COMENTÁRIO LITÚRGICO
– 26º DOMINGO COMUM – RICOS E POBRES – 29.09.2013
Caros Confrades,
A liturgia deste
domingo dá sequência à temática do domingo anterior, quando foi
abordado o tema da administração dos bens. No evangelho de hoje,
Jesus conta a parábola do rico, que esbanjava com futilidades, e do
pobre, que não tinha nem o básico. Jesus não manda o rico repartir
os bens com o pobre, mas ensina que a riqueza deve estar a serviço
dos mais necessitados.
A primeira leitura,
retirada do Profeta Amós, carrega uma advertência que é muito
apropriada para os dias atuais. Este profeta, que viveu cerca de 800
anos antes de Cristo, era um agricultor e pessoa de baixa instrução.
Ele viveu numa época parecida com a nossa, quando havia muita
concentração de riqueza nas mãos de uns poucos, enquanto a grande
maioria da população sofria a falta dos bens essenciais. A
diferença é que o governo de Israel não distribuía “bolsas”
para melhorar a situação da pobreza e muitos chegaram a ser
escravizados, por não
terem
como
pagar as dívidas. Em tempos passados, e até mesmo num passado
recente, a inadimplência podia levar o devedor a ser escravo do
credor, o que era uma situação
desesperadora. Daí a grave advertência do Profeta: “Os
que dormem em camas de marfim, deitam-se em almofadas, comendo
cordeiros do rebanho e novilhos do seu gado; os que cantam ao som das
harpas, ou, como Davi, dedilham instrumentos musicais; os que bebem
vinho em taças, e se perfumam com os mais finos ungüentos e não se
preocupam com a ruína de José.
” (Amós 6, 4-6) O reino de Israel (naquela época, o povo hebreu
estava dividido em dois reinos – Israel ao norte e Judá ao sul)
passava por um momento de prosperidade, tendo vencido os inimigos e
auferido grandes riquezas, no entanto, apenas alguns privilegiados
usufruiam disso, em detrimento da maioria da população. Por isso, o
Profeta dirige sua ira contra os que dormem em camas de marfim e
deitam-se nas almofadas para se banquetear, sem tomar conhecimento da
carência dos demais cidadãos. Vemos que Amós não condena a
riqueza dos israelitas abastados, o que ele recrimina é a falta de
solidariedade com os carentes, aqueles que estavam sendo escravizados
por não poderem pagar suas dívidas. Sendo Amós um agricultor, ele
conhecia bem a situação dos moradores dos campos. Deus o chamou a
profetizar por causa da sua vida justa, mas também por causa do
conhecimento que ele possuía sobre a situação dos mais
necessitados. Porque sua pregação incomodava as autoridades
políticas e religiosas, Amós foi expulso, não sem antes rogar uma
praga no Sumo Sacerdote que o expulsara, além de anunciar a ruína
que viria sobre eles.
Na
segunda leitura, retirada da primeira carta de Paulo a Timóteo, o
Apóstolo continua chamando a atenção do seu
discípulo para
manter a fidelidade da sua vocação. “Combate
o bom combate da fé, conquista a vida eterna, para a qual foste
chamado e pela qual fizeste tua nobre profissão de fé diante de
muitas testemunhas.
” (1Tim
6, 12)
E acrescenta: “guarda
o teu mandato íntegro e sem mancha até à manifestação gloriosa
de nosso Senhor Jesus Cristo.
” (vers.
14) Timóteo
fora consagrado bispo por Paulo, para cuidar da igreja de Éfeso, que
era uma comunidade muito tensa, por causa da grande força dos pagãos
do lugar. Paulo tinha muito cuidado com essa comunidade e a entregou
a Timóteo, que era uma pessoa da sua total confiança. Nas cartas,
ele incentiva Timóteo a manter inabalável e a fé e a dar
testemunho dessa fé aos fiéis sob sua guarda. Consta na história
que Timóteo terminou sendo apedrejado por esses infiéis, por
questões religiosas. Fiel a Paulo e a Cristo, ele morreu
e não
fraquejou na sua fé.
Temos
no evangelho de Lucas (16, 19-31) aquela conhecida parábola de
Cristo sobre o rico esbanjador e o pobre e pestilento mendigo, que
ficava em frente à casa daquele. Como de costume, a parábola era
dirigida aos fariseus e Jesus realça os detalhes, para chamar a
atenção destes, que mesmo assim não entendiam. É interessante
observar aqui duas coisas: 1. esta parábola consta apenas no
evangelho de Lucas, devendo ter sido colhida numa fonte que os demais
evangelistas não conheceram; 2. Jesus não diz o nome do rico,
apenas do pobre (Lázaro). É costume mencionar-se o “rico epulão”
e pode levar alguém a imaginar que este é o nome dele, no entanto,
significa o “rico comilão”, palavra derivada do verbo latino
“epulor”, que significa fazer refeições suntuosas,
banquetear-se. São Jerônimo, na sua tradução da vulgada, escreveu
que o rico se banqueteava diáriamente (dives epulabatur cotidie).
Jesus faz um paralelo bem contrastante entre os dois personagens,
para chamar a atenção na disparidade da situação em que se
encontravam. Um deles possuía bens em demasia, enquanto o outro
passava fome; o primeiro tinha uma casa luxuosa, o outro era um
morador de rua; o primeiro era saudável, alimentava-se bem, já o
outro era cheio de úlceras e esquelético de fome. A pedagogia dos
contrastes, adotada por Jesus, tinha como objetivo chamar a atenção
para a injustiça da riqueza que não é utilizada para atenuar o
sofrimento do pobre. Tal como o profeta Amós, muitos séculos antes,
Jesus não condenou o rico pelo fato de ele ser rico, mas sim por
causa do seu egocentrismo, da sua falta de solidariedade. O pobre
desejava pelo menos as migalhas que caíam da sua mesa, mas nem isso
lhe davam. (Lc 16, 21) Na época de Jesus, os fariseus eram os ricos
do povo, assim como no tempo de Amós, eram os sacerdotes de Israel
que faziam parte da classe social mais elevada. Tal como Amós
bradava contra o sacerdote Amasias, que terminou por expulsá-lo da
cidade, Jesus clamava para que os sacerdotes judeus saíssem da sua
redoma de autossuficiência e chegassem mais próximo do povo, que
eles dirigiam, porém estes ficaram cada vez mais irados com Jesus,
buscando meios de eliminá-lo. Tanto quanto a pregação de Amós
incomodava o rei e os sacerdotes de Israel, também a exortação de
Jesus incomodava os doutores da lei do seu tempo. Por fim, nem os
ricos do tempo de Amós se converteram, nem tampouco os fariseus, e
ambos tiveram como resultado a destruição da cidade pelos inimigos.
Merece
uma referência também aqui neste contexto o diálogo “post
mortem” de Abraão, junto de quem Lázaro foi
morar,
com o rico, que padecia no local dos tormentos. O rico fez dois
pedidos, ambos recusados: 1. manda que Lázaro molhe o dedo e me
refresque a língua; 2. manda que Lázaro vá avisar meus irmãos.
Quanto ao primeiro pedido, Jesus disse ser impossível, porque há um
grande abismo, intransponível entre
eles;
quanto ao segundo, Ele diz que os irmãos do rico não acreditariam
em Lázaro. Aqui nós podemos fazer as seguintes reflexões: a)
o
rico não cedeu suas migalhas ao pobre, no entanto, queria que este
fosse refrescar a sua língua com uma gota d'água,
ele se sentia merecedor, sem ter alcançado o mérito com suas ações.
b) o rico demonstrou solidariedade com os irmãos dele e queria que
Lázaro fosse avisá-los, porém não teve solidariedade com o
mendigo em sua porta; c) os fariseus, assim como aquele rico, não
davam ouvidos aos profetas e às escrituras, mas criavam suas
próprias regras religiosas, enquanto Jesus estava ali (como se fosse
o pobre que veio avisar) e eles não lhe davam qualquer crédito; d)
o lugar dos tormentos não é um mar de fogo com o demônio
empunhando um tridente, como aparece nas gravuras medievais, mas era
a própria consciência do rico que reprovava o seu comportamento
anterior, quando enfim percebeu as injustiças que praticara.
Podemos
ainda avançar nessa linha de raciocínio, para concluir o seguinte:
Jesus disse que havia um grande abismo entre o local do gozo e o
local dos tormentos, mas quanto o rico pediu para que Lázaro fosse
avisar aos irmãos ainda vivos, Jesus não disse que isso era
impossível, disse apenas que eles não iriam acreditar. Esticando um
pouco essa interpretação, podemos alvitrar que Jesus não se
posicionou contrariamente à possibilidade de comunicação entre as
pessoas que estão no mundo do além com os viventes, apenas
referiu-se à incredulidade destes. “`Se
não escutam a Moisés, nem aos Profetas, eles não acreditarão,
mesmo que alguém ressuscite dos mortos'.”
(Lc
16, 31) A
ausência de outra versão desta parábola em outro evangelista
impossibilita que se faça um estudo comparativo de textos, assim
como ocorre com outras passagens do evangelho. Considerando que Lucas
não escutou as pregações de Jesus, não se pode dizer que ele
tenha ouvido isso. Considerando, por outro lado, que os evangelistas
escreveram com base em documentos da época (as fontes esparsas),
fica impossível afirmar-se com certeza que tenha sido esta a
mensagem de Cristo ou se foi o entendimento da comunidade onde o
texto original foi produzido. De qualquer forma, podemos concluir
que, para as primeiras comunidades cristãs, não havia recusa dessa
possibilidade de
comunicação com o outro mundo,
como posteriormente passou a ser afirmado pela doutrina teológica.
A
lição que retiramos da catequese deste domingo é similar à do
domingo passado: o uso responsável e caritativo dos bens que Deus
nos dá. Que Ele nos inspire a pautar nossas ações na fidelidade a
este compromisso.
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