COMENTÁRIO LITÚRGICO – 3º DOMINGO
DO ADVENTO – O ÚLTIMO PROFETA – 11.12.2016
Caros Leitores,
O 3º domingo do Advento, denominado
domingo “gaudete” (alegrai-vos), celebra a alegria da comunidade
diante da próxima chegada do Senhor. O refrão latino antigo dizia:
gaudete in Domino, iterum dico, gaudete. Alegrai-vos no Senhor, outra
vez eu digo, alegrai-vos. Este é o tema dominante desta liturgia,
que traz na leitura do evangelho o elogio que Jesus faz a João
Batista: ele é muito mais do que um profeta, dentre os nascidos,
ninguém é maior do que ele. E, nesse contexto, indiretamente se
autodeclara o Messias, quando afirmou que foi sobre João que o
profeta disse: eis que mando o meu mensageiro para preparar-te o
caminho.
A primeira leitura, do profeta Isaias
(35, 1-10), texto escrito no período final do cativeiro da
Babilônia, expressa a alegria dos cativos ao serem libertados e
retornarem a Jerusalém: “Dizei
às pessoas deprimidas: 'Criai ânimo, não tenhais medo! Vede, é
vosso Deus, é a vingança que vem, é a recompensa de Deus; é ele
que vem para vos salvar'. Então se abrirão os olhos dos cegos e se
descerrarão os ouvidos dos surdos. O coxo saltará como um cervo e
se desatará a língua dos mudos. Os que o Senhor salvou, voltarão
para casa.” (Is 1,
4-10) Esta alegria do retorno dos cativos para casa é comparada com
a alegria da Igreja pela chegada do Senhor, que se avizinha. A
liturgia relembra a festa dos hebreus celebrando a sua libertação
do cativeiro babilônico, fazendo alusão com o júbilo que deve
tomar conta de todo o mundo cristão, com a chegada da libertação
trazida por Cristo. Se aquela libertação terrena foi motivo de tão
grande regozijo para os hebreus, então para nós, que recebemos de
Cristo a salvação eterna, a alegria deve ser muito maior. A parte
final do versículo 10 é bem sugestiva: “Eles
virão a Sião cantando louvores, com infinita alegria brilhando em
seus rostos: cheios de gozo e contentamento, não mais conhecerão a
dor e o pranto.”
Sião, a Jerusalém terrestre, é a manifestação prévia da Igreja
de Cristo, da qual nós fazemos parte. A ela, nós nos dirigimos
cantando louvores e com intensa alegria brilhando nos nossos rostos,
tal como os hebreus libertados. O livro de Isaías, ao mesmo tempo em
que descreve a tristeza do povo cativo, do meio para o fim, passa a
retratar o grande contentamento daqueles que puderam voltar à sua
terra. É uma leitura recorrente no tempo do advento, era também uma
leitura preferida por Cristo, quando comparecia aos cultos na
sinagoga e lhe era dada a palavra.
Na segunda leitura, retirada da carta
de Tiago (Tg 5, 7-10), ele exorta os cristãos sobre a vinda do
Senhor, que está próxima. Sabemos que, naquele tempo, tanto os
apóstolos quanto as comunidades primitivas esperavam para “os
próximos dias” o retorno de Jesus. Ao subir aos céus, ele havia
prometido que retornaria em breve, então, a interpretação que os
primeiros cristãos davam a essa passagem bíblica era totalmente
literal: ele vai voltar dentro de poucos dias. No caso da exortação
de Tiago, esta espera tinha outro sentido daquela referida pelo
profeta Isaías, pois no tempo deste Profeta, o Messias ainda não
havia vindo, portanto, ele se refere à sua chegada original. Mas na
carta de Tiago, a espera é pelo seu retorno, para julgar o mundo.
Daí percebermos uma certa ingenuidade e singeleza nas palavras de
Tiago, no versículo 9: “Irmãos,
não vos queixeis uns dos outros, para que não sejais julgados. Eis
que o juiz está às portas.”
Essa era uma compreensão recorrente entre os judeus convertidos,
pois essa era também a maneira como os apóstolos haviam
compreendido as palavras de despedida de Cristo, na Ascensão. Esta
carta de Tiago não é dirigida a uma comunidade de gentios nem de
uma determinada localidade, mas a todos os judeus da diáspora. A
diáspora, ou dispersão dos judeus, ocorreu logo após a destruição
de Jerusalém pelos romanos, levando-os a se espalharem por
diferentes territórios da Ásia, África e sul da Europa. Em alguns
destes locais, já existiam igrejas cristãs, sobretudo aquelas
fundadas por Paulo, tendo sido até motivo de atritos. Na verdade, os
judeus ficaram sem um território próprio e isso perdurou por vários
séculos, pois eles somente voltaram a ter um local geográfico com a
criação do Estado de Israel, após a segunda guerra mundial. Pois
bem, a carta de Tiago reflete assim aquela ideia que era comum entre
os primeiros cristãos, acerca da iminente volta de Cristo, para
julgar os vivos e os mortos. Ficai calmos, porque o juiz está
chegando, ninguém queira julgar uns aos outros.
No evangelho de Mateus (Mt 11, 2-11),
lemos o episódio em que João Batista, encontrando-se preso a
mandado de Herodes, ouviu falar de Cristo e enviou a ele alguns dos
seus discípulos, a fim de recolher informações: “és Tu o que
esperamos ou devemos esperar por outro?” Lembremos que João
Batista já havia batizado Jesus no rio Jordão, portanto, já o
conhecia, inclusive foi naquela ocasião em que o Espírito Santo
apareceu, portanto, João Batista tinha conhecimento da existência
de Jesus, que era também seu parente. Mas, mesmo assim, visto que
estava preso e não podia fazer isso pessoalmente, enviou seus
discípulos para se certificarem do fato. Não deixa de ser curiosa
essa referência do evangelho à inquietação de João Batista sobre
o Messias. Por certo, ele queria ter certeza do término de sua
missão preparatória. João Batista tinha discípulos e era preciso
que estes tivessem essa certeza também. Quiçá, o objetivo maior
era tranquilizar os discípulos, pelo fato de encontrar-se preso.
Portanto, eu entendo esse fato de João Batista enviar mensageiros
para irem ter com Jesus como uma forma de dizer a eles algo assim:
pronto, a minha carreira terminou, de agora em diante, vocês devem
ficar com Ele. Sabemos que alguns discípulos de João Batista
passaram a seguir Jesus Cristo. Daquela prisão onde se encontrava,
João Batista não mais saiu, vindo a ser decapitado a pedido da
concubina de Herodes, como forma de vingar-se dele, que havia
censurado a sua vida marital com Herodes, por ser uma união
ilegítima. A vingança da imperatriz não demorou a acontecer.
É interessante a atitude de Jesus
diante das perguntas dos discípulos de João. Ele não respondeu de
forma direta, mas apenas indiretamente, ao afirmar: “Ide
contar a João o que estais ouvindo e vendo: os cegos recuperam a
vista, os paralíticos andam, os leprosos são curados, os surdos
ouvem, os mortos ressuscitam e os pobres são evangelizados.”
(Mt 11, 4-5) Se observarmos bem, Jesus estava mandando o recado para
João Batista mais ou menos nesses termos: vejam só, estão
acontecendo aquelas coisas que o profeta Isaías dissera que iriam
acontecer com a chegada do Messias. Isto é, para um bom entendedor
(e João conhecia as escrituras), ali estava uma resposta claríssima.
João deve ter, então, se despedido dos seus discípulos, porque a
sua missão tinha sido encerrado e, certamente, os encaminhou para o
seguimento de Jesus.
Mas o evangelista Mateus prossegue (11,
9) a história, contando o que Jesus falou aos seus ouvintes, após a
saída dos discípulos de João: Vocês lembram de João, aquele que
pregava no deserto? Vocês pensavam que ele era um profeta, pois eu
vos afirmo que ele é mais do que um profeta. Aqueles que ouviam
Jesus conheciam os Profetas da Israel e os reverenciavam, assim Jesus
quis dar a eles uma noção da importância de João Batista. E
citando o seu profeta preferido, Isaías, completou: “É
dele que está escrito: 'Eis que envio o meu mensageiro à tua
frente; ele vai preparar o teu caminho diante de ti'.”
(Mt 11, 10) Com essa autodescrição, Jesus está, ao mesmo tempo,
afirmando que João é o último Profeta e que Ele, Jesus, é o
Messias. Em outra ocasião, Jesus havia utilizado outra passagem de
Isaías para se identificar na sinagoga, perante os rabinos e os
chefes do povo, quando foi convidado para fazer a leitura e escolheu
um trecho de Isaias, conforme está relatado no evangelho de Lucas
(4, 16). Após a leitura na qual Isaías falava sobre as qualidades
do futuro Messias, Jesus disse: hoje se cumpriu essa escritura. Foi
como se dissesse: Isaías estava falando a meu respeito. E
complementando o elogio que fazia a João Batista, assim terminou o
seu discurso: “de
todos os homens que já nasceram, nenhum é maior do que João
Batista.” (Mt
11,11) Vejam que Jesus exclui a si próprio dessa referência,
fazendo assim uma alusão velada à sua divindade. Ele nunca falava
de si mesmo diretamente, mas sempre de forma indireta. Porém, logo
depois, Jesus faz um surpreendente elogio a todos nós, cristãos:
“No
entanto, o menor no Reino dos Céus é maior do que ele.”
Ou seja, Jesus coloca os seus seguidores (quer dizer, nos coloca)
acima de João Batista, porque ele não chegou a ver a revelação e
a salvação, que nós conhecemos através dos seus ensinamentos e a
eles aderimos através do nosso batismo.
Que nós realmente façamos por onde
sermos dignos desse escancarado elogio que Jesus nos fez.
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