domingo, 14 de abril de 2013

COMENTÁRIO LITÚRGICO - 3º DOMINGO DA PÁSCOA - O TESTEMUNHO DE JOÃO - 14.04.2013


COMENTÁRIO LITÚRGICO – 3º DOM. DA PÁSCOA – O TESTEMUNHO DE JOÃO – 14.04.2013

Caros Confrades,

A liturgia deste terceiro domingo da Páscoa traz importantes testemunhos, na leitura do evangelho de João e também na segunda leitura, retirada do Apocalipse. Vemos ainda, na primeira leitura, o relato de Lucas, nos Atos dos Apóstolos, sobre a pregação destes nos dias que sucederam a morte de Jesus, sendo perseguidos pelos chefes dos sacerdotes.

Conforme a narrativa de Atos (5, 27), os Apóstolos foram levados ao Sinédrio, para se apresentarem ao Sumo Sacerdote, que os interrogou sobre o porquê de estarem pregando em nome de Jesus, se haviam sido proibidos de fazer isso. E estavam os sacerdotes ainda mais irritados porque os Apóstolos punham neles a culpa pela morte de Jesus. Mas não podendo manter os Apóstolos presos, por causa do receio da revolta popular, limitaram-se a mandar açoitá-los e depois os soltaram. E estes saíram do Sinédrio muito contentes, porque tinham sido insultados por causa do nome de Jesus, exatamente como Ele havia previsto. Apenas para deixar referenciado, a pena de açoites era utilizada naquela época para delitos pequenos, aquilo que atualmente o Direito chama de delitos de menor potencial ofensivo. Lembremo-nos que Pilatos também tentou fazer isso como forma de aplacar os judeus, pois tinha a intenção de libertar Jesus depois da surra. Só que os chefes dos sacerdotes queriam mais e assim os açoites não foram suficientes. Mas no caso dos Apóstolos, foi isso o que aconteceu.

A segunda leitura é um trecho do Apocalipse. Todos sabem que essa palavra significa revelação, pois foi a visão que João teve quando estava desterrado na ilha de Patmos. Esta era uma ilha deserta para onde eram enviados presos inconvenientes, para serem esquecidos e morrerem por lá. João foi desterrado por causa de sua pregação, pois ele desobedecera sucessivas vezes os sacerdotes judeus. Enquanto estava lá, na solidão do exílio, João teria tido umas visões estranhas, que ele escreveu neste livro. Há suposições dos estudiosos que o texto original era bem mais longo e dele foram retiradas algumas passagens. Talvez algumas ainda mais incompreensíveis do que as que estão nele contidas. Isso, porém, não é assunto pacífico, há divergências. O fato é que ele usa uma linguagem excessivamente cifrada e metafórica, dando azo a múltiplas interpretações. Outro fato importante a ser lembrado é que, embora este seja o último livro do cânon bíblico, ele foi escrito por João antes das cartas e do evangelho. Quando foi libertado, João foi viver em Éfeso, onde foi bispo daquela igreja até a sua morte.

O pequeno trecho do Apocalipse (5, 11-14) lido na missa de hoje mostra que grande parte da arte sacra produzida na Idade Média e no Renascimento tem como fonte de inspiração a Revelação de João. Assim como alguns trechos fixos da liturgia são também retirados desse mesmo livro. Dizendo, por exemplo, que o Pai estava sentado no trono e, ao seu lado, o Cordeiro que fora imolado e, em volta do trono, milhões de anjos é uma descrição que se vê representada nos quadros de diversos artistas, cada um interpretando à sua maneira. E mais os anciãos que se prostram... e os quatro seres vivos que diziam amém... talvez por causa de certas descrições de difícil entendimento há autores que sustentam que o livro do Apocalipse é composto por fragmentos do texto original, que teria sido perdido. Daí existirem certos lapsos de sequência, que suscitam as mais diferentes interpretações. Trata-se, sem dúvida, de uma leitura demasiado indigesta.

O texto do evangelho é também de João, relatando a terceira aparição de Jesus aos discípulos, após a ressurreição, desta vez na margem do lago de Tiberíades ou mar da Galiléia. Antes de prosseguir, quero apenas lembrar que o evangelho de João foi o último escrito dele, quando ele já tinha mais de 90 anos de idade. Consta que João teria escrito o seu evangelho por volta do ano 100 d.C., vindo a falecer pouco tempo depois, no ano 103. Então, o texto de João traz muitos aperfeiçoamentos teológicos, em relação aos outros evangelhos. Primeiro, pelo fato de João ter sido testemunha ocular dos fatos, enquanto os outros evangelistas sabiam apenas por ouvir dizer. Segundo, porque no final do século I, as primeiras comunidades cristãs já tinham amadurecido muito no conhecimento e no entendimento da doutrina cristã, de modo que o evangelho de João reflete isso.

Pois bem. João relata que alguns dos discípulos estavam na sua faina comum da pescaria, quando Jesus apareceu. Vejamos bem isso. Depois da ressurreição de Cristo, os Apóstolos não deixaram seus afazeres cotidianos e saíram só pregando pelas ruas. Eles faziam isso sim, mas precisavam trabalhar para ter o que comer. Somente após Pentecostes e com o crescente número de comunidades foi que eles tiveram de se dedicar apenas à missão dada a eles por Cristo. Continuando. João narra mais um milagre feito por Jesus após a ressurreição, período em que ele continuou a preparar os Apóstolos, até a sua ascensão, confirmando o que ele havia ensinado antes. Depois de passarem a noite em tentativas, sem nada conseguir pescar, Jesus mandou que eles jogassem a rede à direita do barco... e lá estavam os peixes em grande quantidade. João percebeu logo e disse a Pedro: é o Senhor. Chegados à praia, já havia fogo aceso e pão. Jesus mandou que trouxessem peixes dos que tinham pescado ali, assou-os e repartiu com eles. João não diz que Jesus comeu. Um outro fato curioso a considerar nessa narração é que João relatou uma 'missa' celebrada por Cristo ali na beira do lago, sem fazer uso do vinho, mas apenas com pão e peixe.

Depois dessa narrativa miraculosa, João passa a relatar um episódio que tem desdobramentos históricos importantes. Jesus pergunta a Pedro, por três vezes seguida, se este O ama. Pedro, na terceira vez, já estava sem jeito com a insistência de Jesus, parecia que Ele não acreditava. Mas o objetivo de João, ao narrar este fato, vai muito além das perguntas e respostas. Através da tríplice pergunta, João mostra que Jesus queria resgatar a confiança de Pedro, após ter ele negado por três vezes, na noite que antecedera a Paixão. Foi como que um reforço pedagógico: Pedro havia de confirmar o amor a Cristo pelo mesmo número de vezes que havia fracassado na negativa. A outra finalidade buscada por João era a de reforçar o mandato de Cristo a Pedro, no que diz respeito à primazia sobre os demais Apóstolos. João foi o grande baluarte de Pedro durante as pregações, sempre o acompanhava e o assistia, porque havia entendido que o Mestre tinha expressado a escolha de Pedro para ser o líder do grupo. Não se sabe até que ponto os outros entenderam isso, mas João fez questão de deixar registrado que, além do episódio das chaves simbólicas entregues a Pedro por Jesus, ele ainda havia triplamente recomendado que ele 'apascentasse o rebanho.'

Na época de João, o centro do cristianismo ainda estava em Jerusalém, embora os Apóstolos tivessem se espalhado por várias localidades, conforme Jesus havia ordenado, e Pedro era o que tinha se dirigido até Roma, na época a metrópole capital do grande império, onde Paulo havia feito muitos seguidores de Cristo. Mas, então, ainda não havia se colocado a questão da 'chefia' do ponto de vista prático, fato que somente veio a surgir séculos mais tarde, quando todos os apóstolos já haviam falecido e o tema passou a ser questionado pelos 'sucessores' deles, ocasião em que cada um era chefe da própria comunidade. De todo modo, João já deixou claro, desde então, que embora fosse ele (João) o discípulo amado, no entanto, a 'chefia' do grupo fora delegada a Pedro. João já havia demonstrado isso antes, naquela ocasião em que ele, Pedro e as mulheres foram visitar o túmulo de Cristo, no dia seguinte. Todos lembram, o próprio João relatou: ele correu mais do que Pedro e chegou primeiro ao túmulo, mas não entrou. Esperou que Pedro chegasse, para que entrasse primeiro. Foi juntando esses detalhes que, a partir do século IV, delineou-se a tese da primazia petrina, permeada por muitas divergências. Ao ponto de, após muitos anos de polêmica, chegar a uma solução drástica com a ruptura das comunidades gregas, que não aceitaram a feitura tomada pelo cristianismo em Roma, influenciada pelos costumes romanos, e recusaram-se a aceitar a chefia do Bispo de Roma.

Pois bem, meus amigos. Esses testemunhos de João são muito importantes e nos ajudam a compreender os rumos que a Igreja de Cristo seguiu nos primeiros séculos. E eu vejo, com muita esperança, as últimas tratativas para a reunião das igrejas oriental e ocidental, levadas a efeito pelos últimos Papas. Fazem-nos acreditar que, em breve, possamos ter novamente a unidade do rebano de Cristo, pra que todos sejam um, como Ele muitas vezes pediu.


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