COMENTÁRIO LITÚRGICO – 18º DOMINGO
COMUM – A TRANSFIGURAÇÃO – 06.08.2017
Caros Leitores,
Neste 18º domingo comum, a liturgia celebra a solenidade da transfiguração de Cristo, extraordinário fenômeno ocorrido perante três dos seus apóstolos. A realeza de Cristo já estava predita no livro de Daniel (cap 7), onde ele narra visões e sonhos que lhe vieram à cabeça e ele precisou que um anjo lhe explicasse, porque ele não conseguia entender. Nessas visões, o profeta adota um conceito que, depois, foi assumido por Cristo: o filho do homem. E o apóstolo Pedro, na sua segunda carta, corrobora a narração de Mateus, dando testemunho do que ele presenciou naquela noite em que Jesus lhe mostrou a sua face gloriosa.
Neste 18º domingo comum, a liturgia celebra a solenidade da transfiguração de Cristo, extraordinário fenômeno ocorrido perante três dos seus apóstolos. A realeza de Cristo já estava predita no livro de Daniel (cap 7), onde ele narra visões e sonhos que lhe vieram à cabeça e ele precisou que um anjo lhe explicasse, porque ele não conseguia entender. Nessas visões, o profeta adota um conceito que, depois, foi assumido por Cristo: o filho do homem. E o apóstolo Pedro, na sua segunda carta, corrobora a narração de Mateus, dando testemunho do que ele presenciou naquela noite em que Jesus lhe mostrou a sua face gloriosa.
Na primeira leitura, o profeta Daniel
(7, 9-14) descreve uma visão ou sonho fortemente enigmático, no
qual viu animais monstruosos em situações completamente fora do
contexto normal. Quatro animais gigantescos e exóticos saíram do
mar (um leão, um urso, um leopardo e outro sem nome, que possuía
dentes de ferro), figuras que os intérpretes atribuem aos grandes
reinos que surgiram do ‘grande mar’ (o Mediterrâneo), inclusive
o império romano, que seria a quarta fera inominada, E por fim,
surgiu um Ancião de muitos dias (aqui começa o trecho da leitura de
hoje) e dele aproximou-se um “filho de homem”, a quem foram dados
o poder, a glória, a realeza, e todas as nações da terra serviram
a ele. Interessante observar que Jesus Cristo, em diversas ocasiões,
referiu-se a ele mesmo como “filho do homem”, numa explícita
referência à figura criada pelo profeta Daniel. Esse reino, que lhe
foi dado, completa o profeta, nunca se dissolverá. Nessa enigmática
metáfora, reforçada com a utilização do conceito por Cristo, os
exegetas interpretam o personagem “filho do homem”, da profecia
de Daniel, como a prefiguração de Cristo, que trouxe ao mundo a
mensagem do reino de Deus, que deveria alcançar todos os povos e
seria triunfante no final dos tempos. Essa leitura se encaixa de modo
pleno no fenômeno da transfiguração de Cristo, pela qual Jesus se
mostrou luminoso e glorioso para os três apóstolos, e a sua
autenticidade foi confirmada pela “voz” que se fez ouvir na
ocasião, que bem pode ser atribuída ao “Ancião de muitos dias”,
usando a mesma simbologia do profeta Daniel. No final deste capítulo
7, num trecho não incluído na leitura de hoje, o profeta Daniel
confessa o quanto aquele “sonho” o deixou perturbado, mesmo
depois de ter recebido as explicações do anjo. E declara: “ Aqui
terminou o assunto. Quanto a mim, Daniel, os meus pensamentos muito
me perturbaram, e mudou-se em mim o meu semblante; mas guardei o
assunto no meu coração.” (Dn 7, 28) Deveras forte e impactante a
palavra do Profeta que, segundo ele mesmo informa, escreveu isso logo
após o término da visão, para que não esquecesse dos detalhes. É
muito instrutiva a leitura inteira do cap 7 de Daniel, o que
recomendo.
Na segunda leitura, lemos um trecho da
segunda carta de Pedro, onde ele presta um eloquente testemunho
acerca do que presenciou, juntamente aos outros dois apóstolos, do
fato de extraordinária confiança com que Jesus os distinguiu. Por
isso, ele diz que a sua pregação não está embasada em fábulas ou
narrativas inventadas, mas no fato de que ele mesmo presenciou a
demonstração inquestionável da divindade de Cristo. Diz ele:
“Efetivamente, ele recebeu honra e glória da parte de Deus Pai,
quando do seio da esplêndida glória se fez ouvir aquela voz que
dizia: ‘Este é o meu Filho bem-amado, no qual ponho o meu
bem-querer’. Esta voz, nós a ouvimos, vinda do céu, quando
estávamos com ele no monte santo.” (2Pd 1, 17) De acordo com a
narração de Mateus, Jesus os proibiu de falar sobre o que tinham
visto, até que ele ressuscitasse dos mortos. As epístolas de Pedro,
diferentemente daquelas de Paulo, foram destinadas a comunidades de
judeus convertidos e o objetivo de Pedro é exatamente convencer os
judeus, que ainda relutavam em reconhecer a messianidade de Cristo,
de que ele (Pedro) podia afirmar isso com plena certeza. A “voz”
que veio da nuvem e testemunhada por Pedro é a mesma que também
partiu da nuvem na ocasião em que Jesus recebeu o batismo da
penitência, ministrado por João Batista, no Jordão, evento narrado
por todos os evangelistas e que se constitui em um dos cinco
principais fatos atestadores da divindade de Cristo (batismo,
transfiguração, crucificação, ressurreição e ascensão).
Na leitura do evangelho de Mateus (17,
1-9), temos uma das narrações da transfiguração de Jesus diante
de Pedro, Tiago e João, sendo esta a leitura selecionada pela
liturgia de hoje. Primeiramente, podemos refletir sobre a escolha
desses três, isto é, por que Jesus não se transfigurou diante de
todos os apóstolos? Certamente, eram esses três os que tinham sua
maior confiança. Pedro já estava escolhido para ser o líder do
grupo e Jesus o preparava para essa missão. João era o discípulo
mais jovem, aquele em que Jesus depositava total confiança. Quanto a
Tiago, havia dois discípulos com esse nome. O evangelista Mateus diz
que quem estava no trio era o Tiago (maior) filho de Zebedeu, irmão
de João, porém os outros dois evangelhos sinóticos (Marcos 9, 2 e
Lucas 9, 28) não afirmam se era este mesmo ou o outro Tiago (menor)
filho de Alfeu. Este último é considerado, por algumas tradições,
como irmão de Jesus, deixando assim uma dúvida sobre a identidade
do terceiro discípulo a presenciar aquele extraordinário fenômeno.
Se levarmos em consideração o grau de parentesco, podemos supor que
o Tiago referido na narração da transfiguração seja o outro, o
irmão de Jesus, não o irmão de João, como diz Mateus. Eu,
particularmente, defendo esse entendimento.
A propósito desse conceito de “irmão
do Senhor”, importa destacar aqui nesse contexto o significado de
“irmão” nas culturas antigas. Com efeito, a palavra grega
“adelphos”, que se traduz geralmente por irmão, não quer dizer
apenas “irmão de sangue”, como habitualmente se entende, mas
também significava primo, meio-irmão, irmão de criação, ou seja,
um parentesco bastante próximo, não necessariamente irmão
consanguíneo. Prefiro acreditar que o Tiago do trio, que presenciou
a configuração, poderia ser este Tiago Adelphos, o menor, e não o
filho de Zebedeu, irmão de João. Isso entra em choque com o texto
de Mateus, mas os motivos que acima destaquei me levam a sustentar a
segunda hipótese, com todo o respeito. Trata-se de uma questão,
como já mencionei em outras oportunidades, de que não se deve
interpretar o texto bíblico de forma puramente literal, mas buscando
elementos circunstanciais que auxiliem a uma compreensão mais ampla.
Devemos considerar que, durante séculos, esses textos passaram pelas
mãos de vários copistas e não se descarta a eventual possibilidade
de ter havido pequenas alterações ou adaptações do texto
primitivo.
Um outro ponto a se destacar no texto
da narração da transfiguração é a metamorfose de Jesus ante a
presença de dois personagens da tradição hebraica: Moisés e
Elias. Eles representam, respectivamente, a Lei e os Profetas. Diz o
narrador que a face de Jesus ficou resplendente igual ao sol e as
suas roupas brancas tanto quanto a neve. Eu achei interessante essa
comparação da roupa de Jesus com a neve, porque as pessoas da
região da Palestina, onde os apóstolos viviam não têm
familiaridade com a neve, sendo essa uma experiência mais comum na
Europa. Pois bem, no texto original em grego, está escrito que as
roupas de Jesus ficaram “leuka ôs tô phôs” e S. Jerônimo
traduziu em latim como sendo “alba sicut nix”. Bem, phôs em
grego significa luz (phôs, photos). Então, conclui-se que S.
Jerônimo utilizou uma metáfora europeia para traduzir o original
grego. Em lugar de “brancas como a neve” ficaria melhor “brancas
como a luz”, assim faz mais sentido para a experiência do povo da
Palestina.
Nesta narração, Jesus quis provar aos
seus discípulos duas verdades que ele vinha pregando há muito
tempo: primeiro, a sua origem divina; segundo, que os seus
ensinamentos não são contrários à lei mosaica, como muitas vezes
os fariseus o acusavam, mas ao contrário, ao se apresentar ao lado
de Moisés e de Elias, dialogando com eles, queria significar que
havia pleno entendimento entre os respectivos ensinamentos. Os
discípulos eram judeus e, certamente, também podiam ter ainda
dúvidas dessas duas verdades. Afinal, o judaísmo farisaico
interpretava a lei de uma forma tão específica e exclusiva que, à
primeira vista, dava a impressão que o ensinamento de Jesus se
colocava contra a sua tradição. Com aquela visão futurista, Jesus
dava provas de que a sua doutrina era mesmo a continuidade daquilo
que a tradição guardava como ensinamentos de Moisés e dos
Profetas.
Para nós, a imagem do Cristo
transfigurado é um constante e eloquente apelo a fim de que tenhamos
sempre na mente o nosso destino glorioso, cuja antecipação Ele
demonstrou naquele memorável cenário. Nossa missão é fazer com
que Cristo se apresente através de nós, transfigurando-nos.
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