COMENTÁRIO LITÚRGICO
– 4º DOMINGO DA PÁSCOA – OUTRAS OVELHAS – 21.04.2013
Caros Confrades,
Neste 4º domingo da
Páscoa, a liturgia nos traz a conhecida imagem do Bom Pastor, que
conhece as suas ovelhas (Jo 10, 27). Repete-se o mesmo tema dos anos
anteriores, porém tendo como referência outras leituras bíblicas.
Vale recordar também a figura da Divina Pastora, devoção espalhada
pelo beato capuchino espanhol Diego de Cadiz e presente nas missões
capuchinhas tradicionais. Um outro detalhe curioso é o retorno para
a liturgia daquele antigo cântico “vós sois meu pastor, ó
Senhor”, que cantávamos no Seminário como parte daquela coleção
de salmos de J. Gelineau, inclusive com a mesma melodia. Foi feita
apenas uma adaptação nas palavras.
A primeira leitura, dos
Atos dos Apóstolos (13, 14ss), relata a missão de Paulo e Barnabé,
em Antioquia, quando foram escorraçados pelos chefes dos sacerdotes
judeus, que não queriam ouvir falar no nome de Jesus. Relata o
hagiógrafo Lucas que “quase toda a cidade” se reuniu para ouvir
os apóstolos pregando a mensagem cristã, o que causou inveja e
revolta nos fariseus, que os insultavam com blasfêmias. Foi quando
Paulo lançou-lhes o anátema: “'Era
preciso anunciar a palavra de Deus primeiro a vós. Mas, como a
rejeitais e vos considerais indignos da vida eterna, sabei que vamos
dirigir-nos aos pagãos.” (At
13, 46) Vê-se, nesse relato, a imagem das ovelhas que não
reconhecem o pastor e o expulsam. Então, os Apóstolos deixaram de
insistir com os judeus pela sua conversão ao cristianismo e passaram
a pregar a Palavra aos gentios, donde foi atribuído a Paulo o título
de Apóstolos dos gentios. A nossa vivência cristã atual é a
realização dessa profecia de Jesus, ao anunciar a universalidade da
sua doutrina.
Um detalhe interessante
dessa narrativa está em At 14, 50 quando relata que os
judeus instigaram as mulheres
ricas e religiosas, bem como os homens influentes da cidade para
buscarem apoio a fim de expulsarem Paulo e Barnabé do local. Há
duas observações a fazer aqui. Primeiro, a menção das mulheres
ricas. Sabe-se que, naquela época, as mulheres eram submissas aos
maridos e, por elas mesmas, não teriam força social para conseguir
aquele intento. Segundo, logo a seguir, o escritor sagrado se refere
aos homens influentes da cidade. Ora, é de se supor que os tais
homens influentes seriam os maridos daquelas mulheres ricas antes
citadas. Na verdade, a mim parece que essa referência a mulheres
ricas e homens influentes tem o objetivo de esclarecer que os
primeiros crentes eram pessoas do povo, que não pertenciam às
elites das cidades. As pessoas ricas e poderosas seguiam a mesma fé
dos fariseus e ouviam as pregações tradicionais dos chefes dos
sacerdotes nas sinagogas, daqueles mesmos que haviam trabalhado para
a condenação à morte de Jesus. Deduz-se que, nesses primeiros
tempos, a pregação dos Apóstolos não tinha boa aceitação entre
os judeus tradicionais, embora alguns do povo, provavelmente os que
haviam acompanhado a trajetória de Jesus de forma direta ou
indireta, tivessem aderido aos seus ensinamentos. Tanto assim que o
escritor menciona que “quase toda a cidade” se reunira para ouvir
os Apóstolos, o que causava grande desconforto para os judeus
tradicionais. Foi quando o Bom Pastor desistiu de insistir com as
ovelhas descendentes de Abraão e saiu em busca de outros apriscos.
O relato dos Atos dos
Apóstolos nos mostra, assim, de que modo se iniciou a pregação do
cristianismo aos não judeus, espalhando-se pelas comunidades gregas
e seguindo em direção a Roma, onde depois se fixou a sede da Igreja
de Cristo. Sabemos, pelos escritos de Paulo, que outros judeus, que
residiam em território grego, aderiram mais facilmente ao
cristianismo, pois não tinham a influência negativa dos fariseus.
Estes até quiseram ter uma 'prioridade' em relação aos novos
cristãos de origem grega, considerando-se eles os primeiros a quem a
Palavra fora dirigida, e assim eles deveriam ter um tratamento
diferenciado. Paulo opôs-se veementemente a isso, afirmando que,
após a nova aliança celebrada por Cristo, já não há mais
diferença entre judeu e grego, porque agora todos estão incluídos
no mesmo rebanho e são conduzidos pelo mesmo Bom Pastor. Convém
sempre lembrar que foi em decorrência desse novo direcionamento da
catequese dos Apóstolos, voltada para os não judeus, que nós
brasileiros, latino americanos, tivemos o acesso à Boa Nova cristã,
na continuidade da ação apostólica de Paulo, que chegou até nós
por intermédio dos seus seguidores, discípulos de Inácio de
Loyola.
Esta ideia está
coerente com o tema da segunda leitura, retirada do Apocalipse de
João: “Eu,
João, vi uma multidão imensa de gente de todas as nações, tribos,
povos e línguas, e que ninguém podia contar. Estavam de pé diante
do trono e do Cordeiro.” (Ap 7,
9) Ou seja, João viu a nós nessa sua antecipação futurista
espiritual. João foi um que padeceu a perseguição por causa do
nome de Jesus, sendo desterrado para a ilha de Patmos, onde ele teve
a visão que narra no Apocalipse. Embora João tenha se mantido
sempre em território palestino, mesmo não tendo seguido Paulo em
suas pregações pelos domínios gregos, no entanto, ele teve a mesma
intuição de que o cristianismo obteria mais sucesso entre os
gentios do que entre os judeus. E prossegue João: “Esses
são os que vieram da grande tribulação. Lavaram e alvejaram as
suas roupas no sangue do Cordeiro.
” (Ap 7, 14) Com outras palavras, João repete o mesmo ensinamento
de Paulo a respeito da questão dos judaizantes: todos os que foram
lavados no sangue do Cordeiro pertencem ao mesmo rebanho, sem
distinção de origem. Todos passaram pela 'grande tribulação' e
saíram vitoriosos. João estava, certamente, se lembrando da
promessa de Cristo de que eles iriam ser perseguidos por causa do
nome d'Ele, mas que, ao final, sairiam vitoriosos. Essa sensação
era muito significativa para João naquele momento em que ele, no
desterro, sofria na própria pele aquilo que Jesus havia previsto.
Mas ele tinha certeza de que, depois daquela tribulação, o sangue
do Cordeiro o habilitaria a receber a recompensa. Após a provação
pelo sofrimento, todos “nunca
mais terão fome, nem sede, nem os molestará o sol, nem algum calor
ardente. Porque o Cordeiro, que está no meio do trono, será o seu
pastor e os conduzirá às fontes da água da vida.
” (Ap 7, 16-17)
A metáfora do
pastoreio está presente em muitos momentos da pregação de Cristo e
dos Apóstolos, dada a familiaridade dessa atividade com as pessoas a
quem eles se dirigiam. Nos dias atuais, trata-se de uma imagem
romântica, que nós nos habituamos a ver nas pinturas clássicas e
nas montagens do presépio do Natal. Mas para aquele povo, essa
figura tinha uma força extraordinária, porque o cuidado do rebanho
fazia parte do seu dia a dia, o carinho com as ovelhas, a busca da
ovelha perdida, os predadores de ovelhas, os diversos rebanhos e o
único rebanho, todos esses conceitos eram referenciais marcantes no
imaginário daquela gente, daí porque Cristo tantas vezes utilizou
essa imagem na sua pedagogia. E mesmo não fazendo ela parte da nossa
cultura, ainda assim aquela figura amável e solícita do pastor
permanece como um estereótipo cativante de quem cuida com amor dos
animais, sobretudo dos mais indefesos. Ao longo da história, o
discurso centrado na figura do Bom Pastor foi, sem dúvida, um apelo
vigoroso para transmitir a imagem do Pai, revelada a nós por Cristo.
O evangelho deste
domingo é um curto trecho também de João, reproduzindo as palavras
de Jesus: “As
minhas ovelhas escutam a minha voz, eu as conheço e elas me seguem.
” (Jo 10, 27). Esta frase nos deixa a pensar no porquê de não
terem os judeus escutado a voz do Bom Pastor e não o terem seguido.
Eles não eram Suas ovelhas? Ora, mas foi para os judeus que a
Palavra divina foi dirigida em primeiro lugar, como não seriam eles
Suas ovelhas? Parece, meus amigos, que o problema está em ouvir a
palavra sem escutá-la. Embora estes dois verbos sejam
gramaticalmente sinônimos, se observarmos bem, quantas vezes, nós
ouvimos algo e não conseguimos identificar aquilo? Seja porque
estamos distraídos, seja porque nos faltou interesse, seja porque
estávamos ocupados com outras coisas mais importantes naquele
momento... às vezes, até um(a) filho(a) precisa chamar mais de uma
vez, para que nós venhamos a escutá-lo. Deve ter sido algo
semelhante que aconteceu com os judeus: ouviram a pregação de João
Batista e não a escutaram; ouviram a pregação de Cristo e não a
escutaram; ouviram a pregação dos apóstolos e não a escutaram.
Talvez estivessem com os ouvidos ocupados com outras coisas “mais
importantes”. Não podemos deixar que esse mesmo deslize nos
acometa. Precisamos estar sempre atentos para ouvir e escutar o que
Jesus quer de nós. Que Ele nos ajude a estarmos sempre abertos à
sua Palavra.
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