domingo, 22 de janeiro de 2017

COMENTÁRIO LITÚRGICO - 3º DOMINGO COMUM - 22.01.2017 - GALILEIA DAS NAÇÕES

COMENTÁRIO LITÚRGICO - 3º DOMINGO COMUM – 22.01.2017 – GALILEIA DAS NAÇÕES

Caros Leitores,

A liturgia deste 3º domingo comum põe em destaque um tema interessante, ao refletir sobre a vocação de cada um, demonstrando que os pagãos também são chamados (vocacionados) por Cristo, pois o seu projeto de salvação é universal, e não apenas para alguns escolhidos. A ênfase está no termo “galileia das nações”, que aparece em duas das leituras: a primeira vez, na profecia de Isaías, como prenúncio, e a segunda vez, no evangelho de Mateus, como realização. Quando Jesus Cristo compreendeu que era chegada a hora de iniciar a sua atividade de pregador, após a morte de João Batista, foi morar em Cafarnaum, às margens do Mar da Galileia, na região conhecida como galileia das nações, justamente porque naquele local estavam alojados os povos pagãos, que não eram de descendência judaica, portanto, não faziam parte dos povos da promessa. O início de suas pregações nessa localidade simboliza que a sua mensagem de salvação devia ser levada também aos pagãos, não apenas aos judeus.

Logo no início da primeira leitura (Is 8, 23-9,3), o profeta Isaías faz a seguinte referência histórica: “No tempo passado, o Senhor humilhou a terra de Zabulon e a terra de Neftali; mas recentemente cobriu de glória o caminho do mar, do além-Jordão e da Galiléia das nações. ” (Is 8, 23) Esse “tempo passado” a que o profeta se refere foi o tempo do domínio assírio, por volta do ano 730 a.C., bem antes do cativeiro da Babilônia. A fim de prevenir futuras rebeliões, os dominadores assírios resolveram misturar naquela região comunidades de diversas raças e línguas, vindas de lugares diferentes, misturando as culturas e dificultando as comunicações entre eles. Foi assim é que vieram pagãos de diversas nacionalidades conviver nas terras das tribos de Zabulon e Neftali, nas margens do Mar da Galileia, trazendo tumulto e dificuldades para os hebreus ali residentes, ficando essa região conhecida como “galileia das nações”. Etimologicamente, a palavra “galileia” (hagalil, em hebraico, transliterada para o grego como galilaia) significa “distrito”, “província”, assim a galileia das nações significava um território onde moravam populações de diversas origens, era uma região onde o povo não tinha uma identidade étnica ou cultural e, naturalmente, era também uma região de muita pobreza. Tempos depois, o império assírio havia sido dominado pelos persas e já não exercia poder na região, no entanto, aqueles povos não mais retornaram para os seus locais de origem e formavam um conglomerado altamente disperso, um amontoado de línguas, costumes, religiões, culturas, uma população pobre e marginalizada, daí porque isso era considerado uma humilhação para os seus nativos. A maior cidade dessa região era Cafarnaum. Jesus saiu de Nazaré e foi morar nesta cidade, para dali começar a sua missão.

Então, diz o profeta Isaías: no passado, o Senhor humilhou aquela região, através da ação dominadora dos assírios. Mas depois cobriu o lugar de glória e uma luz resplandeceu para aquele povo que vivia na escuridão (Is 9, 1). Isaías estava prevendo que a atividade missionária de Cristo iria iniciar-se naquele local. E o evangelista Mateus vai repetir literalmente essa passagem de Isaías, quando diz: (Mt 4, 12-14) Ao saber que João tinha sido preso, Jesus voltou para a Galiléia. Deixou Nazaré e foi morar em Cafarnaum, que fica às margens do mar da Galiléia, no território de Zabulon e Neftali, para se cumprir o que foi dito pelo profeta Isaías”. Vê-se claramente a preocupação de Mateus em mostrar que Jesus é o Messias previsto pelos antigos profetas, ao dizer que Ele começou o seu ministério por Cafarnaum, logo após o encerramento da missão de João, o batista. Ele foi a luz que resplandeceu para aquele povo. Aquele território que, antes tinha sido causa de humilhação, passou a ser motivo de glorificação. Aquela terra onde habitavam pessoas de diversos povos e línguas foi a escolhida por Jesus para recrutar os seus primeiros discípulos e para ali lançar as primeiras sementes. Por isso, Mateus refere que Jesus começou sua missão em Cafarnaum exatamente continuando a mesma temática iniciada por João Batista: “Daí em diante Jesus começou a pregar dizendo: 'Convertei-vos, porque o Reino dos Céus está próximo. ” (Mt 4, 17). Dizia o Batista: arrependei-vos porque é chegado o reino dos céus (Mt 3,2). Mateus faz, desse modo, a intercalação da profecia de Isaías com a missão de João Batista e com a pregação de Jesus.

Sobre o recrutamento dos discípulos, Mateus diz: “Jesus andava à beira do mar da Galiléia, viu dois irmãos: Simão, chamado Pedro, e seu irmão André. Estavam lançando a rede ao mar, pois eram pescadores. Jesus disse a eles: 'Segui-me, e eu farei de vós pescadores de homens'.” (Mt 4, 18-19). No entanto, o evangelho de João traz uma versão diferente. Segundo este, João Batista tinha vários discípulos e a estes ele mostrou Jesus, dizendo: “eis o Cordeiro de Deus, a ele é que vocês devem seguir”. (Jo 1, 36) Os evangelhos não mencionam os nomes desses discípulos de João Batista, exceto um deles, André, que era irmão de Simão Pedro. (Jo 1, 40). Portanto, de acordo com João, não foi bem assim como Mateus descreveu. André era discípulo do Batista e foi aconselhado por este a seguir o Cordeiro, tendo André convencido também seu irmão Simão a fazer o mesmo. Idêntico raciocínio se pode fazer em relação ao chamado de Tiago e João, que Mateus narra assim: “Caminhando um pouco mais, Jesus viu outros dois irmãos: Tiago, filho de Zebedeu, e seu irmão João. Estavam na barca com seu pai Zebedeu consertando as redes. Jesus os chamou.” (Mt 4, 21) João devia ser também seguidor do Batista e já devia conhecer Jesus, tendo convencido seu irmão Tiago a também segui-lo. Deduz-se isso pelo modo como João narra esses fatos, dos quais ele participou. Especulam os biblistas que, quando Jesus deixou a casa dos seus pais, em Nazaré, e mudou-se para Cafarnaum, foi morar provavelmente na casa de Pedro, ocasião em que curou a sogra dele que estava enferma (Mt 8, 14). Bem, como quer que tenham ocorrido os fatos, o certo é que esses foram os primeiros discípulos que Jesus, que os convidou a transformarem-se em pescadores de homens. Aos poucos, em circunstâncias próprias, Jesus foi chamando os demais.

Para uma pessoa que lê a Bíblia com olhos puramente formalistas, especialmente aqueles que leem a Bíblia sem a luz da fé, fica difícil compreender essas divergências textuais. Mas para os estudiosos do assunto, essas diferenças são perfeitamente compreensíveis e explicáveis, não ocasionando uma ruptura doutrinária, mas tão somente formas estilísticas e modelos de composição literária. Para uma melhor análise, observemos que: 1. o evangelho de Mateus, assim como os de Marcos e Lucas, são bem mais antigos do que o de João, escritos por volta dos anos 60, enquanto João escreveu por volta do ano 100; 2. os evangelhos sinóticos são compilações de textos mais antigos, que circulavam nas comunidades e tinham diferentes origens, sendo cópias de tradições orais, histórias que passavam de boca em boca, narrando os ensinamentos de Cristo; 3. na época em que João escreveu, muitas dessas divergências provavelmente já haviam sido observadas e corrigidas, de modo que o texto de João é mais elaborado, mais pesquisado, mais coerente; 4. João fora testemunha ocular dos fatos, ou outros apenas souberam por terceiros. Portanto, não devemos considerar que os primeiros estejam errados e com isso colocar em dúvida o que ali está escrito. O que verdadeiramente importa é a escolha que Jesus fez dos seus discípulos e o início de sua pregação naquele local, onde habitavam pessoas de diferentes línguas e culturas, sinalizando de modo claro que não apenas os judeus eram os destinatários da sua obra de salvação, mas também aqueles pagãos e, por extensão, toda a humanidade.

Na carta aos Coríntios (1Cor 1, 10-13), Paulo se refere a uma situação vivida naquela comunidade que muito se assemelha aos grupos do cristianismo contemporâneo. Paulo havia sido informado de que criaram-se grupos naquela comunidade, de acordo com as preferências de cada um, chegando até a contendas entre eles. E lhes pergunta: será que Cristo está dividido? em nome de quem fostes batizados? Meus amigos, essa divisão em grupos internos de interesses variados é tão prejudicial para a vivência da comunidade hoje, quanto o foi no passado, como se fossem pequenas seitas dentro do mesmo rebanho. Tradicionalistas, carismáticos, progressistas, vanguardistas, fundamentalistas, cançãonovistas, tridentinos, ecumênicos... Até os canais de televisão variados de cada grupo expõem essas divergências. Cabe aqui a pergunta de Paulo: acaso Cristo está dividido? Acaso a mensagem cristã não é uma só? Os vários grupos agem como se quisessem desmerecer a tendência dos outros irmãos e cada um deles querendo impor aos demais o seu próprio ponto de vista, arvorando-se em detentor da verdade e condenando os que pensam de modo diferente. A verdadeira compreensão da mensagem de Cristo deveria levar os divergentes ao exercício da tolerância e do mútuo respeito, como as atitudes mais compatíveis com a conduta do autêntico cristão. Cada qual, na diversidade da sua vocação e na peculiaridade da sua missão, compõe o grande mosaico de formas e expressões de uma mesma ideologia: o seguimento de Jesus Cristo.
Que o Divino Mestre nos una e nos fortaleça nessa desafiante caminhada.

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