COMENTÁRIO LITÚRGICO
– 16º DOMINGO COMUM – ILUSTRES VISITANTES – 21.07.2013
Caros Confrades,
Neste 16º domingo
comum, as leituras relatam a presença de visitantes ilustres a
residências humildes, trazendo à tona a ideia da boa hospitalidade.
Numa abordagem metafórica, esse fenômeno da visita pode também
estender-se à visita no sentido espiritual, de tratar bem os irmãos,
percebendo Deus na sua presença.
Na primeira leitura (Gn
18, 1-10), vemos como Abraão recebeu a visita de três forasteiros,
percebendo em sua sensibilidade a presença de Deus através daqueles
estranhos. Nâo precisa grande esforço exegético para divisarmos
nessa imagem uma prefiguração remota da Trindade Santa, pois os
três visitantes eram anjos do Senhor. Etimologicamente, a palavra
anjo chegou à língua portuguesa através do latim “angelus”,
que é uma transliteração do grego “anghelos” e que significa
“mensageiro”. Com efeito, aqueles três visitantes vieram trazer
a Abraão uma importantíssima mensagem de Javeh: a gravidez de Sara.
Vendo avançar a idade e sem gerar filhos legítimos, Abraão foi
servir-se da regra tradicional de gerar um filho na pessoa de uma
escrava. Mas para cumprir a sua promessa, Javeh não se contentaria
com esse filho enviesado e assim os mensageiros vieram trazer a
notícia de que Abraão geraria um filho na sua esposa Sara, apesar
da idade avançada de ambos. Este episódio traz também logo à
mente um caso semelhante de gravidez em avançada idade, acontecido
com Isabel, prima de Maria, quando nasceu João Batista. Podemos
perceber o quanto os fatos do Antigo Testamento se entrelaçam com os
do Novo Testamento, em contextos diferenciados.
Mas o que também chama
a atenção nesse episódio é a hospitalidade de Abraão para com
aqueles viajantes desconhecidos. Implorou para que não seguissem
viagem, mas parassem na tenda dele e mandou preparar o melhor
alimento: pão, leite coalhada e o cordeiro mais tenro, para que os
viajantes de recuperassem da cansativa viagem. Meus amigos, todos se
recordam que esse era o costume do sertão, até algum tempo atrás.
Hospedava-se um viajante desconhecido, oferecendo-lhe o que havia de
melhor em casa. O exemplo de Abraão, infelizmente, foi desbancado
pelas rotinas de violência e de insegurança dos tempos modernos.
Hoje em dia, ninguém mais tem coragem de oferecer abrigo e pousada
para um desconhecido. Desconfia-se até de quem lhe pede um copo
d'água, e não é sem propósito. No caso de Abraão, os visitantes
predisseram a gravidez de Sara para dentro de um ano, levando Sara a
rir incrédula quando ouviu a notícia. Ao nascer a criança, ela
colocou-lhe o nome de Isaac – aquele que me fez rir. Em síntese, a
hospitalidade devotada por Abraão àqueles viajantes decorreu do
fato de ter ele percebido, através deles, a presença de Javeh.
Tempos depois, Jesus vai dizer na sua pregação que quem recebe a um
pequenino é a Ele que recebe. A presença de Deus através do irmão
é a outra lição que podemos colher da leitura deste fato
extraordinário.
Na leitura do evangelho
(Lc 10, 38-42), temos o conhecido diálogo entre Marta e Jesus, a
respeito do comportamento da irmã dela, Maria, que não a ajudava no
trabalho da casa. Uma curiosidade que nos chama a atenção nesse
trecho de Lucas é quando ele diz que “uma certa mulher de nome
Marta o recebeu em sua casa”. Ora, nós sabemos que os três irmãos
(Marta, Maria e Lázaro), que moravam em Betãnia, eram pessoas que
desfrutavam de grande amizade com Jesus. Causa estranheza o modo como
o evangelista Lucas se refere a Marta identificando-a como 'uma certa
mulher'. E também a referência que ele faz ao lugar: “Jesus
entrou num povoado...”, como se o local fosse desconhecido e aquela
passagem fosse casual. Pelas leituras de outros trechos do NT,
sabemos que Jesus hospedava-se com frequência naquela residência,
onde ele até operou um de seus milagres mais emotivos, a
ressurreição de Lázaro, ocasião em que Jesus chorou. (Jo 11, 35).
Trata-se, sem dúvida, de um modo inesperado como o evangelista Lucas
se refere à família com a qual Jesus tinha grandes relações de
amizade.
Mas não ficam por aí
as estranhezas dessa narração de Lucas. No trecho seguinte (Lc 10,
39-40), ele diz: “Sua
irmã, chamada Maria, sentou-se aos pés do Senhor, e escutava a sua
palavra. Marta, porém, estava ocupada com muitos afazeres.”
Para em seguida, narrar a queixa de Marta a Jesus porque a irmã
Maria ficava ali sentada aos pés dele, enquanto ela, Marta, ficava
com todo o encargo das tarefas domésticas. Convenhamos, Jesus não
andava sozinho, os discípulos sempre o acompanhavam, então a
chegada daquele grupo numeroso numa casa implicava uma certa
quantidade de tarefas fora da rotina e eram elas, Marta e Maria, as
donas da casa, as responsáveis por aquele trabalho. Com certeza,
chegando de viagem a pé, os visitantes queriam tomar um banho,
alimentar-se, repousar, e isso significava aumento do serviço
doméstico. Só que Maria ficou sentada ouvindo Jesus a conversar,
enquanto Marta fazia todo o trabalho. E quando esta foi se queixar,
Jesus ainda caçoou dela, dizendo que ela se preocupava demais e que
Maria tinha escolhido a melhor parte.
Meus amigos, com todo
respeito dos que pensam em contrário, parece-me que Lucas queria dar
algum recado direcionado a alguém ou a algum grupo, quando escreveu
essa história. Apenas Lucas narra esse diálogo entre Jesus e Marta
que, embora não se possa entender como uma repreensão, todavia soa
incoerente naquele contexto. Sabendo que a Sua presença ali fazia
aumentar o trabalho doméstico e vendo Marta a cuidar das atividades,
enquanto Maria nada fazia, era de esperar que Jesus dissesse a Maria
que fosse ajudar a irmã. Acerca dessa atitude pouco colaborativa de
Jesus, eu vi dois comentários. Um comentarista dizia que, com isso,
Jesus estava colocando um valor mais acentuado na pessoa d'Ele do que
no trabalho, como se ele estivesse a dizer a Marta que deixasse
aquelas tarefas pra depois e fosse ouvi-Lo também. Assim, disse esse
comentarista, devemos colocar Deus em primeiro lugar e tudo o mais
virá como consequência. Parece-me que essa interpretação já foi
muito usada, inclusive nos conventos, para colocarem-se os clérigos
nas tarefas intelectuais (Maria) e os leigos nas tarefas domésticas
(Marta). Evidentemente, dando mais importância às lides
intelectuais, num seguimento literal àquilo que Jesus dissera. Não
gostei dessa explicação.
Outro comentarista
interpretou dizendo que cada uma das irmãs, Marta e Maria, amavam
muito a Jesus, porém, ao seu modo: Marta através do trabalho
prestativo, Maria através da atenção aos seus ensinamentos. Com
isso, esse comentarista queria significar que cada pessoa tem um modo
próprio de amar a Jesus e Ele ama cada um de acordo com o modo como
cada qual é. Parece uma interpretação interessante, menos literal
do que a anterior e teologicamente mais consistente. Porém, em
relação ao trabalho, nós sempre aprendemos que existe tempo para
tudo: tempus orandi, tempus laborandi, tempus ludendi, tempus
ridendi, tempus dormiendi, etc (tempo de orar, de trabalhar, de
divertir-se, de rir, de dormir, etc), o que não significa a pessoa
deva escolher uma opção, mas o conjunto deles é que compõe a
vida. Quem não se lembra que, no Noviciado, nós rezávamos enquanto
fazíamos as tarefas domésticas e uma coisa não atrapalhava a
outra. Era lavando os pratos e rezando a ladainha, cavando a horta e
rezando o terço, “ora et labora”, dizia o Padre Mestre. O fato é
que esse episódio narrado por Lucas já serviu pra muita gente
justificar a preguiça, afirmando que tinha escolhido “a melhor
parte”, como fez Maria. Continua me parecendo uma incoerência a
narrativa de Lucas em relação aos ensinamentos de Jesus. É como se
fosse, repito, um escrito destinado a dar um recado para determinadas
pessoas, o que hoje nos dificulta a compreensão.
Mas abstraindo essa
incógnita, observa-se nas atitudes de Abraão e de Marta o cuidado
em bem receber. A hospitalidade verdadeira é aquela que decorre da
caridade, que por sua vez é decorrente do amor de Deus, que nós
enxergamos através da pessoa do irmão. Não precisa ser hospedando
em casa, mas pode ser também no trato cordial, no gesto fraterno, no
cumprimento respeitoso, na conversa bem humorada, na delicadeza dos
gestos, são outras atitudes que equivalem a uma boa hospitalidade
que podemos devotar aos irmãos.
Que o divino Mestre nos
ensine a saber unir as duas atitudes (de Marta e de Maria) nas nossas
tarefas do dia a dia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário