COMENTÁRIO LITÚRGICO – 25º DOMINGO
COMUM – SERVIR A DOIS SENHORES – 18.09.2016
Caros Leitores:
As leituras litúrgicas
deste 25º domingo comum colocam para a nossa reflexão um tema muito
atual para o período eleitoral: a honestidade dos administradores,
daqueles que dirigem a sociedade. Em tempo de campanha política, de
impeachment e de tensões políticas, a probidade dos parlamentares
atuais e futuros é a grande preocupação da sociedade brasileira.
No calor do embate de ideias e de ideologias, poucas pessoas possuem
instrução e convicção suficientes para uma serena decisão sobre
os votos que darão aos candidatos que se apresentam. A maioria
popular ainda é seduzida pelo discurso emotivo e prometedor, que em
geral não se cumpre.
Na primeira leitura,
retirada do livro do Profeta Amós (Am 8, 4-7), o discurso do profeta
até parece que se refere ao estereótipo do político profissional
dos nossos dias, mais interessados em esfolar os concorrentes e
enganar os eleitores. Tudo vale para conseguir maior número de
sufrágios, até mesmo eliminar o adversário, conforme se sabe pelos
noticiários. No tempo do profeta Amós, ainda não havia o
capitalismo nem o comunismo, nem a economia de mercado nem a
globalização, mas um sistema social arcaico, baseado na teocracia,
e um sistema econômico também arcaico, fundado em grande parte na
prática do escambo. Mas lamentavelmente as práticas de corrupção
e de engodo da população já existiam, assim como as práticas
comerciais escusas de fraudar balanças, diminuir medidas,
inflacionar o preço para conseguir lucrar sempre mais. Portanto,
desde os tempos do Profeta Amós, cerca de 800 anos antes de Cristo,
a cobiça dos governantes e dos comerciantes já era alvo de
reprovação pelos arautos de Javeh. Isso mesmo continuou a ocorrer
nos séculos seguintes, dominados pela tradição romanista e pelo
mercantilismo, que se instalou a partir do Renascimento. As mesmas
práticas reprováveis de certos líderes sociais, que frequentemente
são noticiadas nos dias de hoje, já ocorriam naqueles tempos. No
livro de Amós, o profeta condena a injustiça social e a exploração
gananciosa dos mais humildes. Fazendo-se as contas, podemos avaliar
há quanto tempo esse tipo de prática vem sendo condenada e apesar
disso nunca deixou de ser vergonhosamente replicada.
Na segunda leitura,
retirada da carta de Paulo a Timóteo (1Tim 2, 1-8), o Apóstolo
exorta à comunidade para que reze pelos administradores, pelos
governantes, pelos que ocupam altos cargos, pois Deus quer que todos
sejam salvos. Verifica-se, nas entrelinhas das palavras de Paulo, que
os administradores públicos eram tidos por pessoas inescrupulosas,
cuja ação não era agradável a Deus, daí porque era necessário
orar por eles, para que cheguem ao conhecimento da verdade e sejam
salvos. A preocupação de Paulo com os dirigentes da comunidade se
faz sentir na necessidade de que os cristãos que ocupam cargos
elevados devem dar exemplo aos não cristãos, para que a sua virtude
seja imitada por estes. E para que isso aconteça, é importante a
oração da comunidade em seu apoio. Naquela antiga oração que
rezávamos após a bênção do Santíssimo Sacramento, havia um
trecho que dizia assim, depois de orar pelo Papa, pelos Bispos, pelos
administradores eclesiásticos: rezemos por todas as pessoas
constituídas em dignidade, para que governem com justiça. E os
vários documentos expedidos pelo Magistério da Igreja ao longo dos
últimos séculos, desde o Papa Leão XIII, com a encíclica Rerum
Novarum, tem dado continuidade a essa missão iniciada por Paulo no
sentido de orientar os governantes no caminho da verdadeira justiça
social. O Papa Paulo VI, na encíclica Populorum Progressio (1967)
escreveu uma frase emblemática sobre a situação econômica do
final do século XX: o desenvolvimento é o novo nome da paz. A
situação das nações em relação ao desenvolvimento de cada uma é
o mecanismo de equilíbrio para a manutenção da paz mundial. De um
modo indireto, isso quer dizer que a consciência dos administradores
públicos, sobretudo dos países mais ricos, será determinante para
que todas as nações vivam em paz. E podemos ver diariamente isso,
na prática, e constatar o quanto o Papa estava com a razão. As
guerras que eclodem em diversas partes do mundo são o contraponto
para comprovar a validade dessa doutrina.
No evangelho de Lucas,
lemos hoje a conhecida parábola do administrador infiel. Esta
parábola contém um forte paradoxo, destacando a pedagogia do
contraditório, pois ao mesmo tempo em que Cristo elogia o
comportamento do administrador inescrupuloso, Ele está querendo nos
dizer: não façam assim. No tempo de Cristo, a parábola se dirigia,
como na maioria das vezes, aos fariseus e aos chefes do povo, que
agiam de forma perdulária e opressora, transformando a religião
judaica num emaranhado de regras e proibições, em que a prática
exterior da religião era mais valorizada do que a intencionalidade
do crente. No evangelho de Mateus (cap 23), Cristo faz essa mesma
advertência com outras palavras, dizendo que os fariseus atam
pesadas cargas e as colocam nos ombros do povo, enquanto eles mesmos
não ajudam nem com o dedo para aliviar o peso. Noutro contexto,
vemos repetida aí a mesma reprovação feita pelo Profeta Amós
contra os administradores do tempo dele. E podemos encontrar
semelhante atitude de reprovação no episódio em que Jesus expulsa
do templo aqueles que vendiam rolinhas e carneiros para o sacrifício,
chicoteando-os e quebrando suas bancas. “Ninguém
pode servir a dois senhores. Porque
ou odiará um e amará o outro, ou se apegará a um e desprezará o
outro.
Vós não podeis servir a Deus e ao dinheiro”, diz o evangelista
Lucas (16, 13).
Apesar dessa atitude de
reprovação, Jesus utiliza o argumento do raciocínio inverso para
elogiar o mau administrador, destacando a sua criatividade e
inteligência: os filhos das trevas são mais hábeis nos seus
negócios do que os filhos da luz (Lc 16, 8). E diz mais: usai o
dinheiro injusto para fazer o bem... pois se não fordes fiéis no
uso do dinheiro injusto, quem vos confiará o verdadeiro bem? (Lc 16,
9-11). Jesus está contrapondo as coisas da terra (dinheiro injusto)
com as coisas do céu (verdadeiro bem). Aquele que possui bens
materiais e/ou desfruta de poder social tem em mãos um 'dinheiro
injusto', porque toda acumulação de bens nas mãos de alguém é
resultado da falta daqueles bens nas mãos de outrem. Contudo, isso
não é de todo mau, desde que a administração desses bens
“injustos” esteja voltada para a satisfação das necessidades
dos irmãos carentes. Este é o grande desafio que se põe para o
cristão que administra bens particulares ou públicos. Jesus sabia
que a sociedade sempre seria desigual, quando ele disse em João (12,
8): “pobres sempre tereis entre vós”. Ele sabia que mesmo a
divulgação da sua doutrina não acabaria com as desigualdades
sociais mas, por outro lado, isso não seria empecilho para que os
cristãos tivessem em suas mãos a responsabilidade de administrar
bens materiais. Daí Ele dizer em Lucas (16, 8) que o dono do negócio
elogiou a esperteza do seu administrador. Deus quer que nós tenhamos
essa mesma esperteza com os bens injustos para que saibamos
utilizá-los com sabedoria e disponibilizá-los em benefício dos
pobres da comunidade.
A advertência de que
“ninguém pode servir a dois senhores” não significa que existe
uma incompatibilidade absoluta entre amar a Deus e administrar bens
materiais, mas sim que o amor a Deus não pode competir com o amor
desses bens, pois o amor a Deus não pode ter concorrência. A
propriedade e a administração de bens materiais não deve nos
desviar do amor a Deus, mas sim fazer-nos amá-lo ainda mais e isso
ocorre quando os bens possuídos são postos a serviço da caridade e
do amor ao próximo. Aquele cujo Deus é a riqueza ou o poder, este
sim estará desvirtuando os bens recebidos e colocando-os a serviço
do próprio egoísmo, tal como fez o mau administrador. Podemos
dizer, em resumo, que a diferença entre o bom e o mau administrador
está sintetizada naquele critério que Jesus já ensinara aos
apóstolos e a todos nós, através da palavra do evangelista Mateus
(6, 21): “porque onde estiver o vosso tesouro, aí estará também
o vosso coração”. Se o nosso tesouro estiver em Deus, o nosso
coração não se apegará ao dinheiro injusto, mas nós saberemos
administrá-lo para fazer amigos que nos receberão, depois, na
morada eterna.
Que assim saibamos
compreender a esperteza dos filhos deste mundo para conseguirmos
colocá-la em prática no exercício da nossa fé.
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