COMENTÁRIO LITÚRGICO – 5º DOMINGO
DA QUARESMA – A CONFIRMAÇÃO – 18.03.2018
Caros Confrades,
Na liturgia deste 5º domingo da
quaresma, as leituras apresentam como tema comum a renovação da
promessa de Javeh ao povo de Israel, iniciando com a profecia de
Jeremias, passando pela carta aos Hebreus e completando com o
evangelho de João. É curioso observar como as palavras de Jeremias,
proferidas mais de 600 anos antes de Cristo, têm uma aplicação
plena na perspectiva messiânica da missão do Salvador. Ele se
refere ao povo infiel à aliança do Sinai e anuncia que Javeh fará
uma nova aliança e esta será definitiva. E João declara que, mais
uma vez, o Pai confirmou a divindade do Filho e a autenticidade de
sua missão, mediante um sinal sonoro ouvido publicamente em
Jerusalém, tendo sido confundido por alguns como um trovão ou com a
voz de um anjo. João foi testemunha disso. Ele não apenas ouviu
falar.
A primeira leitura de hoje, do projeta
Jeremias (31, 31-34), reflete uma situação sócio-religiosa
complicada no meio do povo hebreu, seduzido pela idolatria dos
vizinhos e esquecido da promessa dos seus primeiros pais. A época é
pouco antes da derrocada de Jerusalém e da escravidão dos hebreus
na Babilônia. O profeta anuncia que Javeh está desencantado com
aquele povo e por isso irá renovar a sua promessa, mas essa não
será igual à anterior mercê da qual os hebreus foram retirados do
Egito e conduzido pela mão pelo deserto e que os antepassados
violaram, ou seja, não foram fiéis. A aliança anterior era escrita
em tábuas de pedra, mas a nova aliança será diferente, como diz o
profeta: “Esta será a aliança que concluirei com a casa de
Israel, depois desses dias, diz o Senhor: imprimirei minha lei em
suas entranhas, e hei de inscrevê-la em seu coração.” (31, 33) A
aliança anterior, escrita na pedra, podia ser facilmente violada,
mas a nova aliança escritas nas entranhas e no coração, esta
jamais poderá ser esquecida. Jeremias está assim antecipando
claramente o que Cristo iria afirmar tempos depois, quando veio
realizar esta nova aliança. É interessante notar, nesse trecho, a
locução temporal “depois desses dias”, que eram os dias do
cativeiro que estava por chegar. Passados os 70 anos do cativeiro na
Babilônia, os que voltaram depois para Jerusalém não eram mais os
que foram para lá deportados, e sim os filhos e netos deles. Daí o
profeta afirmar que a nova aliança acontecerá “depois desses
dias”, porque Javeh estava ciente de que, com aquela geração, não
havia mais outro recurso, senão o castigo.
Sob o aspecto cronológico, a palavra
de Jeremias se referia ao cativeiro babilônico e ao retorno do povo
posteriormente, para a reconstrução de Jerusalém. Contudo, sob o
aspecto transistórico, a profecia se aplica à nova aliança
proposta pelo Messias, cinco séculos e meio mais tarde. Essa nova
promessa se concretizou com a vinda de Jesus, que veio atualizar e
cumprir de forma perfeita a lei de Moisés. Então, a nova lei
anunciada por Cristo já não seria escrita em lápides, como a lei
mosaica, mas no coração e nas entranhas dos crentes. Só que os
judeus não quiseram ouvi-lo e nem aceitaram a inscrição dela nas
suas entranhas, por isso a nova aliança foi levada aos gentios, a
todos os povos da terra, chegando até nós. A nova lei não faz mais
distinção de raças nem de idiomas, mas congrega todos os homens de
boa vontade. E para que venha a ser reconhecida e praticada por
todos, ela não está escrita em um determinado idioma, mas no idioma
universal do amor. Pelo batismo, a nova lei é impressa no nosso
coração e assim, continua o profeta no vers. 34, não será mais
necessário ensinar ao próximo, ao irmão: aqui está Deus, porque
“todos me reconhecerão, do menor ao maior deles, diz o Senhor.”
Essa foi a finalidade primordial da missão salvadora de Cristo:
inscrever o novo mandamento no coração dos que crerem nele,
renovando a promessa divina da salvação universal.
Na segunda leitura, extraída da Carta
aos Hebreus, lemos: “Cristo, nos dias de sua vida terrestre,
dirigiu preces e súplicas, com forte clamor e lágrimas, àquele que
era capaz de salvá-lo da morte.” (Heb 5, 7) Esta mesma mensagem
está contida no evangelho de João (12, 27), quando Cristo comenta
com os discípulos: “Agora sinto-me angustiado. E que direi? `Pai,
livra-me desta hora!'? Mas foi precisamente para esta hora que eu
vim.” E nós todos conhecemos a célebre oração de Cristo no
Getsêmani: 'Pai afasta de mim este cálice, porém, não se faça a
minha vontade, e sim a Tua.' E complementando este pensamento,
retornamos ao texto da Carta aos Hebreus (5, 8): “Mesmo sendo
Filho, aprendeu o que significa a obediência a Deus por aquilo que
ele sofreu.” Nesses trechos, percebemos a integração do
pensamento do autor da carta aos Hebreus (não é o apóstolo Paulo,
como tempos atrás se pensava) com o testemunho de João, acerca dos
sofrimentos de Cristo no período que antecedeu a sua paixão. Essas
leituras, selecionadas para o último domingo da quaresma, quando se
aproximam as comemorações da paixão, morte e ressurreição de
Cristo, servem também como reforço teológico para que não caiamos
nos mal entendidos das antigas heresias, como por exemplo, os
gnósticos que afirmavam que Cristo, sendo Deus, não poderia sofrer
e assim a crucificação de Cristo teria sido uma espécie de
encenação, pois Ele não estaria sofrendo realmente. Ora, meus
amigos, o evangelista João faz questão de expor um longo diálogo
de Cristo explicando aos seus discípulos o que iria ocorrer com Ele
e ainda que tipo de morte Ele teria de padecer (Jo 12, 23-27),
exatamente para que ninguém viesse a ter dúvidas de que o
padecimento de Cristo, além de ter sido real, foi ainda mais
agravado porque Ele, sendo Deus, sabia antecipadamente de tudo pelo
que ia passar.
Na leitura do evangelho de João, há
referência a alguns gregos, que queriam conhecer Jesus. Com certeza,
eles eram pessoas de boa fé, que tinham ouvido falar nos feitos
miraculosos de Jesus e demonstravam interesse por sua doutrina. É o
que lemos em Jo 12, 20-21: “Havia alguns gregos entre os que tinham
subido a Jerusalém, para adorar durante a festa. Aproximaram-se de
Filipe, que era de Betsaida da Galiléia, e disseram: 'Senhor,
gostaríamos de ver Jesus.'” Tendo subido a Jerusalém naquele ano,
para a festa da Páscoa, que seria a sua última, Jesus já era
bastante conhecido pelas histórias que circulavam a respeito dele e
muitas pessoas tinham interesse em conhecê-lo, o que causava grande
incômodo e desespero para os chefes dos fariseus, que não podiam
impedir isso. É possível imaginar o rumor que circulou na cidade
quando, após a prece de Jesus ao Pai, este respondeu sob a forma de
uma “voz de trovão”. E Jesus ainda completou: a voz que ouvistes
é o julgamento deste mundo! Sem dúvida, a fama que Jesus alcançara
colocava em risco o poder e a autoridade dos fariseus, como mestres e
líderes religiosos, levando-os a convocarem às pressas uma reunião
com o objetivo de deliberarem o que fazer diante disso.
Causa um certo espanto a expressão
contida no texto de João (12, 31), onde lemos uma frase bem
enigmática, que está assim traduzida: “agora o chefe deste mundo
vai ser expulso”. O 'chefe' deste mundo? Quem seria este? Se
observarmos o texto grego original de João, lá consta o seguinte:
'ó arkhon tou kosmos', onde arkhon significava, para os gregos, o
arconte, ou seja, um magistrado, um tirano, um déspota.
Provavelmente, João queria se referir aos chefes religiosos do povo,
que tramavam a morte de Jesus na ocasião. Jesus sabia das
maquinações que eram tramadas contra ele exatamente por aqueles a
quem competia mostrar ao povo o caminho da verdadeira fé no Deus da
promessa, no entanto, utilizavam esse poder em seu próprio proveito.
E prossegue no vers. 32: “e Eu, quando for elevado da terra,
atrairei todos a Mim.” João conclui: ele estava se referindo ao
modo como deveria morrer. E eu penso que podemos concluir mais além:
literalmente, ele estava profetizando que a Sua cruz passaria a ser o
símbolo maior da nova lei, que seria impressa nos corações dos
fiéis, e que a Sua cruz estaria presente em todos os cantos do
mundo.
Prezados amigos, no próximo domingo,
iniciaremos a semana santa. As leituras deste domingo nos colocam no
limiar dessas singulares comemorações que, embora celebradas todos
os anos, nunca são repetidas. Ou pelo menos, nós não podemos nunca
pensar que se trata de mera repetição. A mensagem de Cristo renova,
a cada vez, a promessa divina feita no passado aos patriarcas
realizada plenamente por Ele e a cada vez nos desafia, como Seus
verdadeiros seguidores, a imitá-Lo na fidelidade e na obediência ao
plano de Deus para cada um de nós. Na celebração das festas
pascais, que se avizinham, aproveitemos para reavivar nos nossos
corações a promessa que Cristo veio escrever no mundo com a sua
Cruz e que foi impressa em cada um de nós através do nosso batismo.
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