COMENTÁRIO LITÚRGICO – DOMINGO DE
RAMOS DA PAIXÃO DO SENHOR – 25.03.2018
Caros Leitores,
O Domingo dos Ramos dá início à
semana mais importante da liturgia católica, durante a qual se
comemoram os acontecimentos marcantes do mistério da nossa redenção.
A liturgia deste domingo celebra a entrada triunfal de Jesus em
Jerusalém, por ocasião dos preparativos para a páscoa judaica. Ele
tentava entrar na cidade de maneira discreta, mas a sua fama já
estava espalhada e muitas pessoas queriam conhecê-lo. Já sabemos,
através de comentários anteriores, que não foi esta a primeira vez
que Ele foi a Jerusalém nesse período, ao contrário, ele sempre
subia até Jerusalém para celebrar a Páscoa, conforme a tradição
judaica. Porém, nesta vez, como Ele sabia que estava na Sua hora e
as coisas ocorreram de forma diferente, com maior festejo. Ele sabia
que os chefes dos sacerdotes estavam aguardando uma oportunidade para
prendê-Lo, porém o povo não permitiu que Ele entrasse
discretamente, mas tudo ocorreu de forma a chamar a atenção dos
seus inimigos.
Quem assistiu àquele filme (que foi
inicialmente uma peça teatral exibida em Nova York), intitulado
“Jesus Cristo Superstar” deve lembrar de como o diretor do filme
retrata esse momento peculiar. Os chefes dos sacerdotes estavam
espreitando a procissão que vinha conduzindo Jesus e comentando
entre eles: Ele é perigoso. Mas eles não podiam simplesmente
prendê-Lo diante da multidão, porque isso ocasionaria uma revolta
popular, ela preciso capturá-lo em um local reservado e, para isso,
precisaram da ajuda de Judas, para indicar onde encontrá-lo longe do
povo.
A principal leitura deste domingo é a
da paixão, texto bastante conhecido, no entanto, há a leitura
opcional do evangelho de Marcos, onde este narra os detalhes da
entrada de Jesus em Jerusalém. Foi o próprio Jesus quem pediu aos
discípulos para irem buscar um jumentinho, indicando precisamente
onde o encontrariam. Depois de três anos pregando pelos territórios
da Judeia, Galileia, Samaria, Jesus tinha adquirido um número
bastante grande de admiradores, embora nem todos fossem seguidores. E
adquiriu também, óbvio, um outro número de inimigos, exatamente
dentre aqueles para quem Ele veio confirmar a antiga aliança: os
líderes do povo judeu. E o palco desse histórico encontro foi o
momento dos preparativos da festa da Páscoa.
A festa da páscoa era já celebrada
entre os povos orientais desde tempos imemoriais, sempre coincidindo
com o início do período das colheitas, que no hemisfério norte
corresponde à chegada da primavera (final do mês de março). A
saída dos hebreus do Egito, por volta de 1.800 anos antes de Cristo,
já ocorrera numa dessas celebrações pascais, quando os umbrais das
portas foram tingidas com o sangue do cordeiro. A escolha de Jesus
para se apresentar aos seus inimigos, sabendo que eles iriam matá-Lo,
foi também propositalmente direcionada para o período da páscoa
judaica, porque Ele, sendo o novo cordeiro, seria imolado na mesma
situação do primeiro cordeiro, que assinalou a libertação dos
cativos do Egito. Geograficamente, esta data está referenciada com a
primeira lua cheia após a passagem do equinócio da primavera (no
hemisfério norte, pois para nós, é o equinócio do outono). O
equinócio, evento geográfico que significa a mesma duração do dia
e da noite, ocorre entre os dias 20 e 21 de março de cada ano. Se
observarmos o calendário deste ano, veremos que a primeira lua cheia
após o equinócio ocorrerá no dia 30 de março, ou seja, cairá
numa sexta feira. Este seria o dia da páscoa, pelo calendário
judaico antigo. Mas como nós celebramos a páscoa sempre num
domingo, então, o dia para nós será 1 de abril. A páscoa é a
única data festiva atual que ainda se rege pelo calendário lunar,
por isso, muda a cada ano.
No conjunto das leituras deste domingo,
chama a atenção a precisão profética de Isaías, quanto aos
sofrimentos que iriam castigar o Messias. No cap 15, vers 6, o texto
não podia ser mais claro: “Ofereci as costas para me baterem e as
faces para me arrancarem a barba; não desviei o rosto de bofetões e
cusparadas.” O mesmo se pode dizer em relação ao salmista, no Sl
21: “Cães numerosos me rodeiam furiosos, e por um bando de
malvados fui cercado. Transpassaram minhas mãos e os meus pés e eu
posso contar todos os meus ossos.” No período quaresmal, é
constante a leitura de trechos de Isaías, porque este profeta foi o
que expressou com mais clareza de detalhes os sofrimentos do
cordeiro. E era também o Profeta que Jesus mais gostava de citar,
quando se referia aos antigos profetas.
Todos os anos, a liturgia do Domingo de
Ramos repete estas cenas e leituras, nós que somos habituais em
frequentar a missa talvez até já saibamos de cor esses trechos.
Qual o significado, então, dessa repetição, o que a liturgia da
Igreja nos transmite com essas cerimônias da Semana Santa, em
especial, do Tríduo Pascal a cada ano? Ora, nós sabemos que cada
missa celebrada é uma realização da vontade de Cristo, que disse:
todas as vezes, que fizerdes isso, fazei-o em minha memória.
Portanto, não apenas na Semana Santa se celebra a morte e
ressurreição de Cristo, mas em cada missa se faz isso. É o que nós
rezamos após a consagração: anunciamos a Tua morte e proclamamos a
Tua ressurreição... ou seja, em cada missa, temos uma síntese do
Tríduo Pascal.
Concluímos, então, que a celebração
destacada dos fatos históricos centrais relacionados com o mistério
da salvação, que acontece na Semana Santa, tem o sentido pedagógico
de nos lembrar de que, em cada missa que é celebrada, em qualquer
lugar do mundo, a nossa salvação está se renovando. A liturgia da
Semana Santa vem nos proporcionar um tempo mais específico e
demorado para meditarmos nesse mistério, cuja memória ocorre em
todos os lugares e muitas vezes por dia. Mas certamente pela
constante repetição, podemos nos inclinar a não levar na devida
consideração o conjunto desses fatos.
A tradição popular que caracteriza a
sexta feira santa é por demais emotiva e deprimente. É comum
verem-se pessoas chorando durante a Via Sacra. Mas não é esse o
objetivo da comemoração litúrgica. De fato, Jesus não morre mais,
isso aconteceu uma vez para sempre. A memória da sexta feira santa
deve ser celebrada na perspectiva do conjunto dos atos litúrgicos
que evoluem para a vigília pascal e depois para o domingo da Páscoa.
A morte de Cristo celebrada na sexta feira santa é, como o catecismo
ensina, de forma incruenta, isto é, sem derramamento de sangue. Ora,
assim é também em todas as missas, sejam elas na semana santa ou
durante o restante do ano. Não devemos, pois, encarar com exageros
sentimentalistas o tríduo pascal, mas com os olhos da fé
esclarecida, que não separa a paixão e morte de Cristo da sua
ressurreição.
A propósito da sexta feira santa, o
Papa Bento XVI, em 2012, numa visita a Cuba, solicitou ao governo que
decretasse feriado nesta sexta feira, para que os fiéis católicos
pudessem praticar a sua devoção. Num gesto diplomático, o governo
cubano aquiesceu, e então depois de mais de 50 anos (desde 1960), a
sexta feira santa passou a ser novamente feriado em Cuba. Sinal dos
tempos. Cuba continua sendo um país de grande maioria católica e
isso vem reacendendo o fervor dos cubanos, retomando as tradições
religiosas interrompidas com o governo de Fidel.
Então, meus amigos, devemos aproveitar
os feriados da semana santa não como ocasião para viagens e
diversões extras (feriadão), mas para reflexão sobre o mistério
da nossa redenção, vivenciado historicamente na paixão/ressurreição
de Cristo e revivenciado liturgicamente em cada missa que se celebra,
com especial acento nesta semana que estamos iniciando.
Eu ainda hoje me lembro de uma oração
que aprendi no Noviciado, a qual rezo sempre que entro no templo: Nós
Te adoramos, santíssimo Senhor Jesus Cristo, aqui e em todas as
igrejas que estão em todo o mundo e Te bendizemos porque pela tua
santa cruz redimiste o mundo. Em latim, para ficar mais emblemático:
Adoramus Te, Christe, et benedicimus tibi quia per sanctam crucem
tuam redemisti mundum.
Boa Páscoa.
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