódio que tem desdobramentos históricos importantes. Jesus pergunta a Pedro, por três vezes seguida, se este O ama. Pedro, na terceira vez, já estava sem jeito com a insistência de Jesus, parecia que Ele não acreditava. Mas o objetivo de João, ao narrar este fato, vai muito além das perguntas e respostas. Através da tríplice pergunta, João mostra que Jesus queria resgatar a confiança de Pedro, após ter ele negado por três vezes, na noite que antecedera a Paixão. Foi como que um reforço pedagógico: Pedro havia de confirmar o amor a Cristo pelo mesmo número de vezes que havia fracassado na negativa. A outra finalidade buscada por João era a de reforçar o mandato de Cristo a Pedro, no que diz respeito à primazia sobre os demais Apóstolos. João foi o grande baluarte de Pedro durante as pregações, sempre o acompanhava e o assistia, porque havia entendido que o Mestre tinha expressado a escolha de Pedro para ser o líder do grupo. Não se sabe até que ponto os outros entenderam isso, mas João fez questão de deixar registrado que, além do episódio das chaves simbólicas entregues a Pedro por Jesus, ele ainda havia triplamente recomendado que ele 'apascentasse o rebanho.'

Na época de João, o centro do cristianismo ainda estava em Jerusalém, embora os Apóstolos tivessem se espalhado por várias localidades, conforme Jesus havia ordenado, e Pedro era o que tinha se dirigido até Roma, na época a metrópole capital do grande império, onde Paulo havia feito muitos seguidores de Cristo. Mas, então, ainda não havia se colocado a questão da 'chefia' do ponto de vista prático, fato que somente veio a surgir séculos mais tarde, quando todos os apóstolos já haviam falecido e o tema passou a ser questionado pelos 'sucessores' deles, ocasião em que cada um era chefe da própria comunidade. De todo modo, João já deixou claro, desde então, que embora fosse ele (João) o discípulo amado, no entanto, a 'chefia' do grupo fora delegada a Pedro. João já havia demonstrado isso antes, naquela ocasião em que ele, Pedro e as mulheres foram visitar o túmulo de Cristo, no dia seguinte. Todos lembram, o próprio João relatou: ele correu mais do que Pedro e chegou primeiro ao túmulo, mas não entrou. Esperou que Pedro chegasse, para que entrasse primeiro. Foi juntando esses detalhes que, a partir do século IV, delineou-se a tese da primazia petrina, permeada por muitas divergências. Ao ponto de, após muitos anos de polêmica, chegar a uma solução drástica com a ruptura das comunidades gregas, que não aceitaram a feitura tomada pelo cristianismo em Roma, influenciada pelos costumes romanos, e recusaram-se a aceitar a chefia do Bispo de Roma.

Pois bem, meus amigos. Esses testemunhos de João são muito importantes e nos ajudam a compreender os rumos que a Igreja de Cristo seguiu nos primeiros séculos. E eu vejo, com muita esperança, as últimas tratativas para a reunião das igrejas oriental e ocidental, levadas a efeito pelos últimos Papas. Fazem-nos acreditar que, em breve, possamos ter novamente a unidade do rebano de Cristo, pra que todos sejam um, como Ele muitas vezes pediu.


domingo, 7 de abril de 2013

COMENTÁRIO LITÚRGICO - 2º DOMINGO DA PÁSCOA - MARAVILHAS OPERADAS - 07.04.2013


COMENTÁRIO LITÚRGICO – 2º DOMINGO DA PÁSCOA – MARAVILHAS OPERADAS – 07.04.2013

Caros Confrades,

Neste segundo domingo da Páscoa (lembrar que não se diz domingo 'depois' da Páscoa), a liturgia traz para nossa consideração as maravilhas operadas pelos Apóstolos, após a ressurreição de Cristo, levando grande quantidade de judeus à conversão, em decorrência da pregação que haviam ouvido de Jesus e que agora era confirmada com a sua ressurreição e com os milagres intermediados por seus discípulos.

Na primeira leitura, dos Atos dos Apóstolos (At 5, 12-16), lemos sobre os testemunhos narrados por Lucas (autor do texto) da grande adesão de novos cristãos, mediante a pregação dos Apóstolos e os milagres realizados por eles. As pessoas se admiravam da eloquência deles, pois os conheciam de muito tempo e sabia que eles eram de pouca instrução. No entanto, após a ressurreição de Cristo, houve uma transformação no seu comportamento e no seu modo de agir. Diz o texto que acorriam multidões das cidades próximas de Jerusalém, para ouvir a pregação dos Apóstolos e traziam seus doentes para serem curados. Colocavam os doentes nos locais por onde eles deviam passar e esperavam que ao menos a sua sombra os atingisse, porque isso era garantia de cura. Lembremo-nos do que Jesus havia prometido aos seus discípulos: (João 14, 12) Em verdade, em verdade vos digo que aquele que crê em mim fará também as obras que eu faço e outras maiores fará. Com efeito, pelos relatos de Atos, os Apóstolos fizeram maior quantidade de milagres do que o próprio Jesus havia feito, o que é compreensível. Jesus esperava que as pessoas acreditassem n'Ele não pelos milagres, mas pela sua pregação, pela sua doutrina. Já em relação aos Apóstolos, estes pregavam Jesus e a autenticidade do seu discurso era confirmada pelos milagres realizados por eles. Além do mais, eles eram em número de 12 e, portanto, o número de pessoas beneficiadas era muito maior. Os milagres feitos por intermédio dos Apóstolos tinham uma força probante muito maior, porque demonstravam nas pessoas destes a divindade de Jesus. O poder de convencimento que os Apóstolos exerciam eram fortíssimo.

Na segunda leitura, lemos um trecho da 2a. Carta de João, na qual ele relata o que passou quando esteve exilado na ilha de Patmos (onde ele escrevera o Apocalipse), e declara que alguém, semelhante ao filho do Homem, afirmou para ele que havia morrido, mas agora está vivo para sempre (2 Jo 1, 18), mandando ainda que ele escrevesse a visão que estava presenciando. O testemunho de João é valiosíssimo, porque ele convivera com Cristo em vida terrestre e O viu depois de ressuscitado, por diversas vezes. Associando-se isso ao fato de que João foi o Apóstolo que viveu mais tempo e, portanto, acompanhou todo o desenvolvimento do cristianismo nascente, tinha um conhecimento privilegiado de todos esses fatos e por isso a sua reflexão tinha aquela grande autoridade de cofundador do cristianismo. A carta de João, dirigida às comunidades da Ásia Menor, reforçava a fé nascente no Cristo ressuscitado e esses testemunhos são a maior prova da própria ressurreição de Cristo.

O trecho do evangelho da liturgia de hoje (Jo 20, 19-31) é o mesmo do ano passado, onde está relatado o episódio da incredulidade de Tomé, um dos episódios mais conhecidos do cristianismo antigo. E também, por duas vezes, o Apóstolo menciona que Jesus apareceu ao grupo, após a ressurreição, no primeiro dia da semana. No evangelho do domingo passado (Páscoa da ressurreição), vimos o encontro de Maria Madalena com Jesus ainda na madrugada do primeiro dia da semana, quando ela e outros tinham ido fazer a visita ao túmulo de Jesus e dali Ele havia mandado um recado aos doze de que logo mais estaria com eles em Jerusalém. Isso significa que a primeira aparição de Cristo ressuscitado aos Apóstolos se deu no próprio dia da ressurreição, ao anoitecer. E seguindo a narração de João (Jo 20, 26), o dia em que Tomé viu Jesus foi no domingo seguinte, ou seja, numa composição cronológica, este dia seria o domingo de hoje. Podemos observar que Jesus fez propositalmente suas visitas aos Apóstolos no primeiro dia da semana, sinalizando que este deveria ser o “dia do Senhor” do novo testamento, em substituição ao tradicional costume de observância do sábado. Não demorou para que os primeiros cristãos percebessem isso e transferissem o dia do descanso para o dia do Senhor.

É interessante observar que esse episódio da incredulidade de Tomé foi narrado apenas pelo evangelista João, não se encontrando nos demais evangelhos. Isso se explica, em primeiro lugar, porque João tinha conhecimento ocular do fato, por ter sido um dos que estavam presentes no momento, enquanto os outros autores dos evangelhos escreveram apenas pelo que ouviram ou leram a respeito. Mas há também um objetivo pedagógico nisso: João, em sua longevidade, encontrou diversas pessoas que não tinham conhecido Jesus como pessoa, mas O conheceram apenas através de sua doutrina e então a história de Tomé tinha o objetivo de ensinar aos novéis cristãos que o próprio Cristo havia chamado de bem aventurados os que acreditassem nele sem vê-Lo. E João ainda diz mais que Jesus havia realizado muitas outras maravilhas, que não foram escritas naquele livro, as que estão escritas são apenas uma amostra de tudo o que Ele havia feito.

Quero fazer uma referência, neste contexto, a outro trecho dos Atos dos Apóstolos que foi lido na liturgia de ontem, sábado, acerca da pregação dos Apóstolos e da adesão em massa dos judeus ao cristianismo, preocupando os chefes dos Sacerdotes judeus e os anciãos do povo. Estes sabiam que aqueles Apóstolos eram os mesmos que haviam seguido Jesus e sabiam que eles eram homens de pouca instrução, daí não conseguirem entender o motivo de eles terem ficado tão sábios e poderosos da noite para o dia, fazendo milagres que eles não podiam negar, eles mesmos presenciaram o fato. (At 4, 14). Mandaram prendê-los, mas logo depois os soltaram, com receio de uma reação por parte da multidão, que os estimava e defendia. E ficaram a discutir sobre o que fazer para frear o avanço do cristianismo nascente, para que “a coisa não se espalhe ainda mais entre o povo” (At 4. 17). Então, chamaram Pedro e João e os proibiram de ensinar e pregar o nome de Jesus, ameaçando-os. Eles simplesmente disseram que não obedeceriam aquela ordem e os fariseus não puderam fazer nada, por causa do grande apoio popular que os Apóstolos tinham.

Observa-se, meus amigos, como foi impactante o resultado da pedagogia de Cristo durante a sua missão de pregador nos fatos após a sua morte. Os fariseus e os sumos sacerdotes fizeram uma manobra política para conseguir a condenação de Jesus à morte, na expectativa de que, com isso, seus discípulos se dispersassem e a coisa se acabasse por ali. Assim já havia acontecido com outros “revolucionários” e havia dado certo, pensavam eles que seria a mesma coisa. Só que com Jesus foi diferente, porque Ele ressuscitou, isso fez toda a diferença. Desse modo, a grande massa ao ver os milagres operados pelos Apóstolos, em nome de Jesus, tiveram uma certeza do seu poder e da sua origem divina, contrariando os prognósticos dos sacerdotes. O resultado disso é que a adesão à nova fé entre os judeus se apresentou de tal monta que os sacerdotes ficaram sem saber o que fazer. Aquela estratégia imaginada com a sua condenação estava surtindo o efeito contrário do pretendido, ou seja, Jesus morto, mas ressuscitado, se tornara ainda mais poderoso do que antes de morrer. Essa é a grande mágica da loucura da cruz, de que fala o apóstolo Paulo (1 Cor 1, 18): “Porque a palavra da cruz é loucura para os que perecem; mas para nós, que somos salvos, é o poder de Deus.” Os chefes dos sacerdotes, ao transformarem Jesus num louco perante a multidão e o submeterem ao máximo suplício, pensavam que haviam exterminado a sua pregação e a sua influência. Não demorou nada e aquela suposta loucura estava se transformando em extraordinário poder, contra o qual os seus algozes não tinham mais nenhum controle.

Meus amigos, que nós saibamos, através dos nossos atos no dia a dia, mostrar para a sociedade incrédula que a loucura da cruz é o grande diferencial que transforma o cristão de tolo em sábio, de fraco em poderoso, de condenado em vencedor.