COMENTÁRIO LITÚRGICO – 23º DOMINGO
COMUM – CORREÇÃO FRATERNA – 10.09.2017
Caros Leitores,
Neste 23º domingo comum, as leituras
litúrgicas nos lembram o dever do cristão de chamar a atenção
daqueles irmãos que, de algum modo, caíram em falta com a caridade
ou se desviaram da fidelidade aos mandamentos divinos. No nosso tempo
do Noviciado, exercitávamos diariamente a prática da correção
fraterna e o “corrigido” ainda tinha que dizer “seja pelo amor
de Deus a sua santa caridade.” Esse dever decorre da
responsabilidade que cada um de nós tem de reconduzir de volta ao
caminho a ovelha desgarrada. Os nossos co-irmãos não católicos
assumem isso como uma obrigação rotineira. Se um membro de uma
congregação evangélica não comparece ao culto, no dia seguinte,
alguém vai à casa do faltante a indagar-lhe os motivos da sua
ausência. Entre os católicos, essa tradição não se manteve, mas
Jesus Cristo recomenda isso expressamente no evangelho deste domingo.
Na primeira leitura, retirada do livro
do profeta Ezequiel (33, 7-9), o Senhor adverte o fiel sobre a sua
obrigação de mostrar ao ímpio a sua impiedade e de chamá-lo ao
caminho da retidão, sob pena de que, não o repreendendo e vindo ele
a morrer em pecado, o fiel se torna responsável pela perdição
daquele pecador. Ao contrário, se o pecador for advertido pelo fiel
e não quiser se converter, este não será responsabilizado pela
perdição daquele. Esta responsabilidade que o cristão tem perante
os irmãos da religião e mesmo perante os não crentes está
expressa na frase de Javeh dita através do Profeta: “Eu te
estabeleci como vigia da casa de Israel.” Cada cristão é
responsável, ao mesmo tempo, pela fidelidade na própria fé e ainda
pela perseverança na fé dos irmãos. Vemos aqui as duas dimensões
da fé (horizontal e vertical), isto é, a religião direcionada, ao
mesmo tempo, para Deus e para a comunidade, dimensão esta que foi
durante muito tempo menosprezada, quando a catequese católica se
concentrava no lema individualista “salva a tua alma”, como se o
fiel fosse responsável apenas por si e os pastores devessem se
preocupar com a qualidade da fé dos crentes em geral. A palavra de
Javeh através do Profeta Ezequiel não está dirigida aos Sacerdotes
do seu tempo, mas a cada um dos integrantes do povo de Deus. Cada
fiel é estabelecido como vigia na casa de Israel, cada um de nós
tem o dever não apenas de dar o exemplo, mas também de manter-se
alerta com o procedimento dos membros da comunidade, a fim de que
nenhum deles se desvie da fidelidade aos mandamentos. Cada cristão é
responsável diretamente pela própria fé e indiretamente também
pela fé dos irmãos. A fé assume, nesse contexto, uma
característica proativa, no sentido de que o verdadeiro cristão não
está preocupado apenas consigo próprio, apenas em salvar a própria
alma, como se dizia na linguagem tradicional, mas deve preocupar-se
também com a salvação dos irmãos. A salvação é comunitária, a
fé é comunitária, a religião é comunitária. A religião vivida
apenas para si, internamente, é estéril e vazia.
Na segunda leitura, da carta de Paulo
aos Romanos (13, 8-10), o Apóstolo ensina essa mesma lição com
outras palavras, quando diz: “Os
mandamentos: “Não cometerás adultério”, “não matarás”,
“não roubarás”, “não cobiçarás”, e qualquer outro
mandamento, se resumem neste: “Amarás ao teu próximo como a ti
mesmo”.” Isso
quer dizer que as ordens divinas contidas nos mandamentos da lei não
devem consistir em normas negativas (não faça isso, não faça
aquilo) nem preceitos de abstenção, mas no sentido da assunção de
uma atitude positiva de amor generoso. Ou melhor dizendo: aquelas
ordens de cunho negativo (não isso, não aquilo) que constavam na
lei antiga, pelo novo mandamento de Cristo se transformaram em ações
positivas e concretas de amar os irmãos. “O amor é o cumprimento
perfeito da lei”, completa o apóstolo Paulo. E Paulo não está
inventando isso, porque o próprio Cristo dissera, certa vez, ao
criticar os fariseus, que haviam formulado centenas de prescrições
restritivas interpretando a lei de Moisés, uma frase similar, quando
um doutor da lei o interrogou: “Mestre,
qual é o grande mandamento na lei? E Jesus disse-lhe: Amarás o
Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de
todo o teu pensamento. Este é o primeiro e grande mandamento. E o
segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti
mesmo. Destes dois mandamentos dependem toda a lei e os profetas.
(Mateus
22:36-40).” Os
doutores da lei eram exatamente aqueles fariseus mestres, que haviam
transformado a lei de Moisés em um conjunto de regras minuciosas e
burocráticas, que tornavam insuportável a vida dos judeus. A grande
catequese de Jesus contra esse tipo de religião farisaica, que
infelizmente ainda hoje se mantém na cabeça de alguns cristãos
(clérigos e leigos), foi a de mostrar que a lei de Deus é a lei do
amor, não a do castigo e da repreensão. Infelizmente, apesar do
ensinamento tão claro da parte de Jesus, desenvolveu-se uma vertente
doutrinária do cristianismo nesses mesmos moldes de fanatismo. Isso
decorre, sobretudo, do fato de que alguns cristãos colocam o Direito
Canônico acima do Evangelho. O Direito Canônico deve ser
compreendido como norma de organização e de manutenção da unidade
eclesial, não como doutrina que se sobrepõe sobre a Palavra de
Cristo transmitida pelos escritores sagrados. Por exemplo: o católico
que vai à missa dominical apenas porque o Direito Canônico afirma
cometer um pecado quem não for, esse cristão não está praticando
a religião verdadeira de Cristo, que é a religião do amor. Lembro
demais de ter ouvido na catequese tradicional que todos devem cumprir
o “preceito dominical”. Ora, cumprir o preceito não é o mesmo
que praticar o mandamento de Cristo. Cumprir o preceito é um ato
burocrático exterior estéril, se não estiver acompanhado da
motivação interior que decorre do amor a Cristo e aos irmãos. A
falta desse componente interno essencial transforma a ida ao templo
uma simples obrigação e assim estamos adotando aquele mesmo
comportamento que Jesus Cristo, por diversas vezes, criticou nos
fariseus, que praticavam uma religião de exterioridades. Vista desse
modo, a missa passa a ser um ritual enfadonho, o sermão do
celebrante vira um discurso interminável e o fiel fica escolhendo
aquele padre que celebra a missa mais depressa, a fim de “se
livrar” logo da obrigação. Com toda certeza, não é isso que
Cristo quer de nós.
Qual seria, então, a motivação para
ir à missa aos domingos, se não for o do cumprimento do preceito? A
resposta está na leitura do evangelho, retirada de Mateus (18,
15-20), ou seja, “onde
dois ou três estiverem reunidos em meu nome, eu estou aí, no meio
deles.” A
verdadeira motivação da participação na celebração litúrgica
está no encontro com os irmãos, porque é na comunidade que Cristo
está presente, de acordo com a promessa dele. É porque a nossa
religião é comunitária e deve ser exercida na comunidade. Por mais
que eu reze individualmente (e aqui eu não estou negando o valor
dessa oração individual), isso não é suficiente, a fé não está
completa. É no encontro da comunidade orante que o cristão tem a
certeza de que está na presença de Cristo.
É nesse contexto que devemos
compreender a exortação de Cristo, no sentido de que “se
dois de vós estiverem de acordo na terra sobre qualquer coisa que
quiserem pedir, isso lhes será concedido por meu Pai que está nos
céus.” Na
comunidade, a nossa oração é muito mais forte, aliás, ela tem
todo o poder, assegurado pelo próprio Cristo. Daí que o ato de
corrigir o irmão não deve ser com aquele tom ameaçador de censura,
de mostrar seus pecados, de advertir sobre os castigos, etc., mas de
reconduzi-lo ao amor de Deus. Por exemplo, se o irmão não vai à
missa e você vai conversar com ele sobre isso, o tom da conversa não
deve dar ênfase no aspecto do “pecado” ou do “descumprimento
do preceito”, mas deve destacar a dimensão comunitária da
religião, da superioridade da oração coletiva sobre a prece
particular, da promessa de Cristo de estar presente quando os irmãos
se reunem para rezar, não quando alguém reza individualmente. Daí
porque a missa transmitida pela televisão ou pela internet só é
legitimada em casos específicos e não substitui, sem reservas, a
celebração eucarística comunitária.
É interessante também destacar a
metodologia da abordagem ensinada por Jesus. Primeiro, o irmão deve
ser procurado em particular, para não expô-lo na comunidade. Se
essa conversa não tiver resultado, vem o segundo passo: repete a
conversa na presença de outros dois irmãos, atribuindo assim uma
força persuasiva maior. Se também isso não funcionar, então será
a vez de apelar para que toda a comunidade se empenhe nessa
tentativa. Essa sequência de ações deverá ser suficiente para
chamar o irmão faltoso à reconciliação. Se nem assim der certo,
então vai incidir aquilo que lemos na primeira leitura, do profeta
Ezequiel: o ímpio morrerá na sua impiedade, mas tu não serás
responsabilizado pela perdição dele. Aqui se entrelaça a primeira
leitura com o texto do evangelho, mostrando a harmonia e a coerência
da palavra de Deus no antigo e no novo testamentos.
Meus amigos, obviamente não é tarefa
fácil chamar a atenção de um irmão sobre o seu comportamento, ao
contrário, é extremamente delicada e deve ser tratada com o máximo
tato e sensibilidade. Mas Jesus nos ensina que, apesar disso, a nossa
fé nos traz essa responsabilidade e não devemos ignorá-la.
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