COMENTÁRIO LITÚRGICO – 19º DOMINGO
COMUM – FIRMEZA NA FÉ – 13.08.2017
Caros Leitores,
A liturgia deste 19º domingo comum nos
exorta a sermos firmes na nossa postura de fé. Esta não pode
padecer nem do apego à tradição, de um lado, nem da fragilidade da
incerteza, de outro. A primeira figura está no desabafo de Paulo, na
carta aos Romanos, onde ele lamenta pela atitude rígida dos judeus,
os legítimos herdeiros da promessa, que não reconheceram o Filho de
Deus. A segunda figura está na fraqueza de Pedro diante do perigo,
duvidando de si próprio e sucumbindo na sua vacilação. São duas
situações para as quais precisamos estar atentos, porque facilmente
podem nos iludir. A nossa fé não pode ficar estagnada nem ameaçada
por dúvidas, mas deve estar num constante processo de crescimento e
amadurecimento, superando todas as ameaças que a afligem.
Na primeira leitura, retirada do livro
dos Reis (1Rs 19, 9-13), o autor sagrado nos ensina a reconhecer Deus
nos acontecimentos, mostrando o exemplo do profeta Isaías. Ele subiu
o monte Horeb, a fim de ter um encontro com Javeh, e pernoitava numa
caverna, quando recebeu o aviso: espera lá fora, que o Senhor vai
passar. Então, o profeta viu chegar um grande vendaval, mas não se
abalou porque não viu o Senhor naquele vento; depois, veio um
terremoto medonho, mas também ele não se impressionou, porque não
viu o Senhor no terremoto; depois, viu um fogo devastando as árvores,
mas o Senhor também não estava no fogo; por fim, veio uma leve
brisa, então, ele saiu para esperar a chegada de Javeh. O que
devemos entender com isso? Que a ação de Deus acontece de forma
suave, natural, sem alarde, mansamente. Deus não precisa fazer
grande barulho para mostrar-se a nós, Ele não necessita de ser
anunciado com toque de tambores ou som de cornetas, como faziam as
autoridades dos tempo antigos, a fim de serem notados pela população.
Deus age na nossa vida de forma quase imperceptível, nós só
precisamos estar atentos e saber perceber a sua presença na mais
simples rotina, na mais costumeira tarefa. Isso me faz lembrar as
atitudes espalhafatosas de alguns pregadores, sobretudo aqueles que
aparecem nas igrejas eletrônicas, cujos canais enchem a lista das
transmissões na TV, caprichando nas mímicas e nos trejeitos,
utilizando-se até de encenações pagas (isso já foi comprovado),
com o intuito de auferir maior credibilidade. A lição do Profeta
está ali: Deus não está nesses eventos teatralizados, nesses
terremotos psicológicos, nos anúncios fantasiosos. Deus está
presente na simplicidade, na leveza do contato, na naturalidade do
encontro pessoal. Quão proveitoso seria se todos os que buscam a
Deus aprendessem a lição ensinada pelo profeta Isaías nessa
leitura. Rapidamente, os ilusionistas da religião seriam
desmascarados e os verdadeiros pregadores da Palavra seriam
identificados.
A segunda leitura, dando continuidade à
carta aos Romanos (Rm 9, 1-5), traz a queixa e o desabafo de Paulo em
relação aos seus “irmãos de raça”, os judeus e mais ainda os
fariseus, aquele grupo de judeus mais radicais e apegados às
filigranas do texto da lei do que ao seu espírito de sabedoria. Diz
ele: “Tenho
no coração uma grande tristeza e uma dor contínua, a ponto de
desejar ser eu mesmo segregado por Cristo em favor de meus irmãos,
os de minha raça.”
Paulo oferece a sua própria vida pela conversão dos judeus, para
libertá-los daquele fechamento mental, que os impede de reconhecerem
a verdade da Palavra de Deus humanizada em Jesus Cristo. “ A
eles pertencem a filiação adotiva, a glória, as alianças, as
leis, o culto, as promessas e também os patriarcas,”
ou seja, eles são os chamados em primeiro lugar, os que deveriam
estar na frente da fila, eles é que deveriam estar no trabalho de
conversão dos gentios, no entanto, ao contrário, os gentios estão
servindo de exemplo para eles, pela sua adesão à fé em Cristo, que
eles renegam. E Paulo lamenta porque é um deles, foi educado como
eles, sabe o que eles pensam, sabe o que eles esperam. Paulo pensava
como eles e despertou para uma nova visão, daí a profunda dor que o
Apóstolo sente pelo fato de seus irmãos de raça não serem também
irmãos na fé cristã. O extremismo da sua compreensão das
escrituras impede que eles aceitem o evangelho. Eles são tão
aferrados à sua tradição, tão cuidadosos cumpridores de suas
obrigações religiosas, no entanto, fecham-se num casulo
intransponível, criado por eles próprios, e ficam impossibilitados
de ver os novos rumos para onde a religião caminha.
Meus amigos, esta fé enclausurada em
si própria, nos dias de hoje, é muito mais frequente do que se
possa imaginar. Diversos grupos se apegam ao tradicionalismo
religioso e rejeitam sumariamente qualquer nova abordagem da fé. O
medo da heresia, mais ainda, o medo de uma possível infidelidade e
de um castigo por causa isso levam muitos católicos a refugiarem-se
nas velhas práticas e nas antigas doutrinas, criando uma clausura
mental de pseudo segurança, tal como os judeus ainda hoje fazem, em
relação ao segundo mandamento. O receio de chamar o nome de Deus em
vão é tão grave e patológico que, no lugar da palavra Javeh eles
pronunciam Elohim, Adonai, o Eterno, o Nome, mas não dizem Javeh,
por causa da eventualidade de transgressão do segundo mandamento.
Não devemos assimilar tal atitude. O nosso Deus é Amor, sua
benevolência e compaixão são ilimitadas, não devemos criar
obstáculos onde eles não existem. Lamentavelmente, existem em nossa
Igreja clérigos e leigos submissos a essa idéia anacrônica de um
Deus terrível, ameaçador, com o chicote permanentemente na mão
pronto para castigar o fiel a qualquer deslize. No meu modo de
entender, esses comportamentos podem ser identificados com a
estreiteza religiosa dos antigos fariseus, que transformaram a lei de
Moisés num conjunto de torturas físicas e mentais, que lhes
obstruía o entendimento e a sensibilidade. Basta uma leitura mais
atenta dos evangelhos para percebermos que não foi isso que Cristo
ensinou.
No evangelho de Mateus (14, 22-33),
vemos na imagem de Pedro a atitude oposta da fé petrificada em
rígidos preceitos, isto é, a fé vacilante. Ao menor desafio,
diante do menor obstáculo alguns cristãos sucumbem vítimas de suas
próprias dúvidas. Se prestarmos atenção, podemos descobrir na
nossa própria vida situações em que agimos iguais a Pedro,
vencidos pela insegurança e a incerteza daquilo em que cremos.
Quando Jesus se identificou para os discípulos, andando sobre as
águas em direção ao barco como se estivesse em terra firme, Pedro,
na sua costumeira impetuosidade, disse logo: também quero fazer
isso. E Jesus disse: vem. Mas logo o vento forte se agitou contra o
corpo dele e ele duvidou de si próprio. Sim, ele não duvidou de
Jesus que lhe havia dito: vem! Ele duvidou da sua própria capacidade
de realizar aquela tarefa extraordinária, que era pisar na água sem
afundar. Era a sua fé que o mantinha flutuando. Quando ele pensou
mais nos seus defeitos do que na força que Cristo havia lhe dado,
então começou a afundar. Não foi a falta de fé em Cristo que se
abateu sobre Pedro, mas ele duvidou de si mesmo, ele pensou que não
seria capaz de fazer algo tão difícil, mesmo tendo recebido a ordem
de Cristo: vem!
Meus amigos, esse comportamento de
Pedro nos toca muito de perto, porque é muito possível que nós
venhamos a padecer dessa mesma fraqueza, nos momentos em que somos
desafiados. A fé cristã exige de nós certos compromissos que, às
vezes, nós temos dúvida se poderemos levá-los adiante. O maior
deles, talvez, seja o nosso compromisso de ser sal da terra e luz do
mundo, isto é, de sermos exemplos para as outras pessoas. Não se
acende uma luz para pô-la dentro do armário, nem se toma o sal para
jogá-lo fora. Penso que nenhum de nós discorda disso e cada um se
diz disposto a colocar em prática. Porém, quando somos desafiados
numa situação concreta, muitas vezes agimos em desacordo com esse
compromisso. Se eu critico os políticos corruptos (o que é muito
comum, tanto uma coisa quanto outra, ou seja, a crítica e a
corrupção), porém, eu cometo pequenos desvios de conduta social
(por exemplo, avançar um sinal de trânsito, jogar papel no chão,
deixar de pagar um tributo, tirar vantagem de uma situação em
detrimento de alguém), fatos considerados banais para algumas
pessoas, então eu estou fazendo igualmente a Pedro, isto é, estou
fraquejando na minha fé, estou sendo incoerente na minha crítica
aos que agem desonestamente. A nossa fé deve se manifestar não
somente quando vamos à missa, quando rezamos o terço, quando
pagamos o dízimo, quando ensinamos a reza aos nossos filhos, isso
tudo é muito importante, sem dúvida. Contudo, mesmo nas ações
mais corriqueiras do dia a dia, somos constantemente desafiados para
darmos o exemplo da nossa fé e, nessas ocasiões, não podemos agir
deste ou daquele modo justificando que “todo mundo faz assim”,
porque o nosso compromisso de cristão é ser luz, e não sombra. Não
é raro ouvirmos comentário do tipo: “fulano vive na igreja, no
entanto, quando sai de lá...” Precisamos vigiar sempre, para não
sucumbirmos a tal incoerência.
Deus quer de nós fidelidade sempre,
não apenas no comparecimento da missa aos domingos e na participação
dos sacramentos, não apenas em determinadas horas do dia ou em
determinados dias da semana, mas a cada minuto de vida que Ele nos
dá. Que o mergulho de Pedro nos sirva de alerta para nos mantermos
firmes na nossa caminhada acima das águas turbulentas da sociedade.
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