segunda-feira, 25 de dezembro de 2017

COMENTÁRIO LITÚRGICO - 4º DOMINGO DO ADVENTO - JESUS FILHO DE DAVI - 24.12.2017

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 4º DOMINGO DO ADVENTO – JESUS FILHO DE DAVI – 24.12.2017

Caros Leitores,

Neste quarto domingo do Advento, a liturgia mostra a ascendência genealógica de Jesus como filho de Davi, destacando que José e Maria são descendentes de Davi. Ou seja, Jesus é filho de Davi seja pelo lado paterno (adotivo) de José, seja pelo lado materno biológico de Maria. Os numerólogos bíblicos fizeram as contas da sequência de gerações e observaram que, desde Abraão até Davi, contam-se 14 gerações; de Davi ao cativeiro da Babilônia são outras 14 gerações e do cativeiro da Babilônia até o nascimento de Jesus são mais 14 gerações. (Ver evangelho de Mateus, 1, 1-17). O rei Davi representa o apogeu do desenvolvimento material do povo hebreu; o cativeiro da Babilônia representa a pior catástrofe étnica, o auge da destruição; o nascimento de Jesus representa, nessa linha de raciocínio, o novo apogeu com o cumprimento da promessa de Javé. Davi e Jesus significam, portanto, os pontos mais significativos da história do povo de Deus, daí a importância de se demonstrar que Jesus era um descendente de Davi.

Na primeira leitura, do segundo livro de Samuel (2Sm 7, 1-16), lemos a profecia de Natan acerca do filho de Davi, que reinaria para sempre, sendo confirmado na realeza. Historicamente, este filho de Davi foi Salomão, responsável pela construção do templo e famoso por sua legendária sabedoria. No sentido transistórico, aproveitando o cálculo genealógico das gerações anteriores a Jesus, explicado por Mateus, o filho de Davi confirmado perenemente na realeza é Jesus Cristo. A insistência do evangelista em ressaltar a descendência de Jesus da linhagem de Davi tem por objetivo interligar o nascimento de Cristo com a promessa de Javeh aos antigos patriarcas, fundamentando assim a fé no Messias salvador prometido pelas escrituras. O rei Davi queria construir uma casa digna para o Senhor, um templo suntuoso, mais do que o palácio onde ele, o rei, morava. No entanto, através do profeta Natan, Javeh fez ver a Davi que essa honra não seria dele, mas de um filho dele. Então, o filho próximo dele, Salomão, edificou o famoso templo, que se tornou referência para muitas gerações, alcançando até o tempo de Jesus. E o filho longínquo de Davi, Jesus, erigiu a sua igreja como templo vivo, não mais de tijolo e pedras, mas presente no coração dos que nele creem. Quando chegou a plenitude dos tempos, a promessa de Javé foi cumprida também de forma plena.

Na segunda leitura, retirada da carta aos Romanos (Rm 16, 25-27), o apóstolo Paulo enfatiza esse mistério, que ficara escondido ao longo dos tempos, mas que então fora revelado, por meio de Jesus Cristo. “Este mistério foi manifestado e, mediante as Escrituras proféticas, conforme determinação do Deus eterno, foi levado ao conhecimento de todas as nações, para trazê-las à obediência da fé.” O mistério referido por Paulo é exatamente este do cumprimento definitivo da antiga promessa, através de um descendente da linhagem de Davi. Diferentemente do próprio rei Davi, cujo poder se dirigia e se limitava ao povo hebreu, o poder deste filho de Davi se estende a todas as nações. Portanto, o mistério que Cristo veio revelar foi de que aquela promessa feita por Javeh aos antigos patriarcas não tinha seus limites atrelados a um determinado local geográfico nem a uma etnia específica, mas todos os povos são os destinatários dela, o seu alcance se estende a todas as nações.

O evangelho de Lucas (Lc 1, 26-38) é também enfático em afirmar que José era descendente de Davi. Não podendo afirmar que José gerou Jesus, como está escrito nas genealogias anteriores, o evangelista refere que José era da família de Davi e era esposo de Maria, a mãe de Jesus. “Eis que conceberás e darás à luz um filho, a quem porás o nome de Jesus. Ele será grande, será chamado Filho do Altíssimo, e o Senhor Deus lhe dará o trono de seu pai Davi. Ele reinará para sempre sobre os descendentes de Jacó, e o seu reino não terá fim' ” (Lc 1, 31). Observemos que José era pai adotivo de Jesus, porém mesmo sem ser filho biológico, Jesus era herdeiro legal de José, portanto, herdeiro da tradição de Davi. A escritura não menciona diretamente que Maria era descendente de Davi. Existe um testemunho de Santo Irineu, que viveu nos primeiros séculos do cristianismo, de que Maria também era da linhagem de Davi, portanto, isso é atestado apenas pela tradição, não consta nos relatos dos evangelistas. Talvez fosse até mais fácil de fundamentar a descendência de Jesus em relação a Davi através da análise de genealogia de Maria. Contudo, naquela época em que prevalecia a linhagem masculina, para evitar quaisquer dúvidas acerca da validade da profecia, se por acaso ficasse demonstrada apenas a descendência pelo lado feminino, os evangelistas destacam sempre a descendência pelo lado de José, deixando de considerar a genealogia de Jesus pelo lado de Maria. Daí porque tal referência só está presente na tradição.

Interessante nesse contexto é observar a forma como a revelação divina foi dada a Maria, diferente do modo tradicional em que isso acontecia. De acordo com a tradição judaica, as mensagens proféticas eram reveladas por Javeh aos seus escolhidos através de sonhos, portanto, quando eles não estavam despertos. Porém, no caso de Maria, ela não apenas estava desperta, mas chegou a dialogar com o anjo e expor suas dúvidas, ao que o anjo respondeu e a tranquilizou. O caso do sonho de José é um desses exemplos de revelação recebida em sonho. Outro caso também relacionado com José é aquele episódio em que ele recebeu uma “ordem” de fugir com Maria e o menino para o Egito, até passar a perseguição de Herodes, através de outro sonho. Com base nessa análise, pode-se afirmar que a revelação a Maria teve uma característica totalmente peculiar, fora do padrão em que isso costumava acontecer. Certamente, porque o evento que esta revelação abordava não era apenas uma intervenção de Javeh na história dos homens, mas a autêntica redenção prometida, a intervenção última e definitiva. Com bastante probabilidade, o diálogo de Maria com o anjo foi bem mais demorado e detalhado do que a narração bíblica apresenta. Maria era muito jovem e estava no início de sua vida adulta, ainda não começara sua coabitação com José. Muito provavelmente, o anjo também explicou a ela que aquele filho lhe traria muitas alegrias e também muitos sofrimentos, talvez o anjo tenha mesmo antecipado a sua morte cruel, como parte do plano da salvação. Era necessário que ela ficasse bastante segura do que estava por acontecer, para que ela finalmente concordasse ou não. E obviamente a gestação não teria iniciado, caso ela tivesse recusado. Daí a importância do “sim” de Maria, porque naquele momento, ela mesmo sabendo antecipadamente dos atrozes sofrimentos que iria suportar futuramente, ainda assim colocou-se submissa à vontade de Deus: ciente, de acordo, faça-se conforme a tua palavra. E o anjo retirou-se.

Meus amigos, a concordância de Maria é um ato de generosidade, de incomparável grandeza. A missão que cada um de nós recebe nessa vida, ou seja, aquilo que outra passagem do evangelho chama com o nome de “talentos”, é um desafio que depende também da nossa generosidade. Generosidade para aceitar e disponibilidade para executar. A preparação do Natal exalta essa virtude de Maria, que é a generosidade. “A generosidade é a capacidade de dar com desapego, onde o amor ganha do egoísmo. É na entrega generosa que fazemos de nós mesmos que se mostra a profundidade de um amor que não fica somente nas palavras. É isso que celebramos no natal: o gesto generoso de Maria em aceitar ser a mãe de Deus e o gesto generoso de Deus que se dá a si mesmo, para a redenção da humanidade.” A generosidade é o antídoto do egoísmo, é uma atitude por demais sugestiva para os nossos tempos, em que o individualismo e o isolamento são uma marca característica da nossa sociedade, sobretudo com a massificação do uso da tecnologia da comunicação. Contraditoriamente, aquilo que deveria nos unir mais é justamente aquilo que contribui para nos afastar mais uns dos outros. A lição da generosidade de Maria continua, portanto, eloquente e atual, merecendo fazer parte das nossas reflexões e dos propósitos de melhoria de vida, que todos nós devemos fazer nesse tempo de preparação para o nascimento de Jesus.

Ao ensejo, formulo a todos sinceros votos de Feliz Natal.

Nenhum comentário:

Postar um comentário