COMENTÁRIO LITÚRGICO – 3º DOMINGO
DO ADVENTO – A MISSÃO DE CADA UM – 13.12.2015
Caros Leitores,
Neste 3º domingo do advento, a
liturgia retoma o tema da alegria sobre Jerusalém, servindo-se das
palavras do profeta Sofonias. Alegra-te, Jerusalém, diz ele, o
Senhor teu Deus está no meio de ti. O contexto em que o Profeta faz
essa invocação é bem diferente do que se celebra no Advento, como
explicarei em seguida, mas o texto aqui é utilizado para invocar o
Senhor que está para chegar. Este domingo é também conhecido como
o “domingo laetare”, em que a liturgia nos convida a ficarmos
alegres com a aproximação do Natal. E a leitura do evangelho
escrito por Lucas nos traz uma interessante sugestão de reflexão,
na perspectiva do ano novo litúrgico, que nos conclama à revisão
de nossas atitudes e a renovar nossos compromissos de cristãos.
O profeta Sofonias (3, 14-18) convida o
povo a se alegrar, porque o Senhor afastou os inimigos de Jerusalém.
Este profeta viveu antes do cativeiro da Babilônia, numa época em
que o povo hebreu dividia suas preferências políticas entre os
reinos do Egito e da Assíria, para fins de fazer aliança. Dentre as
autoridades hebraicas, havia os simpatizantes da aliança com o Egito
e os que defendiam a aliança com a Assíria, tendência esta que era
a favorita do rei de Judá, na época de Sofonias (por volta do ano
630 a.C.), o rei Josias. Não demorou muito para que a Assíria fosse
dominada pelos babilônicos e, com isso, pela aliança que tinham com
a Assíria, os hebreus terminaram sendo levados cativos por
Nabucodonosor. Então, Sofonias profetizou nessa época anterior ao
domínio babilônico, conclamando o povo a alegrar-se, porque Javé é
o valente guerreiro que salva seu povo. Era uma tentativa de exaltar
o nacionalismo judaico frente às ameaças de dominação por povos
estrangeiros. Como hoje nós sabemos, essa alegria durou pouco tempo.
Então, a liturgia retira o texto de Sofonias do seu contexto
histórico para encaixá-lo na temática do Advento.
A segunda leitura, extraída de Paulo
aos Filipenses, também está deslocada do seu contexto histórico,
porque quando o Apóstolo recomendava aos cristãos de Filipos que se
alegrassem sempre no Senhor, pois Ele está próximo, queria
referir-se à segunda vinda de Cristo que, conforme era o
entendimento da época, tinha-se que seria 'em breve'. Outra vez,
precisamos abstrair da situação concreta do texto para que possamos
compreendê-lo na perspectiva da temática do Advento. O fato de
Paulo exortar os Filipenses à alegria sobre a proximidade da vinda
do Senhor passa a ser então apropriado dentro do roteiro do “domingo
laetare”, nessa etapa de preparação para a celebração do Natal.
Portanto, a liturgia faz uma espécie de silepse histórica,
levando-nos a fazer um certo exercício mental para compreendermos
dentro do contexto do Advento dois textos que se referem a outras
circunstâncias. Na verdade, parece-me que a única justificativa é
porque ambos contemplam o tema da alegria, que a liturgia pretende
atribuir a este terceiro domingo.
Agora, afastando-nos do tema da
alegria, examinemos o evangelho de Lucas (3, 10-18), que destaca a
figura de profética de João Batista, pregando o batismo da
conversão e batizando no Jordão. Diz Lucas que as pessoas
convertidas procuravam João perguntando “o que devemos fazer”
para viverem em coerência com a conversão. E João exortava a
todos, de acordo com a atividade social por ele exercida,
recomendando-lhes o fiel cumprimento da missão de cada um. Aos
vendedores e compradores, ele dizia: quem tiver duas túnicas, dê
uma a quem não tem; e quem tiver comida, faça o mesmo. Ou seja,
saibam partilhar os bens com os mais pobres. Aos cobradores de
impostos, esses que, desde aquele tempo, já eram vistos pelo povo
como corruptos, pecadores públicos, João dizia: não cobreis mais
do que foi estabelecido, ou seja, pratiquem a sua atividade com
justiça, não façam extorsão. Aos soldados, esses que eram também
considerados pessoas costumeiramente violentas e perversas, João
dizia: não tomeis à força dinheiro de ninguém, nem façais falsas
acusações, ou seja, não exerçam o poder com abuso de autoridade.
E mais: ficai satisfeitos com o vosso salário, ou seja, controlem a
ambição de sempre querer mais.
Meus amigos, o discurso de João até
parece que está direcionado para a sociedade dos nossos dias. O
tempo do Advento é uma época adequada para fazermos um exame das
nossas atitudes e avaliarmos como está a fidelidade à nossa
vocação. João Batista está mostrando que, para cada um de nós, o
Menino Deus tem um pedido especial, qual seja, a de vivermos com
dignidade a nossa missão no dia a dia. Se tivermos o cuidado de
'ouvir' a voz de Deus nas nossas consciências em cada decisão que
tomamos na vida, poderemos perceber que, em cada situação, Ele nos
pede e espera de nós uma atitude de compromisso com a solidariedade,
com a justiça, sempre no sentido do melhor cumprimento das verdades
que Ele ensinou. Essa leitura do evangelho de Lucas nos sugere que,
antes de cada tarefa e diante de cada nova missão que assumamos, na
vida pessoal ou profissional, façamos perante a nossa própria
consciência aquela indagação: para podermos viver a cada dia a
nossa constante conversão ao chamado de Cristo, o que devemos fazer?
E fiquemos atentos para o que Deus falará ao nosso coração.
E João Batista, ciente de sua própria
missão, quis deixar claro, para aqueles seus discípulos que viam
nele a figura de um provável Messias, quem era ele, confessando
humildemente: virá aquele que é mais forte do que eu e eu não sou
digno de desamarrar os cadarços da Suas sandálias (Lc 3, 16) e Ele
vos batizará no espírito santo e no fogo. E completa: Ele virá com
uma pá para limpar sua eira e uma peneira para separar o trigo do
carrapicho. Embora o texto apresentado na versão oficial da CNBB use
a palavra pá na mão, no texto latino, a palavra é
“ventilabrum”, cuja tradução mais própria seria “joeira”,
palavra que não é comum na nossa cultura, e que é algo mais
parecido com a peneira. A idéia é fazer aquilo que os produtores
rurais fazem com o feijão, o milho, o arroz depois que eles põem
pra secar, para separar os grãos quebrados dos inteiros, separar as
palhas dos grãos. No nosso meio sertanejo, além da peneira, faz-se
também a prática de “ventilar” o feijão, o milho, ou seja,
passar pelo vento, pra separar os grãos das cascas, é outra técnica
rudimentar que tem o mesmo objetivo.
A meu ver, seria essa a mensagem que
João Batista queria transmitir. Eu não sou o Messias, mas ele está
perto de chegar e virá com uma peneira pra separar os grãos
perfeitos das cascas, os grãos inteiros dos quebradiços. Os grãos
selecionados serão recolhidos ao celeiro, enquanto as palhas serão
lançadas ao fogo (Lc 3, 17). Então, o caminho de preparação para
a celebração do Natal coloca na nossa frente os desafios que
devemos enfrentar para sermos dignos de vê-Lo nascer em nosso
espírito, em nossas famílias, em nossa comunidade. Traz um alerta
para que não relaxemos nos nossos compromissos de cristãos e uma
oportunidade para fazermos um balanço sobre as práticas realizadas
no período que termina. Ou seja, a liturgia nos remete à reflexão
sobre o modo como realizamos, no dia a dia das nossas atividades,
aquelas ações e práticas que devem espelhar o estilo de vida do
verdadeiro cristão.
Por fim, eu gostaria de trazer aqui uma
notícia muito promissora para a religiosidade nordestina, fato
ocorrido no início do Ano da Misericórdia. Neste domingo, o Papa
recomendou a todos os Bispos do mundo inteiro que repetissem o gesto
que ele fez em Roma, no dia 8 passado, abrindo simbolicamente a porta
da Igreja Matriz para indicar o início deste ano designado como
tempo de perdão. E dando um exemplo concreto, o Papa enviou uma
carta ao Bispo de Crato, comunicando oficialmente que a Igreja havia
perdoado o Padre Cícero das penas canônicas que lhe foram impostas
em dois processos, no final do século XIX e início do século XX.
Em decorrência dessas penalidades, o Padre Cícero, quando faleceu,
estava afastado das ordens sacras, embora esse fato tenha sido
ocultado do povo. Há alguns anos, o Bispo de Crato e uma comitiva de
políticos do Ceará estiveram em Roma, requerendo a reabertura e a
revisão do processo canônico que havia aplicado as penas ao Padre
Cícero. E agora, o Papa comunicou formalmente o resultado,
anistiando sacerdote juazeirense, o que pode ser a abertura do
caminho para a sua canonização. Perante o povo romeiro, ele já é
santo, falta apenas o reconhecimento oficial.
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