COMENTÁRIO LITÚRGICO – 7º DOMINGO
COMUM – PERDÃO SEM MEDIDA – 19.02.2017
Caros Leitores,
Neste 7º domingo comum, a liturgia nos recorda que somos santuários vivos de Cristo, que habita em nós. E a característica própria do cristão é o amor os irmãos, mesmo aqueles que são maldosos e causam ofensas. Por isso, é preciso aprender a perdoar sem medida. No evangelho de Mateus, Jesus pergunta: o que vocês fazem a mais do que os pagãos? Amar os amigos e fazer o bem a quem lhe faz bem, isso não é grande coisa, os pagãos também fazem assim. Para fazer diferente, o cristão deve amar os inimigos e fazer o bem aos que lhe fazem o mal.
Neste 7º domingo comum, a liturgia nos recorda que somos santuários vivos de Cristo, que habita em nós. E a característica própria do cristão é o amor os irmãos, mesmo aqueles que são maldosos e causam ofensas. Por isso, é preciso aprender a perdoar sem medida. No evangelho de Mateus, Jesus pergunta: o que vocês fazem a mais do que os pagãos? Amar os amigos e fazer o bem a quem lhe faz bem, isso não é grande coisa, os pagãos também fazem assim. Para fazer diferente, o cristão deve amar os inimigos e fazer o bem aos que lhe fazem o mal.
Na primeira leitura, do livro do
Levítico (19, 1-18), Moisés transmite ao povo o recado dado por
Javé: sede santos assim como eu sou santo e, recordando o primeiro
mandamento, repete o refrão da santidade: amarás o teu próximo
como a ti mesmo. Anos depois, Cristo irá dizer aos discípulos que
este é o primeiro e o maior mandamento. Mas a lei de Moisés ainda
era muito restritiva em relação a este amor ao próximo, pois
considerava o próximo apenas os compatriotas, os amigos, permitindo
o ódio aos inimigos. Na sua pregação, Cristo veio ampliar o
conceito do próximo, estendendo-o inclusive aos não compatriotas,
como é o caso famoso da parábola do Bom Samaritano. Aqui está a
grande e essencial diferença entre a lei antiga e a nova lei, entre
o cumprimento restrito da lei e o cumprimento desta com sabedoria,
conforme tema abordado no comentário do domingo passado. O escritor
do Levítico dizia: não procures vingança nem guardes rancor dos
teus compatriotas (v. 18), referindo-se ao povo de Israel apenas.
Jesus vai dizer: teus compatriotas são todos os teus semelhantes,
porque a pátria a ser considerada, neste caso, é o céu. E a
exortação de não guardar rancor nem procurar vingança se estende
a todos, sem medida.
Na continuação da primeira carta aos
Coríntios (1Cor 3, 16-23), Paulo continua o ensinamento já abordado
no domingo anterior, dizendo que os cristãos não se devem deixar
levar pela sabedoria das coisas do mundo, mas pela sabedoria que
provém de Deus. E como isso será possível? Porque nós somos
santuários de Deus e o Espírito de Deus habita em nós. Aquele que
se inebria com a sabedoria mundana é um insensato e destrói em si
próprio esse templo onde Deus habita, tornando-se habitação do
mal. Assim ele diz no versículo 18: “Ninguém
se iluda: Se algum de vós pensa que é sábio nas coisas deste
mundo, reconheça sua insensatez, para se tornar sábio de verdade.”
Quem não abomina essa sabedoria insensata e fugaz, fundada apenas em
conceitos e experiências materiais, ao contrário, a cultua, fecha a
porta ao Espírito de Deus e não será capaz de compreender a
sabedoria verdadeira. O Senhor conhece os pensamentos dos sábios (da
terra) e sabe que são vãos. O cristão deve buscar a verdadeira
sabedoria, aquela que vem do alto e que foi ensinada por Cristo,
atualizando o verbete da lei, reconhecendo em todos (judeus e
gentios) a mesma irmandade. Diz Paulo, no v. 23, tudo vos pertence,
mas vós sois de Cristo e Cristo é de Deus.
Prosseguindo também na mesma temática
do domingo passado, o evangelho de Mateus (5, 38-48), nos mostra
outra vez Cristo ensinando, com toda a sua criatividade pedagógica,
o verdadeiro sentido da lei mosaica, que Ele não veio abolir, mas
aperfeiçoar. Neste domingo, Ele nos traz dois novos exemplos, que se
somam aos que já comentamos antes.
No primeiro exemplo de hoje, diz Ele:
“ouviste o que foi dito aos antigos: olho por olho e dente por
dente” (Mt 5, 38). Esse preceito multimilenar está presente em
todas as culturas antigas e simboliza o conceito mais primitivo de
justiça que os seres humanos formularam, isto é, a justiça
proporcional ou vingança controlada. Os estudiosos apontam que essa
regra do “olho por olho, dente por dente” veio do Código de
Hamirábi, um rei que governou a Babilônia cerca de dois mil anos
antes de Cristo. Esse preceito foi incorporado nas culturas da época,
havendo referências a ele entre os hebreus, gregos e romanos. Na
primeira lei romana escrita, conhecida como Lei das XII Tábuas, essa
regra já fora inserida para os casos em que não houvesse acordo,
estabelecendo que uma pessoa não podia “cobrar” da outra mais do
que o prejuízo causado, dando início assim ao conceito de equidade,
que foi aperfeiçoado por Aristóteles e se encontra hoje nos
direitos de todos os povos. Jesus faz referência, portanto, a um
preceito bastante conhecido e amplamente praticado pelos judeus.
Pois bem, diz Jesus: os antigos
ensinaram isso – olho por olho, dente por dente. Eu, porém, vos
digo: “não tomem como modelo as pessoas más”. É assim que eu
prefiro traduzir a frase que está em Mt 5, 39. O original grego
transliterado é: “mê antistenai tô ponero”, frase que São
Jerônimo traduziu em latim como “non resistere malo” e a CNBB
traduziu como “não enfrenteis quem é malvado”. Com todo
respeito, parece-me que São Jerônimo se equivocou na tradução do
verbo grego “antistenai” e traduziu por “resistire”, que em
português seria “resistir”. Mas, pelo meu entendimento, o verbo
grego tem o sentido de “não vos compareis” com os maus, isto é,
não façais como os maus, não imitem o comportamento deles. Da
forma como está traduzido (não enfrenteis quem é maldavo) dá uma
ideia de fraqueza, de acovardamento, como se o cristão devesse ter
medo dos maus, não reagir aos maus, não enfrentar o malvado. Mas a
mim parece que, quando Cristo aconselhou “oferecer a outra face”
para quem te bate no rosto, ele quis dizer outra coisa: os maus agem
de forma agressiva, vocês, porém, não devem tomar esse
comportamento como exemplo, façam diferente deles, não por medo,
mas por convicção. Em resumo, não se equiparem aos maus, não
repitam suas ações, não se comportem como eles. Esse deve ser,
segundo penso, o significado metafórico da recomendação de Cristo
sobre “oferecer a outra face”. Se você revidar a um bofete, você
estará repetindo o mau exemplo dado por quem lhe ofendeu. Então,
não retribua a violência com violência, mas com o amor, isto é
amar sem medida, perdoar sem medida.
Esta mesma lição nós encontramos em
Paulo aos Romanos (12, 20), quando ele diz: “se teu inimigo tiver
fome, dá-lhe de comer; se tiver sede, dá-lhe de beber, assim
amontoarás brasas sobre a sua cabeça”. Fora do contexto bíblico,
Pelé ensinava aos jogadores mais jovens: quando algum adversário te
empurrar, não faça resistência, caia e ele cairá junto contigo.
Porque ele espera que você resista, então ele será surpreendido.
Em todas essas situações, o ensinamento é o mesmo, ou seja, não
tomem como exemplo o adversário, façam o oposto, faça o que ele
não espera, surpreenda-o e assim você terá uma atitude superior,
uma atitude de bem, um testemunho de ser verdadeiro seguidor do
ensinamento de Cristo.
Complementa esta lição o outro
exemplo dado por Cristo, na sequência do evangelho de Mateus (5,
43): os antigos diziam – ama teu próximo e odeia teu inimigo. Eu,
porém, vos digo: amai vossos inimigos, orai pelos que vossos
perseguidores. Meus amigos, com essa, Cristo pegou pesado e nos
colocou o maior desafio do evangelho. Amar os amigos e odiar os
inimigos é fácil, todos fazem isso. Mas se for assim, que diferença
haverá entre o cristão e o não cristão? O cristão tem que ser
diferente: amar os amigos e os inimigos, fazer o bem a quem faz o
mal. O escritor James C. Hunter, no conhecido livro “O monge e o
executivo”, faz uma interpretação interessante desse ensinamento
de Cristo. Diz ele que na frase “amar os inimigos”, o significado
do verbo “amar” é diferente da frase “amar os amigos”.
Explicando melhor, seria assim: em relação aos amigos, amar tem o
sentido de sentimento, afeto; em relação aos inimigos, amar tem um
sentido puramente comportamental, ético. Então, a frase “amar os
inimigos” quer dizer comportar-se de um modo ético mesmo com
aquelas pessoas que fizeram algum mal a você, isto é, não
exercitar a vingança, não ficar esperando uma ocasião futura para
ir à desforra. Amar os inimigos significaria, dessarte, ser ético
com todos, tratar as pessoas más da mesma forma como se deve tratar
qualquer pessoa, com ética e dignidade, mesmo que intimamente a sua
vontade seja de esganar o adversário.
Parece-me que o escritor tem certa
razão. No texto grego, o verbo que está traduzido por “amai” é
“agapate”, verbo com o mesmo radical da palavra “ágape”.
Quando eu estudei antropologia teológica, aprendi que os gregos
conheciam três significados para o verbo “amar”: 1 – amor
erótico; 2 – amor amizade; 3 – amor fraternidade. Esse terceiro
sentido se refere à convivência humana, ao modo respeitoso como as
pessoas devem tratar umas às outras, independente de quem seja.
Então, seguindo o raciocínio de J. Hunter, podemos concluir que a
ordem de amar os amigos tem o sentido 2, enquanto amar os inimigos
tem o sentido 3. Eu continuo pensando que a doutrina de Cristo não
faz essa distinção, no entanto, pode ser uma forma de atenuar o
rigor do desafio que Cristo nos deixou e, assim fazendo, quem sabe,
aos poucos chegaremos a encarar o desafio de forma completa.
Que o divino Mestre nos socorra com
engenho e arte, para conseguirmos colocar em prática os seus
ensinamentos.
Com um cordial abraço a todos.
Antonio Carlos
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