COMENTARIO LITURGICO – 2º DOMINGO
COMUM – BATISMO DO SENHOR – 15.01.2017
Caros amigos,
Neste domingo, a liturgia é do segundo
domingo do tempo comum, mas a leitura do evangelho se refere ao
Batismo do Senhor. A narrativa do evangelista João é muito
significativa e rica, por causa dos detalhes que ele cita, pois o
outro João, o Batista, confessa que teve a primeira visão da
Santíssima Trindade. No meio de muitas pessoas que se encontravam às
margens do rio Jordão, para receberem o batismo da penitência, ali
chegou também Jesus, colocando-se no meio dos demais penitentes.
Jesus não precisava ser batizado, pois o batismo se destina ao
perdão dos pecados, mas Ele quis cumprir todo o protocolo e João
foi agraciado com a revelação do Cordeiro de Deus.
O batismo de Jesus marca o início de
sua atividade pública, quando ele revela a todos qual o motivo de
sua presença, da sua missão na história dos homens. Nas duas
primeiras leituras, o tema é também sobre a missão: do profeta
Isaías e do apóstolo Paulo. Isaías diz que o Senhor o preparou
desde o nascimento para ser seu servo e ordena que ele recupere Jacó
e unifique Israel. O profeta Isaías é o grande arauto de Javeh no
cativeiro da Babilônia, quando o povo se encontrava no regime de
opressão e distante da sua terra. Ali as tribos estavam todas
dispersas e em crise de identidade. O profeta terá a missão de
redefinir a unidade do povo, transmitindo mensagens de esperança e
recordando a todos sobre a promessa de Javeh. Com isso, ele irá
restaurar as tribos e reconduzir à casa os remanescentes de Israel.
A tradução da CNBB fala em “remanescentes”, mas palavra
original do texto é “resto”, para indicar um pequeno grupo,
aqueles que sobraram. O profeta Isaías teve dois filhos. Ao
primogênito, deu o nome de Shear Yashub –– em latim, Residuum
Revertetur; em português, o resto que voltará –– para
manifestar sua confiança e sua esperança no Messias que haveria de
vir. O “resto” significa aquele grupo da resistência, aqueles
heróis que encaram as lutas e as adversidades e nunca desistem,
esses são os que merecem a recompensa. Isaías recebe a missão de
reunir e resgatar o “resto de Israel” para devolvê-lo à terra
prometida, pela obra salvadora do Messias. Na época do cativeiro da
Babilônia, o Messias histórico foi o rei Ciro, da Pérsia, que
derrotou Nabucodonosor e libertou o povo hebreu, que assim pôde
retornar à sua terra. Para nós, o Messias Jesus Cristo, o
verdadeiro, vem para nos conduzir à salvação eterna. A respeito do
Messias, preconizou o profeta: “'Não basta seres meu Servo para
restaurar as tribos de Jacó e reconduzir os remanescentes de Israel:
eu te farei luz das nações, para que minha salvação chegue até
aos confins da terra'.” (Is 49, 6) O rei Ciro trouxe a “salvação”
para um pequeno grupo, o resto de Israel. Nós, cristãos, fazemos
parte daquele grande “resto” simbólico, que recebeu a salvação
por meio da Cruz de Cristo. Esse tema teológico é muito rico e
belo: o resto de Israel, profetizado por Isaías.
Na segunda leitura, vemos o apóstolo
Paulo descrever a sua missão, recebida de Cristo por revelação,
como ele relata aos cristãos da igreja de Corinto: “Paulo, chamado
a ser apóstolo de Jesus Cristo, por vontade de Deus.” Ele, Paulo,
assim como os cristãos de Corinto, assim como todos nós, cristãos
do mundo inteiro, temos uma mesma missão: “os que foram
santificados em Cristo Jesus, chamados a ser santos junto com todos
que, em qualquer lugar, invocam o nome de nosso Senhor Jesus Cristo,
Senhor deles e nosso. ” (1Cor 1, 2) A carta de Paulo complementa a
leitura de Isaías, quando este afirma que o Messias, além de
reconduzir os remanescentes (o resto) de Israel, também fará com
que a salvação chegue até os confins da terra. Embora Paulo não
cite o Profeta, mas os textos se encaixam de forma plena. Cada um
deles em sua época histórica, e nós aqui no nosso tempo atual,
continuamos a desempenhar a mesma missão de levar adiante a mensagem
de Cristo, com o nosso exemplo, com o testemunho de nossas vidas.
Sobre a missão especial de Cristo, o
evangelho de João (1, 29-34) relata o batismo de Jesus pelo outro
João, que já foi cognominado Batista exatamente por causa do ritual
que ele fazia com as pessoas convertidas, o batismo da penitência.
João preparava os caminhos para a chegada do Messias e conclamava
todos a fazerem penitência. O Papa Francisco, no sermão deste
domingo, na hora do Angelus, faz alusão a esse fato, do seguinte
modo: “Podemos
imaginar a cena.
Estamos na margem do rio Jordão. João está batizando, há muitas
pessoas ali para receber o batismo de João, pessoas de diversas
idades, homens e mulheres. Em determinado momento, Jesus aparece na
margem do rio, no meio das pessoas, dos pecadores (de todos nós).
Foi a primeira coisa que ele fez, quando deixou a casa de Nazaré,
aos trinta anos de idade. João o batizou e sabemos o que aconteceu:
o Espírito Santo se postou sobre Jesus em forma de pomba e ele ouviu
a voz do Pai. Pronto, era este o sinal que João esperava. É ele,
Jesus, o Messias. A missão de João estava encerrada.”
Evidentemente, Jesus não precisava ser batizado e o evangelista
Mateus relata que João até se recusou. de início, a batizá-lo.
(Mt 13, 14). O evangelista João não menciona essa recusa, mas dá
um testemunho belíssimo: “'Eu vi o Espírito descer, como uma
pomba do céu, e permanecer sobre ele. Também eu não o conhecia,
mas aquele que me enviou a batizar com água me disse: `Aquele sobre
quem vires o Espírito descer e permanecer, este é quem batiza com o
Espírito Santo'.” (Jo 1, 32-33) Jesus batizou-se não para
purificar-se, porque já era totalmente puro, mas para purificar as
águas do Jordão, e nestas simbolicamente todas as águas da terra,
para conferir a elas o poder de nos purificar pelo batismo na fé da
sua doutrina.
O início da missão de Jesus foi,
podemos dizer, oficialmente homologado pela Santíssima Trindade.
João evangelista não afirma que todos os presentes tivessem visto
as três pessoas divinas, embora Mateus tenha afirmado isso. De
qualquer forma, naquele momento, se as pessoas viram aquela
manifestação, não compreenderam o que havia acontecido, mas só
posteriormente, após a ressurreição de Jesus, quando as
comunidades dos primeiros fiéis fizeram a rememoração dos
acontecimentos da Sua vida, de onde provêm os textos primitivos que
deram origem aos evangelhos, esse fato foi recordado e então puderam
compreender o seu alcance deveras significativo.
O tema teológico do batismo é um
daqueles que enfrenta sérias questões histórico-doutrinárias
acerca do seu “modus faciendi”: se por imersão ou por ablução.
Analisando sob o aspecto gramatical, o vocábulo batizar deriva do
verbo grego BAPTIZÔ, que significa mergulhar, submergir, mas também
lavar. Numa primeira acepção, o termo significa mergulhar. Mas em
outro texto bíblico, por exemplo, em Lucas (11, 38), quando os
fariseus se admiraram porque os discípulos de Jesus não lavavam as
mãos antes de comer, a frase latina é “quare non baptizatus
esset” e a frase grega é “ou proton ebaptiste”, demonstrando
assim o significado do verbo “baptizô” no sentido de lavar. Para
lavar as mãos, nem sempre as mergulhamos em água, muitas vezes
apenas derramamos água sobre elas. Ou seja, o estudo etimológico da
palavra permite a sua compreensão nos dois sentidos. E podemos ainda
levar em consideração o aspecto da praticidade. Como batizar por
imersão uma criança que esteja enferma, sem correr o risco de
piorar sua condição de saúde? E mesmo no caso de pessoas sadias, o
ritual seria extremamente incômodo pela necessidade de ter de
realizar o batismo nos rios, lagoas, açudes, etc., ou em tanques de
água preparados dentro dos templos, o que (ao meu ver) desvirtua o
sentido da imersão de acordo com o batismo de Jesus, que ocorreu
numa fonte de água natural. Disto se pode concluir que, seja por
imersão ou por ablução, o ritual não fará diferença quanto à
essência do ato e à produção dos seus efeitos.
Para finalizar, gostaria de ponderar
que o batismo não deve ser um fato longínquo e esquecido na nossa
caminhada existencial, mas um fato a ser testemunhado diuturnamente,
na nossa vivência de cristãos, seja na família, seja no trabalho,
nas relações familiares, nas amizades, na vida social em geral,
através do nosso comportamento de pessoas engajadas e comprometidas
com a fé assumida no batismo. A liturgia, em uma ocasião especial,
que é a celebração da Vigília da Páscoa, todos os anos, convida
os fiéis a renovarem as promessas do batismo, rememorando-nos
constantemente do nosso compromisso de batizados. Que o divino
Espírito nos inspire e nos fortaleça no exercício da nossa missão.
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