COMENTÁRIO LITÚRGICO – DOMINGO DE
PENTECOSTES – 04.06.2017 – SETE SEMANAS
Caros Leitores,
Celebramos, no domingo de Pentecostes,
uma festa que, no tempo de Cristo, era já celebrada pelos judeus,
comemorando o recebimento da Lei (Torá), dada por Javé a Moisés. A
“festa das semanas” (shavuot) dos judeus, assim chamada porque
acontecia sete semanas após a Páscoa, foi traduzida para o grego
com o nome de Pentecostes. A comunidade cristã primitiva associou
essa festa com a vinda do Paráclito, que confirmou as promessas de
Cristo aos apóstolos, e isso marca o início oficial da comunidade
eclesial, formada pelas pessoas de boa vontade, que acreditam em
Jesus e se responsabilizam por levar adiante os seus ensinamentos. A
celebração de Pentecostes marca assim o evento inaugural oficial da
Igreja de Cristo. Aproveitando a presença de muitos peregrinos em
Jerusalém, para essa festa tradicional, Pedro fez aquela memorável,
narrada por Lucas nos Atos dos Apóstolos (2, 2), em que a ação
miraculosa do Espírito se manifestou, através do dom das línguas.
Pedro, que era um pescador semianalfabeto, proferiu uma espécie de
aula magna para numerosos ouvintes representando os povos de diversas
nações, que se encontravam em Jerusalém, e eles ouviram aquela
pregação, cada um, no seu próprio idioma, funcionando a eloquência
do Espírito como um tradutor instantâneo. O escritor de Atos, o
evangelista Lucas, com o detalhismo que lhe é peculiar, teve o
cuidado de enumerar as nacionalidades dos presentes, conforme consta
em Atos 2,9: “partos,
medos e elamitas, habitantes da Mesopotâmia, da Judeia e da
Capadócia, do Ponto e da Ásia,da Frígia e da Panfília, do Egito e
da parte da Líbia próxima de Cirene, também romanos que aqui
residem; judeus
e prosélitos, cretenses e árabes”,
em resumo, habitantes de todos as nações que tinham algum contato
com os romanos, que na época eram quase todas as regiões
conhecidas. Excetuando o extremo oriente (China, Índia, Japão,
Mongólia, que eram conhecidas mas não negociavam com os romanos) e
as américas (que não eram ainda conhecidas), Lucas faz questão de
declarar que todas as nações do mundo estavam presentes naquela
ocasião e ouviram a pregação de Pedro.
A vinda do Espírito cumpriu a
principal promessa de Jesus, quando enviou os discípulos a pregarem
pelo mundo o seu evangelho, qual seja: estarei convosco até o fim do
mundo. Desse modo, embora a liturgia celebre a festa de Pentecostes
apenas em um domingo do ano, devemos estar cientes de que a vinda do
Espírito não foi um fenômeno que aconteceu naquele dia, mas que
continua a ocorrer todos os dias, em todas as comunidades cristãs,
falando coletivamente, e em cada cristão, falando subjetivamente.
Pelo sacramento da crisma, cada cristão celebra o seu Pentecostes
particular, recebendo o Espírito já não mais em forma de língua
de fogo, mas nem por isso de um modo menos abrasador. Pelo batismo,
nós ingressamos na comunidade dos cristãos, mas é pela crisma que
nos habilitamos verdadeiramente para o exercício do envio à missão,
da mesma forma como aconteceu com os apóstolos, naquele dia de
Pentecostes. São Paulo, na epístola aos Coríntios (1Cor 12, 4) diz
que há diversidade de dons, mas um mesmo é o Espírito. Então, a
missão de cada um dentro da Igreja pode ser diferente, mas nos anima
e nos une o mesmo Espírito. Os cristãos ordenados, os clérigos,
têm a missão de testemunhar Cristo e de anunciá-lo a todos,
pregando a palavra e presidindo os trabalhos, seguindo na frente
(esse é o sentido original do verbo latino praesum=presidir=ir na
frente). Os cristãos não ordenados, os leigos, têm a missão de
testemunhar Cristo e anunciá-lo a todos com o seu exemplo, com as
suas obras e atitudes.
Ainda na carta a Coríntios acima
citada (1Cor 12,12), Paulo explica e exemplifica essa diversidade de
dons, de carismas, de tarefas, através do pedagógico exemplo do
corpo: “Como
o corpo é um, embora tenha muitos membros, e como todos os membros
do corpo, embora sejam muitos, formam um só corpo, assim também
acontece com Cristo.”
É a conhecida doutrina teológica do “corpo místico de Cristo”,
da qual já ouvimos falar tantas vezes, mas é sempre necessário
recordá-la, para que nos conscientizemos da função que cada um de
nós deve assumir nesse contexto. Não é necessário fazer nenhum
esforço extremo, basta deixar agir o Espírito que está em cada um
de nós, basta ouvir a voz da nossa consciência, que nos transmite a
mensagem vinda do Espírito. Todos sabemos que o exemplo vale mais do
que as palavras. Então, o nosso maior testemunho será viver o dia a
dia como autênticos cristãos. Há certas pessoas, sobretudo entre
algumas denominações cristãs não católicas, que interpretam de
forma literal o mandato de Cristo (ide e pregai a todas as criaturas)
e nós os vemos, às vezes, em praças e locais públicos com a
Bíblia na mão e um equipamento de amplificação de som a fazerem
pregações, que em vez de atrairem as pessoas, causam o efeito
oposto nelas. Houve um desses pregadores que chegava numa praça de
Fortaleza todos os domingos bem cedo da manhã e começava a sua
leitura e pregação ali sozinho, sem ninguém a ouvi-lo, num momento
em que a praça estava vazia. O seu discurso, ainda que bem
intencionado, incomodava os moradores das residências próximas, os
quais chamaram a polícia acusando-o de perturbar o silêncio. Ou
seja, as suas palavras tiveram nenhum resultado. Por isso, repito que
mais do que falar, discursar ou discutir religião com as pessoas, o
nosso maior testemunho será com o bom exemplo silencioso, coerente,
convicto, esse produz muito mais efeito do que palavras bíblicas ao
vento, levadas por aparelhos sonoros.
A festa de Pentecostes deve ser também
a festa da unidade dos cristãos ou, mais do que isso, a unidade de
todos os povos. Foi o grande desafio lançado por Cristo aos
apóstolos: ide e pregai a todos os povos, para que se tornem um só
rebanho. Esta profecia de Cristo continua sendo o maior desafio a ser
enfrentado e vencido por todos os lideres religiosos, principalmente
aqueles que comandam as religiões monoteistas. Há algumas semanas,
o Papa encontrou-se com os líderes do judaísmo e do islamismo e os
conclamou, mais uma vez, para, juntos, realizarem ações
direcionadas para a união dos seus liderados. Ontem, na vigília de
Pentecostes, o Papa presidiu uma solenidade no Circus Máximus, em
Roma (aquele local onde, no passado, se realizavam as famosas
corridas de bigas) e, perante dezenas de milhares de pessoas, rezou
por uma “diversidade reconciliada” entre os cristãos, que devem
trabalhar em favor da “unidade para a missão”. O Papa pediu que
os cristãos vivam “unidos pelo Espírito Santo” na oração e na
ajuda “aos mais pobres”, “todos, todos, todos”, ou seja, sem
distinção de rótulos ou designações de grupos religiosos.
Lamentavelmente, nem todos os cristãos (católicos e não católicos)
conseguem compreender a importância desse apelo e, até dentro da
própria Cúria Romana, há radicais que menosprezam esses esforços
do Papa. O mesmo se pode dizer de alguns grupos autodenominados
carismáticos, dentro da Igreja Católica, que se consideram, muitas
vezes, mais autênticos do que o próprio Papa. Este lembrou ainda os
cristãos que, em diversos países do mundo (sobretudo nos países
islâmicos), são perseguidos e assassinados somente pelo fato de
serem cristãos, comparando-os aos mártires de outrora.
Meus amigos, nesta festa de
Pentecostes, devemos pedir ao Espírito que ilumine e fortaleça o
Papa, nessa sua busca tenaz e obstinada por construir uma nova
Igreja. O Papa Francisco está seriamente imbuído do mesmo espírito
do Seráfico Patriarca de Assis, na tentativa de reconstruir a
Igreja, mantendo-se fiel a ela. É do que nós cristãos mais
precisamos, nesses tempos conturbados e temerários. O Papa está
empenhado em conduzir de volta a Igreja de Cristo para o seu
verdadeiro objetivo, que é transformar todos povos no único rebanho
de Cristo, contudo algumas pessoas que ocupam elevados cargos na
hierarquia estão mais preocupados com as tradições e com os
protocolos, estão mais receosos de perderem seus gordos salários e
seus exclusivos privilégios, por isso não querem que o Papa mexa em
nada, deixe tudo como está e apenas se mantenha seguindo a
burocracia, de olho no Direito Canônico e se autoproclamando como
único dono da verdade. Que o Espírito ilumine esses corações
empedernidos.
Para mim, não resta dúvida de que o
Papa está visivelmente sendo conduzido pelo Espírito Santo, nessa
sua tarefa de redesenhar a identidade da Igreja Católica e é
realmente dele, mais do que de todos os outros Bispos e Sacerdotes, a
responsabilidade por bem conduzir essa missão. Ninguém atualmente
duvida que o Papa tem um grande carisma e é isso que o move. Apenas
para lembrar que kharisma, em grego, é um substantivo derivado do
verbo khairôw, que significa estar alegre, ter motivo de alegria;
kharisma é, portanto, obséquio, dom, marca de felicidade. Penso que
a palavra carisma, no seu significado original, traduz perfeitamente
a personalidade do Papa e o credencia para a realização dessa árdua
e difícil tarefa a que ele se propôs. Com toda certeza, ele não
está sozinho nessa empreitada, mas o Espírito está com ele e as
orações de todos nós, verdadeiros cristãos, são essenciais para
o bom êxito das suas ações.
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