domingo, 4 de dezembro de 2016

COMENTÁRIO LITÚRGICO - 2º DOMINGO DO ADVENTO - COM A PÁ NA MÃO - 04.12.2016

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 2º DOMINGO DO ADVENTO – COM A PÁ NA MÃO – 04.12.2016

Caros Leitores,

Neste segundo domingo do advento, a liturgia introduz a figura de João Batista, considerado o último Profeta do Antigo Testamento, aquele que faz a transição do Antigo para o Novo. E a linguagem de João Batista é dura e ríspida contra as pessoas de fé dissimulada. Dirigindo-se aos fariseus e saduceus que vinham até ele a fim de receber o batismo, sem fazerem a conversão do coração, ele fulmina: toda árvore que não der bons frutos será cortada e lançada ao fogo. O Messias virá com a pá na mão, para limpar a sua eira. A palha seca será queimada num fogo que nunca se apaga. Daí o lema de sua pregação: convertei-vos enquanto é tempo, porque o dia está próximo. Dando prosseguimento ao tema iniciado no domingo anterior, acerca da vigilância permanente, temos neste domingo a advertência contra a simulação da fé. Não basta dizer “eu sou filho de Abraão” para obter a salvação, se essa afirmação for apenas da boca para fora. A verdadeira conversão vem de dentro, vem do coração.

Na primeira leitura, do extraordinário profeta Isaías, aquele que era o preferido nas citações de Jesus Cristo, vemos o traçado do perfil do futuro Messias (Is 11, 1-10): do tronco de Jessé surgirá um rebento e sobre ele repousará o Espírito do Senhor. Jessé é o pai do rei Davi. Davi havia sido o grande rei de Israel e formou, com Salomão, o período histórico mais próspero da vida daquele povo. O reinado de Davi foi decantado por muitos séculos como o melhor da história do seu povo. Ele foi sucedido por Salomão, que continuou com um reinado de muita prosperidade, porém os reis que vieram depois não prosseguiram na fidelidade a Javeh e o povo enfrentou muitas tentativas de domínio, até que ocorreu a derrota da Samaria para a Assíria, cujo rei Senaqueribe fez também o cerco de Jerusalém, vindo posteriormente a também dominá-la. O profeta Isaías vivenciou esses tempos conturbados, em que os governantes do povo se afastaram das promessas da Aliança, com enormes sacrifícios para o povo. Então, ele transmitia mensagens de conforto e esperança para a população, anunciando a vida do Messias, que descenderá da linhagem de Davi e fará retornar a paz e a prosperidade a Israel.

Ao traçar o perfil do futuro Messias, o Profeta não economiza palavras: “Ele não julgará pelas aparências que vê nem decidirá somente por ouvir dizer; mas trará justiça para os humildes  e uma ordem justa para os homens pacíficos.” (Is 11, 3-4). E para simbolizar a paz que o Messias trará para o povo, o Profeta utiliza imagens bastante significativas, mostrando que até os “inimigos naturais” viverão em harmonia: “O lobo e o cordeiro viverão juntos  e o leopardo deitar-se-á ao lado do cabrito; o bezerro e o leão comerão juntos e até mesmo uma criança poderá tangê-los. A vaca e o urso pastarão lado a lado, enquanto suas crias descansam juntas; o leão comerá palha como o boi.” (Is 11, 6-7). Isaías escreveu isso cerca de 700 anos antes de Cristo e é absolutamente impressionante como essas figuras simbólicas se harmonizam com a doutrina que Cristo veio ensinar, dando ênfase total no amor a Deus e ao próximo, como sendo esta a regra básica da Escritura, aquela que todos devem seguir. O evangelista Lucas (4, 14) relata claramente aquele conhecido episódio do dia em que Jesus Cristo foi convidado para fazer a leitura na Sinagoga, uma leitura do livro de Isaías, e ao terminar de ler, declarou: “hoje se cumpriu essa profecia que acabaste de ouvir.” Ou seja, Cristo confirmou em público que as predições de Isaías se referiam à pessoa dele. Em outras palavras: Ele é o Messias de quem falava o profeta Isaías. Não precisa acrescentar mais nada.

Na segunda leitura, da carta do apóstolo Paulo aos Romanos (15, 4-9), percebemos ali implícita a questão dos judaizantes, isto é, daqueles cristãos convertidos do judaísmo e que afirmavam que para ser cristão, era necessário antes circuncidar-se, seguindo a lei de Moisés. Paulo explica, de forma bem didática, que o Messias veio não apenas para os judeus, mas também para os gentios e que agora não há mais que falar na lei de Moisés, porque Cristo trouxe uma nova lei: a lei do amor. Essa foi uma questão que deu muito trabalho a Paulo para conseguir apaziguar as partes divergentes, fazendo-se necessário que ele usasse de todo seu poder de convencimento, conforme se verifica nesse trecho (15, 8-9): “Cristo tornou-se servo dos que praticam a circuncisão, para honrar a veracidade de Deus, confirmando as promessas feitas aos pais. Quanto aos pagãos, eles glorificam a Deus, em razão da sua misericórdia.” Cristo vem anunciar a Boa Nova da salvação tanto para aqueles praticantes da circuncisão (judeus, que agora não precisam mais fazê-la) quanto para aqueles que não foram circuncidados. Aos primeiros, em razão do cumprimento das promessas da aliança com Javeh; aos outros, em razão de sua divina misericórdia. Não é necessário converter-se antes ao judaísmo, para tornar-se um seguidor de Cristo, porque a misericórdia divina supera essa distinção. E conclui esse raciocínio desse modo (15, 6): “Assim, tendo como que um só coração e a uma só voz, glorificareis o Deus e Pai do Senhor nosso, Jesus Cristo. Por isso, acolhei-vos uns aos outros, como também Cristo vos acolheu, para a glória de Deus.” Com a Nova Aliança, não há mais que falar na lei anterior, pois ela já foi superada e assim não mais vale nem para os herdeiros da promessa nem para os novos convertidos, pois agora todos são um só coração e uma só voz.

No evangelho deste domingo, da autoria de Mateus (3, 1-12), surge a figura emblemática de João Batista, encerrando o ciclo profético e, ao mesmo tempo, abrindo a porta para aquele que é “mais do que um profeta”, pois não fala mais em nome de outrem, mas em nome próprio. No entanto, por estar ainda na perspectiva temática dos antigos Profetas, a linguagem de João ainda reflete aquela imagem de Deus furioso e tremendo, como era o padrão da imagem de Javeh no Antigo Testamento. Mateus diz que João foi anunciado pelo profeta Isaías, quando declarou que “uma voz clama no deserto: preparai o caminho do Senhor”. João pregava no deserto da Judeia, nas proximidades do rio Jordão e a sua figura exótica logo se tornou conhecida por toda a população da redondeza: um eremita que se vestia com couro de camelo, morando em abrigos naturais, alimentando-se de gafanhotos e mel do campo, cabelos e barba sem qualquer trato, alguns o tomavam como um louco, mas outros viam nele um homem de fé e o procuravam para ouvir a sua pregação. Fez inúmeros seguidores, alguns dos quais, posteriormente, tornaram-se discípulos de Cristo. Para aquelas pessoas que demonstravam sinceridade de propósitos, João aplicava o batismo da conversão. Mergulhar nas águas do rio Jordão era o símbolo de uma lavagem exterior e interior, o que implicava uma mudança de hábitos mas, sobretudo, a conversão do coração, dando cumprimento ao sentido mais exato da palavra “batismo”: um ato externo que simboliza uma mudança interna na pessoa.

Mas João Batista era extremamente ríspido com aqueles que ouviam as suas palavras e não mostravam convicção, como era o caso dos fariseus e saduceus, que o procuravam apenas por curiosidade. “Raça de víboras”, tradução literal do latim “progenies viperarum”, que é, por sua vez, tradução literal do grego “gennímata echidnon”. A tradução da CNBB diz “raça de cobras venenosas”, mas me parece desnecessário esse eufemismo, por isso, prefiro “víboras” mesmo. Continua João: vocês pensam que basta dizer que “sou filho de Abraão” para com isso obter a salvação? Pois tenham cuidado: o machado já está na raiz da árvore e toda árvore que não der bom fruto será cortada e jogada ao fogo. Meus amigos, precisamos refletir sobre a nossa vivência da fé cristã, para que não nos tornemos meros executores de atos religiosos externos, sem que o nosso coração esteja sintonizado e coerente com as nossas ações. Cai bem aqui aquela conhecida música antiga de Fernando Mendes: não adianta ir à igreja rezar e fazer tudo errado. Em outras palavras, era isso o que João Batista queria dizer. Não podemos agir como os fariseus e saduceus daquele tempo.

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