segunda-feira, 28 de março de 2016

COMENTÁRIO LITÚRGICO - DOMINGO DA PÁSCOA - 27.03.2016

COMENTÁRIO LITÚRGICO – DOMINGO DA PÁSCOA – 27.03.2016 – PÁSCOA HOJE

Caros Leitores,

Ao fazer aqui umas continhas, percebi que, neste domingo de Páscoa, completam-se já cinco anos que escrevo esses comentários semanais, contando sempre com a prestimosa simpatia de vocês, que sempre revigoram o meu entusiasmo para escrevê-los. E a nossa Páscoa, na atual conjuntura brasileira, mais do que nunca precisa ser ressignificada, pois o momento sociopolítico é de incertezas e turbulências, o que exige de nós, cristãos, maior dose de fé e engajamento. Afinal, todos somos responsáveis pelos destinos do país. Não me refiro a ativismo político partidário, pois este fica a critério de cada cidadão fazer ou não. Refiro-me à necessidade de refinar a consciência e não adotar atitudes de extremismos, seja para qual lado for a tendência, porque acima de todas as dissensões está o interesse coletivo e o bem comum. A Páscoa, festa mais antiga da humanidade, é sempre uma ocasião inspiradora de novas esperanças, oportunidade para renovar compromissos e, principalmente, reacender a fé, porque esta é que nos mantém firmes na caminhada. Enquanto temos fé, temos energias para seguir adiante. Se ela fraquejar, tudo o mais também desmoronará. Portanto, a maior mensagem que a ressurreição de Cristo poderá nos trazer é a firmeza na nossa fé.

Aqui está, com efeito, o ponto central da nossa fé cristã: a ressurreição de Cristo. Jesus não inventou a Páscoa, mas sendo conhecedor da história humana, ele escolheu esta significativa data para incluir nela a sua ressurreição, isso não foi por mero acaso, tenho plena convicção de que houve a ação divina para que esses fatos tenham se encaminhado para uma realização conjunta. Foi tudo meticulosamente planejado desde o início. Jesus, por diversas vezes (relatam os evangelistas), se dirigira a Jerusalém para celebrar a Páscoa. Era assim que todos os judeus faziam e Jesus era judeu plenamente. Até então, a Páscoa rememorava, para eles, a libertação da escravidão do Egito, fato que já era considerado o ponto central da fé israelita: a conquista da liberdade perante um adversário muito mais poderoso e bem equipado, tudo conduzido por Javeh, numa demonstração de predileção por aquele povo e provando Sua fidelidade com a aliança tratada com os antigos patriarcas.

Com efeito, os pesquisadores não sabem a origem da festa da páscoa, porque essa é uma tradição que se perde no tempo. Estima-se que a páscoa começou a ser celebrada desde que os seres humanos começaram a formar grupos estáveis em determinados locais, onde passaram a plantar e criar animais, deixando assim de ser nômades, como eram os primeiros grupos humanos. Ou seja, a festa da páscoa originalmente estaria integrada com o próprio surgimento da sociedade humana. Esse tempo geográfico que, no hemisfério norte, corresponde à primavera e coincide com o tempo em que as árvores iniciam a brolhar após o frio do inverno, começando a produzir os primeiros frutos da terra, passou a ser festejado como o tempo da primeira colheita, tempo de fartura e da prosperidade, celebrando a paz entre a natureza e os seus habitantes, tempo em que os animais também acasalam e a vida sobre a terra se renova. Este seria o sentido primitivo da páscoa, festejada desde tempos imemoriais.

A páscoa, portanto, desde os primórdios, já tinha um significado especial para a espécie humana, mesmo antes de alguns acontecimentos importantes terem ocorrido nessa época do ano, vindo a trazer um significado renovado para essa festa, dentro da tradição judaico-cristã. Assim é que a fuga dos hebreus do Egito, onde eles viviam como escravos, se deu por ocasião da páscoa. A narração epopéica do Êxodo reproduz a fé dos judeus no Deus de seus ancestrais, permeada de intervenções divinas poderosas, protegendo o povo contra o inimigo perseguidor. Porém, divergindo disso, teorias de alguns historiadores acreditam que ocorreu, de fato, uma fuga em massa dos hebreus, liderados por Moisés. Tudo fora combinado para que aproveitassem os festejos da páscoa, porque os egípcios também estariam festejando, e assim os hebreus teriam mais chance de não serem percebidos ou de pensarem que aquela fuga alguma forma celebrativa e isso os faria ganhar tempo e dianteira, antes que o exército do Faraó se pusesse a caminho para recapturá-los. Assim foi que o grupo de fugitivos somente foi alcançado quando já haviam atravessado o Mar Vermelho, portanto, já fora dos limites territoriais do Egito. Só que os hebreus conseguiram atravessar o mar com a maré baixa, porém quando os soldados do Faraó chegaram, a maré já estava enchendo e assim eles ainda tentaram alcançar os fugitivos, mas o mar os impediu. No livro do Êxodo (14, 21) há uma referência a isso, quando diz que Moisés estendeu a mão sobre o mar e durante toda a noite soprou vento forte, dividindo as águas. Segundo essa versão não bíblica da história, não houve uma “divisão” das águas em colunas (como aparecem nas versões cinematográficas), mas os fugitivos aguardaram na beira-mar o vento siroco que fazia a maré recuar, a ponto de conseguiram atravessar até a outra margem, com água rasa. Quando os egípcios chegaram, aquele vento forte havia cessado e eles tentaram seguir pelo mesmo caminho, mas então a profundidade da água não permitiu que eles atravessassem, e com isso os israelitas puderam seguir seu caminho. Aquela narração clássica do Êxodo, em uma linguagem carregada de símbolos, que já foi artisticamente representada nos filmes, fazia parte da catequese rabínica, para exaltar diante dos jovens judeus, que não haviam passado por aqueles momentos de aflição, a proteção de Javeh para com o seu povo.

Para os hebreus, portanto, a Páscoa lembrava essa trajetória heroica dos seus antepassados e desse modo a Páscoa era a festa da liberdade reconquistada, era a principal festa do povo hebreu. Tanto assim que os chefes dos sacerdotes queriam “resolver” a situação de Jesus antes da Páscoa, porque se entrasse o período festivo, as pessoas iriam se dedicar à festa e não haveria mais clima favorável ao julgamento pretendido por eles. Porém, o que eles não sabiam é que tudo isso já estava no plano salvífico divino. Ao chamar os apóstolos para irem com ele a Jerusalém, para aquela páscoa especial, Jesus fez tudo diferente: uma entrada triunfal, montado num jumento, aclamado pela população. Quantas vezes Jesus já havia ido a Jerusalém para a Páscoa e não tinha feito assim. Mas aquela Páscoa iria ganhar um significado novo, aquela iria ser a Sua páscoa e, com isso, a nossa Páscoa verdadeira e definitiva. As primeiras comunidades cristãs, de início, não perceberam isso e continuaram celebrando o dia do Senhor no sábado, como era a tradição hebraica. Mas depois foram percebendo que, com a ressurreição de Cristo, a Páscoa tinha ganho um novo sentido e aquela antiga tradição sabática precisava ser superada pela celebração dominical, porque Jesus havia ressuscitado no primeiro dia da semana. O novo significado da Páscoa, como festa da vida renovada, da vida plena e definitiva, da vida que supera a morte devia ser comemorada como uma nova festa, com um novo simbolismo, essa devia ser a nova referência para as festividades pascais.

Meus amigos, conforme mencionei no início, a celebração da Páscoa neste ano está acompanhada de muitas apreensões e incertezas. A nação está dividida, faz-me lembrar os tempos da guerra civil romana, quando os partidários de Pompeu agrediam os partidários de César. As lições da história devem ser sempre relembradas, porque nos trazem ensinamentos frutuosos e esclarecedores. O que vemos, de parte a parte, hoje no Brasil, são grupos maniqueístas, alinhados em duas colunas: “a favor do golpe” e “contra o golpe”. Não vejo nenhuma tendência “a favor do Brasil”, mas cada uma a tentar proteger o “território” conquistado, longe de pensar no bem de todos. Aliás, cada grupo supõe que representa “todos”, numa análise míope e tendenciosa. Confesso com sinceridade, eu nunca havia vivido uma Páscoa tão triste e apreensivo. Daí o meu apelo para que hoje, quando celebramos a Páscoa, nos lembremos da esperança que a Páscoa nos deve trazer, junto com a ressurreição de Cristo. A situação, conforme estabelecida, não interessa a ninguém (exceto a um certo grupo de abutres sociais, aqueles para quem quanto pior, melhor). E o mais desalentador de tudo é vermos irmãos nossos que, por momentânea perda de lucidez (creio eu), não percebem que estão “a serviço” desses dilapidadores da pátria, seja de qual lado que estejam.

Neste domingo de Páscoa, essa foi a minha reflexão pessoal, diante dos presságios pouco animadores que nos são trazidos pela imprensa, em todas as suas formas. Peço desculpas por ter utilizado esse espaço para expor minha opinião pessoal acerca do momento histórico pelo qual atravessamos e peço que me perdoem pelo desabafo, especialmente aqueles que não concordam com o meu ponto de vista. Para mim, não faz sentido celebrar a Páscoa apenas com o Círio aceso e os cumprimentos formais, enquanto no recinto exterior, as maquinações se multiplicam. Apesar de tudo, é preciso seguir em frente e manter a fé.

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