COMENTÁRIO LITÚRGICO – EPIFANIA DO
SENHOR – 03.01.2016
Caros Leitores:
Neste domingo, celebra-se a festa
litúrgica da Epifania do Senhor, popularmente conhecida como Dia dos
Reis Magos, uma tradição que desvia a atenção das pessoas da
verdadeira festividade. A epifania designa a universalidade da
salvação trazida por Cristo, representada na presença das
autoridades vindas de terras orientais, portanto, de fora do
território judaico. O texto bíblico não informa a cidade de onde
eles vieram, mas apenas que vieram de terras distantes no oriente,
guiados pela estrela. Também não afirma que eram reis, sendo essa
designação creditada a tradições muito antigas. Alguns estudos
associam a figura da estrela com o cometa de Halley ou talvez um
outro astro errante no espaço sideral, contudo não há conclusões
definitivas. Este fato é relatado apenas pelo evangelista Mateus,
por isso há quem afirme que não é um acontecimento real, mas
trata-se de uma história composta pelo evangelista, com o objetivo
de enfatizar a profecia de Miquéias e demonstrar a origem familiar
de Cristo no clã do rei Davi. Todas, porém, são opiniões sem as
necessárias evidências.
O evangelho de Mateus fala em 'magos do
Oriente', mas também não se deve entender esta palavra no sentido
que ela tem hoje. Conforme registros históricos atribuídos a
Heródoto, os magos seriam sacerdotes eruditos de uma religião que
teria existido na região da Mesopotâmia, que hoje corresponde ao
Irã ou Iraque. Essa religião era, na verdade, uma forma arcaica da
ciência astronômica e esses sacerdotes eram pessoas que estudavam
os livros sagrados e costumavam observar os astros no céu, ou seja,
eram uma espécie de antigos astrônomos. Com isso se explica o fato
de que notaram uma “estrela” diferente e tentaram interpretá-la,
com o conhecimento que eles tinham de antigas escrituras. Eles eram
provavelmente sacerdotes do zoroastrismo, religião fundada por
Zaratustra, cerca de 1.500 anos antes de Cristo e originária dessa
mesma região. Bem, o modo como este fato aconteceu, assim como as
motivações envolvidas, fazem parte do universo das controvérsias
históricas, sendo mais amparado por antigas tradições do que por
documentos escritos.
Sob o aspecto litúrgico, a festa da
Epifania, nas Igrejas católicas gregas, é também a celebração do
Natal, pois eles não comemoram o natal em 25 de dezembro, como na
Igreja católica romana. Aliás, este foi um dos motivos que levou ao
cisma, em 1054, porque não houve acordo acerca desse e de outros
pontos de discussão. Os orientais acusaram os europeus de terem-se
rendido ao poder do imperador romano, que estabeleceu a data e a
forçou autoritariamente aos bispos ocidentais a aceitá-la. Com
isso, nós concluímos que a festa da Epifania é mais antiga do que
a celebração do Natal, como nós temos na Igreja romana; também
concluímos que as Igrejas orientais celebram em conjunto as duas
festas: o Natal e a Epifania, porque na verdade, elas são uma festa
só.
Com efeito, o termo grego “epiphania”
é o substantivo derivado do verbo “epiphainow”, que significa
aparecer, mostrar-se, apresentar-se. A epifania é a festa da
manifestação do Salvador, e isso se deu efetivamente no Natal. Ao
separar as datas, e portanto, a comemoração em duas festas, a
Igreja romana celebra dois Natais: um em 25 de dezembro, o Natal –
nascimento de Cristo e outro, nesta data, o Natal – manifestação
de Cristo às nações do mundo, representados na pessoa dos “magos”
orientais. O dirigente romano em Jerusalém, Herodes, também tinha
no palácio um conselho de sacerdotes, adivinhos, magos, que além de
chefes religiosos, eram também os cientistas daquele tempo, os que
sabiam ler e estudavam os poucos documentos conhecidos. Foi a estes
que Herodes recorreu para tentar entender aquela notícia que os
magos orientais traziam, acerca do nascimento do rei dos Judeus.
A liturgia da Epifania procura integrar
os textos do antigo e do novo testamentos, no caso, o livro de Isaías
com o evangelho de Mateus. No livro de Isaías (na verdade, o
deutero-Isaías), cap. 60, 1, o autor conclama Jerusalém a se
alegrar, porque “sobre ti apareceu o Senhor e a sua glória se
manifestou”. E diz mais adiante (60, 6): “será
uma inundação de camelos e dromedários de Madiã e Efa a te
cobrir; virão todos os de Sabá, trazendo ouro e incenso e
proclamando a glória do Senhor.
” Por certo, a viagem dos “magos” era acompanhada de uma
caravana de camelos e dromedários, pois pela liderança que eles
deviam ter e por tratar-se de uma viagem de longa distância, deviam
trazer grande séquito.
No evangelho de Mateus (2, 2), se
concretiza o que foi dito pelo profeta Isaías: “eis
que alguns magos do Oriente chegaram a Jerusalém, perguntando: 'Onde
está o rei dos judeus, que acaba de nascer? Nós vimos a sua estrela
no Oriente e viemos adorá-lo.'
” Até o Salmista (71, 10), faz coro com essa proclamação, ao
cantar: “Os
reis de Társis e das ilhas hão de vir e oferecer-lhes seus
presentes e seus dons; e também os reis de Seba e de Sabá hão de
trazer-lhe oferendas e tributos.
” A escritura está permeada de passagens assemelhadas, nas quais
essas referências se reproduzem. O evangelista, que conhecia, como
bom judeu, a Lei e os Profetas, trata de integrar as profecias no seu
texto, como forma de comprovar que Jesus é o Messias prometido, numa
época em que muitos judeus teimavam e duvidavam em admitir isso.
Embora os textos escritos e demais documentos históricos sejam
escassos, verificamos que esta é a fé que se construiu desde os
primeiros tempos do cristianismo, de modo que a sua credibilidade
está no fato de ser uma tradição muitíssimo antiga.
A aliança original de Javé foi com os
judeus, mas estes não reconheceram em Jesus o Salvador que veio
confirmar a promessa, então diante da descrença deles, o evangelho
foi pregado aos gentios, ou seja, àqueles que não descendem dos
antigos patriarcas. A figura dos “magos” colocada nesse contexto
do nascimento de Jesus faz parte do propósito do evangelho de
mostrá-Lo como o Salvador de todas as nações, e não apenas do
povo de Israel. Foi isso que Jesus mostrou aos discípulos, em
diversas ocasiões, ao observar a indiferença e mesmo a hostilidade
daqueles que deveriam recebê-lo como Salvador e por isso mandou que
eles divulgassem a sua mensagem aos outros povos, porque a aliança
proposta por Javé não se limitava a um punhado de israelitas.
Mateus que mostrar que, desde o seu nascimento, Jesus atraiu para si
também os povos pagãos, representados pelos magos.
Esta universalidade da salvação
trazida por Cristo é o tema da carta de Paulo aos Efésios (3, 2-6),
onde ele retoma a ideia da recusa dos judeus e o anúncio do
evangelho aos gentios: “os
pagãos são admitidos à mesma herança, são membros do corpo, são
associados à mesma promessa em Jesus Cristo, por meio do Evangelho.
” Sabemos, pelos estudos históricos, que foi nas colônias gregas
do império romano onde o cristianismo começou a ganhar corpo como
religião, foi lá onde se fundaram as primeiras comunidades e se
ergueram as primeiras igrejas formalmente organizadas, aquelas que
hoje nós chamamos de “Igrejas orientais”. Antioquia, Alexandria,
Filipos, Éfeso, Galácia, Colossos, Esmirna, Tessalônica,
Constantinopla, só bastante tempo depois, o cristianismo finalmente
chegou a Roma e de lá espalhou-se pela Europa, vindo depois para a
América, onde atualmente estão localizados os católicos em maior
profusão no mundo todo. Sem deixar de mencionar o grande número de
fiéis das diversas igrejas não católicas e ainda daqueles homens e
mulheres de boa vontade que, mesmo sem professarem abertamente a fé
cristã, no entanto, realizam em suas vidas o ensinamento de Cristo
contido nos evangelhos. O Papa Francisco já proclamou, em diversas
ocasiões, que também os ateus que seguem retamente a sua
consciência estão no caminho da salvação, porque ao praticarem o
autêntico humanismo, estão em sintonia com o pensamento cristão.
Curioso notar que nem Lucas nem Marcos
se referem ao episódio da visita dos “magos”, deixando-nos a
cogitar se eles não tinham conhecimento desses fatos ou se não
consideraram suficientemente importantes para incluí-los nos seus
textos. O mais provável, conforme explicam os exegetas, é que esta
fonte era conhecida por Mateus e provavelmente não chegou ao
conhecimento dos outros dois evangelistas. Uma prova disso seria que
os evangelhos de Lucas e Marcos foram escritos na língua grega,
portanto, na região das colônias gregas do império romano,
enquanto o evangelho de Mateus foi escrito originalmente em aramaico,
a mesma língua falada por Jesus, e só depois traduzido para o
grego. Isso justificaria o fato de que, no local onde Marcos e Lucas
moravam, essa tradição dos magos não era conhecida e, por isso,
não foi mencionada por eles.
Mas independentemente dessas polêmicas
históricas e literárias, o que nos interessa é destacar na
epifania o símbolo da universalidade da mensagem cristã, quando os
tempos se completaram e o Verbo se encarnou. A nossa fé é o maior
testemunho dessa universalidade, pois é graças a isso que chegou
até nós a mensagem da salvação.
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