COMENTÁRIO LITÚRGICO – 8º DOMINGO
COMUM – MAIS QUE AMOR DE MÃE – 26.02.2017
Caros Leitores,
Neste oitavo domingo do tempo comum, a liturgia aborda o tema da providência divina, que é maior do que o amor da mãe para com os filhos. Ainda que uma mãe venha a desprezar o filho, Javeh não desprezará Sião, é o que diz o profeta Isaías, consolando os cativos na Babilônia. No evangelho de Mateus (Mt 6, 24-34), lemos uma frase, que me faz lembrar muito do Frei Timóteo, pois ele gostava de pronunciar nas conferências: “sufficit diei militiam suam”, isto é, basta a cada dia a sua labuta, o que subentende que não devemos nos preocupar com o dia de amanhã. Ou ainda: confiemos na providência divina.
Neste oitavo domingo do tempo comum, a liturgia aborda o tema da providência divina, que é maior do que o amor da mãe para com os filhos. Ainda que uma mãe venha a desprezar o filho, Javeh não desprezará Sião, é o que diz o profeta Isaías, consolando os cativos na Babilônia. No evangelho de Mateus (Mt 6, 24-34), lemos uma frase, que me faz lembrar muito do Frei Timóteo, pois ele gostava de pronunciar nas conferências: “sufficit diei militiam suam”, isto é, basta a cada dia a sua labuta, o que subentende que não devemos nos preocupar com o dia de amanhã. Ou ainda: confiemos na providência divina.
Na primeira leitura, o profeta Isaías
(cap 49) consola os hebreus no cativeiro da Babilônia, onde se
lamentavam, sentindo-se abandonados por Javeh. O profeta tenta
revitalizar o ânimo do povo fazendo um paralelo entre o amor divino
e o amor materno. Sabemos que não existe relação mais forte, na
vida humana, do que aquela que une a mãe e os filhos. Não dá nem
para comparar com o amor de pai. Quem já viveu essa experiência com
a própria mãe e passou a ter, depois, a experiência de ser pai
sabe que a ligação do filho com a mãe é muito mais intensa,
visceral mesmo. Então, o profeta Isaias se serve dessa experiência
humana para explicar ao povo que o amor de Deus não é só amor de
pai e também nem é só amor de mãe, é muito mais do que tudo
isso. “Acaso
pode a mulher esquecer-se do filho pequeno, a ponto de não ter pena
do fruto de seu ventre? Se ela se esquecer, eu, porém, não me
esquecerei de ti.”
(Is 49, 15) Ainda que, por mais absurdo que isso possa parecer,
aconteça de uma mãe renegar um filho e esquecê-lo, mesmo assim
Javeh não esquecerá o seu povo. Cativos e maldizentes, os judeus
amargavam o castigo da sua falta de fidelidade a Javeh. Mas o castigo
não significa diminuição do amor, assim como quando a mãe ou pai
castigam o filho (castigavam, no tempo em que não isso era
proibido!) não implicava que eles deixassem de amá-lo.
Na carta aos Coríntios, o apóstolo
Paulo aborda o tema da providência divina também sob o viés da
fidelidade. Paulo estava sendo perseguido por causa do evangelho que
pregava e temia receber alguma punição, por causa de denúncias dos
inimigos. Então, diz ele, eu não tenho medo de ser julgado por
nenhum tribunal humano. Primeiro, porque a sua consciência não o
acusava de nada. Segundo, porque na qualidade de administrador da fé
cristã, como pregador e missionário que era, ele confiava no
julgamento divino apenas. Certamente, alguns amigos dele viviam
alertando-o sobre possíveis ameaças. Paulo pregava nas reuniões
secretas dos cristãos primitivos, naquele tempo em que o
cristianismo era perseguido e considerado inimigo do império romano.
Paulo viveu na época do imperador Nero, aquele que mandou incendiar
Roma e depois colocou a culpa nos cristãos. Ou seja, Paulo vivia em
constante perigo e tinha consciência disso. Para ele, o amanhã era
sempre uma incógnita, mas isso não o intimidava na sua tarefa de
pregar o evangelho. Então, ele confiava totalmente na divina
providência. “É
verdade que a minha consciência não
me acusa de nada. Mas
não é por isso que eu posso ser considerado justo. Quem me julga é
o Senhor. ” (1Cor
4, 4) Paulo servia a Deus na fidelidade do seu coração e confiava
que somente Ele poderia julgar suas ações. “Deus é fiel” (1Cor
1,18) é um mote paulino muito citado, sobretudo pelos crentes das
igrejas não católicas, reproduzindo essa verdade proclamada pelo
apóstolo Paulo e que se tornou tão popular, até tornar-se adesivo
posto nos veículos e ainda nome usado como título de empresa
comercial.
Nesse contexto da comparação da
providência divina com o amor da mãe para os filhos, a liturgia nos
traz, na leitura do evangelho de Mateus (6, 24-34), o conhecido
trecho da advertência de Cristo de que “ninguém pode servir a
dois senhores”. “Vós não podeis servir a Deus e ao dinheiro”
(Mt 6, 24). A palavra “dinheiro” empregada nessa frase não é
bem a tradução do termo original, é um arranjo literário. A
palavra usada por Cristo é o termo aramaico “mamona”, que no
texto grego não foi traduzido e nem na vulgata latina, mantendo-se o
vocábulo original. Segundo os biblistas, o texto original do
evangelho de Mateus seria em aramaico, o que explicaria a utilização
dessa palavra, não modificada na tradução para o grego. São
Jerônimo fez tal qual o autor grego, ou seja, não traduziu, apenas
transliterou a palavra “mammona” em latim: “Non potestis Deo
servire et mammonae”. Provavelmente, os Colegas se lembram que,
antigamente, se lia assim essa frase: não podeis servir a Deus e à
mamona, o que ficava sem sentido em português, daí porque a CNBB
optou em traduzir por “dinheiro”. De acordo com o significado
original da palavra “mamona” no aramaico, esse termo se refere
não propriamente à moeda, ao dinheiro, mas tem alcance bem mais
amplo, referindo-se à ambição humana em geral pelas coisas
materiais e também pelo poder e prestígio sociais. A glória
humana, a fama, a ambição, o poder político e econômico, a
avareza, o desejo incontrolado de possuir sempre mais, tudo isso está
contido no conceito de “mamona”. No sermão de hoje, o celebrante
fez alusão à fome, que mata inocentes em diversos países
africanos, resultado do excesso da ambição de grupos tribais,
subsidiados por interesses internacionais conflitantes, que colocam a
população em grave risco. Esse desejo humano de poder desmedido
chega a ser tão dilacerante que toma o lugar que deveria ser ocupado
por Deus na vida da pessoa. Por isso, Cristo adverte para não nos
deixarmos inebriar pelas “mamonas” da vida.
E então, Ele parte para exemplificar,
de modo a deixar bem clara a sua ideia. Primeiro, diz: não vos
preocupeis com o que ireis comer amanhã, ou beber, ou vestir. São
Francisco interpretou esse frase ao extremo, quando escreveu na Regra
franciscana “que os frades não recebam dinheiro ou pecúnia”,
nem deviam ter duas túnicas, nem duas sandálias... portanto, deixem
de lado a “mamona”. Antigamente como hoje, ter dinheiro
significava ter poder material, quanto mais dinheiro, maior poder, e
isso não combina com o ensinamento de Cristo. Dentro do modo de
pensar capitalista, fica parecendo que Cristo está mandando esbanjar
tudo o que se possui, porque amanhã Deus proverá mais. Não é bem
assim. Por isso, não podemos fazer interpretações literais
fundamentalistas, mas devemos compreender de forma adequada o que
Cristo ensinou. Não é a posse simples de bens materiais que
acarreta o sentido da “mamona”, mas o apego exagerado a esses
bens, de modo a tirar a tranquilidade do possuidor. Se os bens
possuídos por alguém forem de origem ilícita, então nem se duvida
da sua desconformidade com a mensagem cristã, ainda que esses bens
sejam utilizados para fins caritativos. Porém, se os bens possuídos
são frutos de trabalho honesto e administrados com responsabilidade,
eles só se tornarão “mamona” quando o seu possuidor der a eles
maior valor do que dá ao próximo, de modo a recusar-se a ajudar
quem necessita ou passar a utilizá-los unicamente para o próprio
deleite, conforto e bem-estar. Relacionando com o amor de mãe,
sabemos que ela será sempre capaz de desfazer-se de tudo que possui,
se isso for necessário para prover a situação dos filhos. Do mesmo
modo age a providência divina.
Descendo a detalhes em exemplos, Cristo
faz uso novamente da sua magistral pedagogia para ensinar aquele
grupo de pessoas pouco instruídas: vocês estão preocupados com a
comida de amanhã? Pois olhem para os pássaros, que não semeiam nem
ceifam, no entanto, o alimento nunca lhes falta. Estão preocupados
com o que vão vestir? Pois olhem para os lírios que vestem roupas
tão finas, que nenhum rei jamais vestiu. O Pai, que proporciona isso
a eles, muito mais concederá a vocês. Essas preocupações são
típicas dos pagãos. “Os
pagãos é que procuram essas coisas. Vosso Pai, que está nos céus,
sabe que precisais de tudo isso.
” (Mt 6, 32) E então Ele faz o arremate conclusivo dessa preciosa
lição: “buscai
em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça, e todas estas
coisas vos serão dadas por acréscimo.
” (Mt 6, 33). O Reino de Deus é o oposto da “mamona”. Quem
escolhe o Reino deve ter este Reino no coração e, por isso, não
pode prestar culto à “mamona”. Quem está com a “mamona” no
coração, não pode ter o Reino de Deus, porque são duas realidades
incompatíveis. Quem tem a “mamona” no coração, não confia na
providência e por isso precisa cuidar de tudo por si só e mesmo
assim não conseguirá o seu intento. Quem acolhe no coração o
Reino de Deus, terá como recompensa o recebimento de tudo do que
necessita, sem ter de correr atrás. Se a mãe se desdobra sempre
para amparar o filho, o Pai do céu faz isso muito melhor.
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