COMENTÁRIO LITÚRGICO
– 3º DOM. DA PÁSCOA – O TESTEMUNHO DE JOÃO – 14.04.2013
Caros Confrades,
A liturgia deste
terceiro domingo da Páscoa traz importantes testemunhos, na leitura
do evangelho de João e também na segunda leitura, retirada do
Apocalipse. Vemos ainda, na primeira leitura, o relato de Lucas, nos
Atos dos Apóstolos, sobre a pregação destes nos dias que sucederam
a morte de Jesus, sendo perseguidos pelos chefes dos sacerdotes.
Conforme a narrativa de
Atos (5, 27), os Apóstolos foram levados ao Sinédrio, para se
apresentarem ao Sumo Sacerdote, que os interrogou sobre o porquê de
estarem pregando em nome de Jesus, se haviam sido proibidos de fazer
isso. E estavam os sacerdotes ainda mais irritados porque os
Apóstolos punham neles a culpa pela morte de Jesus. Mas não podendo
manter os Apóstolos presos, por causa do receio da revolta popular,
limitaram-se a mandar açoitá-los e depois os soltaram. E estes
saíram do Sinédrio muito contentes, porque tinham sido insultados
por causa do nome de Jesus, exatamente como Ele havia previsto.
Apenas para deixar referenciado, a pena de açoites era utilizada
naquela época para delitos pequenos, aquilo que atualmente o Direito
chama de delitos de menor potencial ofensivo. Lembremo-nos que
Pilatos também tentou fazer isso como forma de aplacar os judeus,
pois tinha a intenção de libertar Jesus depois da surra. Só que os
chefes dos sacerdotes queriam mais e assim os açoites não foram
suficientes. Mas no caso dos Apóstolos, foi isso o que aconteceu.
A segunda leitura é um
trecho do Apocalipse. Todos sabem que essa palavra significa
revelação, pois foi a visão que João teve quando estava
desterrado na ilha de Patmos. Esta era uma ilha deserta para onde
eram enviados presos inconvenientes, para serem esquecidos e morrerem
por lá. João foi desterrado por causa de sua pregação, pois ele
desobedecera sucessivas vezes os sacerdotes judeus. Enquanto estava
lá, na solidão do exílio, João teria tido umas visões estranhas,
que ele escreveu neste livro. Há suposições dos estudiosos que o
texto original era bem mais longo e dele foram retiradas algumas
passagens. Talvez algumas ainda mais incompreensíveis do que as que
estão nele contidas. Isso, porém, não é assunto pacífico, há
divergências. O fato é que ele usa uma linguagem excessivamente
cifrada e metafórica, dando azo a múltiplas interpretações. Outro
fato importante a ser lembrado é que, embora este seja o último
livro do cânon bíblico, ele foi escrito por João antes das cartas
e do evangelho. Quando foi libertado, João foi viver em Éfeso, onde
foi bispo daquela igreja até a sua morte.
O pequeno trecho do
Apocalipse (5, 11-14) lido na missa de hoje mostra que grande parte
da arte sacra produzida na Idade Média e no Renascimento tem como
fonte de inspiração a Revelação de João. Assim como alguns
trechos fixos da liturgia são também retirados desse mesmo livro.
Dizendo, por exemplo, que o Pai estava sentado no trono e, ao seu
lado, o Cordeiro que fora imolado e, em volta do trono, milhões de
anjos é uma descrição que se vê representada nos quadros de
diversos artistas, cada um interpretando à sua maneira. E mais os
anciãos que se prostram... e os quatro seres vivos que diziam
amém... talvez por causa de certas descrições de difícil
entendimento há autores que sustentam que o livro do Apocalipse é
composto por fragmentos do texto original, que teria sido perdido.
Daí existirem certos lapsos de sequência, que suscitam as mais
diferentes interpretações. Trata-se, sem dúvida, de uma leitura
demasiado indigesta.
O texto do evangelho é
também de João, relatando a terceira aparição de Jesus aos
discípulos, após a ressurreição, desta vez na margem do lago de
Tiberíades ou mar da Galiléia. Antes de prosseguir, quero apenas
lembrar que o evangelho de João foi o último escrito dele, quando
ele já tinha mais de 90 anos de idade. Consta que João teria
escrito o seu evangelho por volta do ano 100 d.C., vindo a falecer
pouco tempo depois, no ano 103. Então, o texto de João traz muitos
aperfeiçoamentos teológicos, em relação aos outros evangelhos.
Primeiro, pelo fato de João ter sido testemunha ocular dos fatos,
enquanto os outros evangelistas sabiam apenas por ouvir dizer.
Segundo, porque no final do século I, as primeiras comunidades
cristãs já tinham amadurecido muito no conhecimento e no
entendimento da doutrina cristã, de modo que o evangelho de João
reflete isso.
Pois bem. João relata
que alguns dos discípulos estavam na sua faina comum da pescaria,
quando Jesus apareceu. Vejamos bem isso. Depois da ressurreição de
Cristo, os Apóstolos não deixaram seus afazeres cotidianos e saíram
só pregando pelas ruas. Eles faziam isso sim, mas precisavam
trabalhar para ter o que comer. Somente após Pentecostes e com o
crescente número de comunidades foi que eles tiveram de se dedicar
apenas à missão dada a eles por Cristo. Continuando. João narra
mais um milagre feito por Jesus após a ressurreição, período em
que ele continuou a preparar os Apóstolos, até a sua ascensão,
confirmando o que ele havia ensinado antes. Depois de passarem a
noite em tentativas, sem nada conseguir pescar, Jesus mandou que eles
jogassem a rede à direita do barco... e lá estavam os peixes em
grande quantidade. João percebeu logo e disse a Pedro: é o Senhor.
Chegados à praia, já havia fogo aceso e pão. Jesus mandou que
trouxessem peixes dos que tinham pescado ali, assou-os e repartiu com
eles. João não diz que Jesus comeu. Um outro fato curioso a
considerar nessa narração é que João relatou uma 'missa'
celebrada por Cristo ali na beira do lago, sem fazer uso do vinho,
mas apenas com pão e peixe.
Depois dessa narrativa
miraculosa, João passa a relatar um episódio que tem desdobramentos
históricos importantes. Jesus pergunta a Pedro, por três vezes
seguida, se este O ama. Pedro, na terceira vez, já estava sem jeito
com a insistência de Jesus, parecia que Ele não acreditava. Mas o
objetivo de João, ao narrar este fato, vai muito além das perguntas
e respostas. Através da tríplice pergunta, João mostra que Jesus
queria resgatar a confiança de Pedro, após ter ele negado por três
vezes, na noite que antecedera a Paixão. Foi como que um reforço
pedagógico: Pedro havia de confirmar o amor a Cristo pelo mesmo
número de vezes que havia fracassado na negativa. A outra finalidade
buscada por João era a de reforçar o mandato de Cristo a Pedro, no
que diz respeito à primazia sobre os demais Apóstolos. João foi o
grande baluarte de Pedro durante as pregações, sempre o acompanhava
e o assistia, porque havia entendido que o Mestre tinha expressado a
escolha de Pedro para ser o líder do grupo. Não se sabe até que
ponto os outros entenderam isso, mas João fez questão de deixar
registrado que, além do episódio das chaves simbólicas entregues a
Pedro por Jesus, ele ainda havia triplamente recomendado que ele
'apascentasse o rebanho.'
Na época de João, o
centro do cristianismo ainda estava em Jerusalém, embora os
Apóstolos tivessem se espalhado por várias localidades, conforme
Jesus havia ordenado, e Pedro era o que tinha se dirigido até Roma,
na época a metrópole capital do grande império, onde Paulo havia
feito muitos seguidores de Cristo. Mas, então, ainda não havia se
colocado a questão da 'chefia' do ponto de vista prático, fato que
somente veio a surgir séculos mais tarde, quando todos os apóstolos
já haviam falecido e o tema passou a ser questionado pelos
'sucessores' deles, ocasião em que cada um era chefe da própria
comunidade. De todo modo, João já deixou claro, desde então, que
embora fosse ele (João) o discípulo amado, no entanto, a 'chefia'
do grupo fora delegada a Pedro. João já havia demonstrado isso
antes, naquela ocasião em que ele, Pedro e as mulheres foram visitar
o túmulo de Cristo, no dia seguinte. Todos lembram, o próprio João
relatou: ele correu mais do que Pedro e chegou primeiro ao túmulo,
mas não entrou. Esperou que Pedro chegasse, para que entrasse
primeiro. Foi juntando esses detalhes que, a partir do século IV,
delineou-se a tese da primazia petrina, permeada por muitas
divergências. Ao ponto de, após muitos anos de polêmica, chegar a
uma solução drástica com a ruptura das comunidades gregas, que não
aceitaram a feitura tomada pelo cristianismo em Roma, influenciada
pelos costumes romanos, e recusaram-se a aceitar a chefia do Bispo de
Roma.
Pois bem, meus amigos.
Esses testemunhos de João são muito importantes e nos ajudam a
compreender os rumos que a Igreja de Cristo seguiu nos primeiros
séculos. E eu vejo, com muita esperança, as últimas tratativas
para a reunião das igrejas oriental e ocidental, levadas a efeito
pelos últimos Papas. Fazem-nos acreditar que, em breve, possamos ter
novamente a unidade do rebano de Cristo, pra que todos sejam um, como
Ele muitas vezes pediu.
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