COMENTÁRIO LITÚRGICO – 17º DOMINGO
COMUM – O PODER DA ORAÇÃO – 28.07.2013
Caros Confrades:
Nas leituras deste 17º domingo comum,
encontramos um tema muito oportuno, qual seja, o poder da oração,
que é uma consequência do poder da fé. Quem tem fé, ora
espontaneamente e Deus ouve a sua oração. Coloca-se, nesse
contexto, a discussão acerca das orações repetitivas em
contraposição à oração criativa, isto é, devemos rezar de
acordo com as fórmulas tradicionais das rezas ou devemos deixar
falar o coração. Há justificativas teológicas para um e outro
casos.
A primeira leitura, retirada de Gênesis
(18, 20-32), é a continuação da leitura do domingo anterior, o
diálogo que Abraão teve com os mensageiros que o visitaram e
anunciaram a gravidez de Sarah. Os mensageiros anunciaram também que
estariam visitando Sodoma, a fim de conferir se aquilo que bradava
aos céus contra os seus habitantes era realmente fato ou alguma
notícia inverídica. É muito curioso esse estilo do escritor
sagrado de comparar Javeh com as pessoas humanas, como se Deus não
tivesse condição de saber o que estava ocorrendo e necessitasse de
mensageiros para darem seu testemunho. Na verdade, o objetivo da
narrativa é demonstrar a força que possui a oração do justo
diante de Deus. Abraão intercede sucessivas vezes pelos habitantes
'justos' de Sodoma, para que Javeh não os destrua assim como iria
fazer com os ímpios. Abraão vai criando coragem e baixando o
perfil: se houver 50 justos... e se forem 45... e se forem apenas
30... ou 20... ou 10... E Javeh o atende, dizendo que se houver 10
justos na cidade, ela não será destruída. Acontece que não havia.
Porém, como disse antes, no caso, o que interessa para nós é a
lição bíblica de que Javeh atende as orações dos justos e também
que a presença de um pequeno número de pessoas justas faz a
diferença no mundo dos ímpios. Conforme Jesus explicou em suas
parábolas, o justo funciona como o fermento na massa, isto é,
embora em pequena quantidade, é capaz de fazer toda a massa levedar.
É o mesmo caso do exemplo da luz que, por menor que seja, ilumina
todo um ambiente que antes estava escuro. É no mesmo sentido que
Jesus também ensinou: buscai antes de tudo o reino de Deus e sua
justiça, o mais será dado em acréscimo. O poder da oração tem
uma carga energética de grande potencial, cuja ação na sociedade é
capaz de produzir efeitos extraordinários.
Na leitura do evangelho, da autoria de
Lucas (11, 1-13), lemos duas importantes lições de Cristo acerca da
oração. Primeiro, os discípulos pedem a Ele que lhes ensine a
orar, e Ele compõe na hora aquela famosa prece que continua sendo
repetida hoje como “a oração que o Senhor ensinou”. Segundo,
temos as exortações que Ele faz acerca do vizinho que atende ao
pedido do outro, mesmo que não seja por causa da amizade, mas até
para se livrar do incômodo, e ainda acerca do pai que atende ao
pedido do filho e não lhe fará nenhum mal. Ora, diz Ele: “se vós
que sois maus, sabeis dar coisas boas aos vossos filhos, quanto mais
o Pai do Céu dará o Espírito Santo aos que o pedirem”. As lições
de Cristo seguem o mesmo padrão doutrinário do texto do Gênesis
acerca da força da oração e da importância de cada um rogar a
Deus segundo as suas necessidades. “pedi e recebereis; procurai e
encontrareis; batei e vos será aberto. Pois quem pede, recebe; quem
procura, encontra; e, para quem bate, se abrirá.” Se observarmos
bem, até mesmo a figura literária dos mensageiros que foram a
Sodoma “conferir” o que estava se passando, como se Javeh não
soubesse, está, de outro modo, reproduzida no enxinamento de Cristo
com o “pedi e recebereis”. É claro que Deus sabe das nossas
necessidades e, na lógica humana, não haveria a necessidade de que
se pedisse. Mas a lógica divina ensina que devemos pedir, não
porque Deus não saiba, mas porque o ato de pedir é um ato de
humildade, é uma confissão de carência, é um reconhecimento de
incompletude, é um golpe no nosso orgulho. Mesmo que, em tese, não
houvesse a necessidade de fazer o pedido, Cristo ensina que devemos
pedir como uma forma de nos aproximarmos sempre mais daquele que
dispõe de tudo e que tudo pode. Acima de tudo, o ato de pedir é um
ato de fé, pois aquele que não crê acha que não precisa de Deus
e, desse modo, confunde-se na sua autossuficiência.
Desponta, nesse contexto temático,
aquela famosa polêmica do modo segundo o qual devemos orar: seguindo
as orações formulares ou fazendo preces espontâneas, ditadas pela
sensibiliade e pela emoção de cada momento? Obviamente, Cristo
nunca mandou escrever orações modelares. A prece que chamamos de
“pai nosso” não foi, com certeza, dada como modelo por Cristo,
mas como um exemplo de como devemos nos dirigir ao Pai. A própria
estrutura do “pai nosso” demonstra que devemos sempre, em
primeiro lugar, orar para agradecer e louvar. É importante observar
isso, porque na maioria das vezes, as pessoas rezam apenas para pedir
algo, fazem uma espécie de barganha com Deus: me dê isso que eu
rezo durante tantos dias. Lamentavelmente, a pedagogia catequética
tradicional levou as pessoas a identificarem a oração com um pedido
de suprimento de alguma necessidade. Daí se criaram as “promessas”,
os novenários, os devocionais, o costume de orar somente quando a
pessoa se encontra em situação de penúria e precisa de ser
urgentemente atendido, senão perde a fé e não vai rezar mais. Não
podemos deixar de reconhecer que este é um fato corriqueiro na vida
religiosa do nosso povo, sendo inclusive esse um motivo de “mudança
de religião”, porque não conseguiu o que pretendia numa igreja,
então vai procurar outra, como se Deus estivesse mais presente em
uma do que em outra organização eclesial. Em verdade, o que muda
não é o espírito divino, mas a fé do crente.
Pois bem. Ao longo dos séculos, as
autoridades eclesiásticas foram compondo textos de orações que se
tornaram padronizadas, de modo que a catequese consistia, em grande
parte, na memorização desses textos orantes. E a grande maioria dos
fiéis só sabe rezar esses textos oficiais, como se apenas estes
fossem válidos diante de Deus. É bem verdade que algumas pessoas
não têm aquele “dom” de fazer preces bonitas, com palavras e
frases bem compostas. Isso não se refere apenas aos fiéis leigos,
mas também aos sacerdotes. Nos primeiros tempos do cristianismo, não
havia um “cânon” da missa, mas cada celebrante inventava o texto
na hora da celebração. Ocorre que alguns sacerdotes mais cultos e
devotos conseguiam compor orações mais completas e que agradavam
mais à comunidade, enquanto outros tinham dificuldade em fazer belas
preces. Assim, aos poucos foram se introduzindo textos padronizados
para a celebração da missa e para as diversas orações a serem
ditas nos cultos públicos. Chegou a um ponto tal essa burocracia do
texto orante que, em determinada época, o celebrante cometia pecado
venial se mudasse as palavras das orações oficiais. Atualmente,
embora haja a obrigação de seguir o texto, o celebrante tem certa
liberdade para inovar, o que antes não era permitido. Ora, há
pessoas que até questionam a tradução de certos trechos
litúrgicos, quando são traduzidos para as línguas vernaculares, o
que demonstra que a prática da oração formular ainda é
acentuadamente forte.
Uma outra forma orante que causa certo
incômodo para alguns fiéis é a das orações repetitivas. O terço
mariano, por exemplo, é uma dessas orações criticadas. Que sentido
faz repetir o mesmo texto de uma oração por cinquenta vezes? Por
outro lado, há os vários testemunhos de videntes que afirmam terem
recebido de Maria a instrução-recomendação para a recitação do
rosário, assim como de outros textos devocionais consagrados pela
prática religiosa popular. Embora devamos reconhecer que essas
repetições levam, na maioria das vezes, à distração mental
porque se torna um comportamento mecânico e tedioso, não podemos
deixar de reconhecer que muitas pessoas têm conseguido a obtenção
de favores miraculosos com essas orações. Portanto, o que podemos
dizer acerca desses vários tipos de orações é que, mais
importante e mais operante do que o texto da oração será a fé do
crente. Aquele que ora expressando sincera e honestamente a sua fé
estará realizando o mandamento de Cristo “pedi e recebereis”,
seja através das orações com textos padronizados, seja através
das orações espontãneas e criativas, porque acima das palavras da
prece está a comunhão espiritual com Deus, através da fé. E isso
é o que efetivamente Deus escuta e retribui: o coração sincero.
Que a nossa oração seja sempre a
verdadeira expressão da nossa fé.