COMENTÁRIO LITÚRGICO – 17º DOMINGO
COMUM – PÃO PARA TODOS – 29.07.2018
Caros Leitores,
As leituras litúrgicas deste 17º
domingo comum preconizam o milagre eucarístico, que seria depois
realizado por Jesus, perpetuando-se na história e chegando até nós.
O alimento que chamamos pão está presente desde os tempos mais
remotos da humanidade, em todas as culturas. O tipo mais comum é o
pão de trigo e sua presença na Bíblia se encontra em diversos
momentos, aquele cuja fartura saciou a fome de milhares de fiéis,
tanto no Antigo quanto no Novo Testamentos. Por isso, ao despedir-se,
Jesus quis deixar o pão como o símbolo de sua permanência entre
nós e instituiu-se a si próprio em pão da vida, não somente para
saciar a fome natural, mas sobretudo para locupletar o espírito com
o pão vivo e imortal.
Na primeira leitura de hoje, retirada
do Livro dos Reis (2Rs 4,42), narra-se um fato miraculoso operado
pelo profeta Eliseu vários séculos antes de Cristo, sendo um fato
antecipatório do futuro milagre da multiplicação dos pães, que
seria realizado pelo Messias. Num tempo de grande seca e, portanto,
de fome para o povo, Eliseu ganhou de presente 20 pães, trazidos por
um estrangeiro, mas não os recebeu, porque seria egoísmo de sua
parte saciar a própria fome, enquanto o povo padecia faminto. Então,
ele mandou que os pães fossem distribuídos para o povo. O seu
assistente ficou preocupado: como vou distribuir tão poucos pães
para tantas pessoas famintas? Ele, prudentemente, deve ter logo
imaginado o tumulto que isso iria ocasionar e as brigas entre as
pessoas disputando os pedaços, podendo até ocorrer agressões e
ferimentos e ele mesmo poderia ser vítima do episódio. Mas o
Profeta o tranquilizou: O Senhor disse – comerão e ainda sobrará.
E assim foi a primeira vez da repartição do pão para todos.
A imagem do pão, encontrada em todas
as culturas, desde as mais remotas, com o passar dos séculos, não
perde a sua primazia, porque o pão continua sendo o alimento básico
do ser humano. Além daquele padrão, feito de trigo, há as
variantes, de acordo com as produções agrícolas locais, com uso de
milho, de mandioca, de batata, daquela massa que for mais abundante
numa região. O pão é um símbolo da própria vida que ele
alimenta. Por causa da sua importância cultural, o pão ultrapassa a
pura matéria física para significar os diversos dons que acompanham
a vida humana, além da simples satisfação da fome corporal. O
saciamento da fome induz ao bem-estar, à alegria, à boa
convivência, faz elevar o espírito para as realidades
sobrenaturais, então o pão é muito mais do que um alimento
material, é um verdadeiro mantenedor vital do ser humano. Foi por
esse motivo que Jesus, quando quis deixar um sinal perpétuo da sua
presença no meio da humanidade, adotou o símbolo do pão,
transformando a Si mesmo em pão da vida.
No relato do evangelista João (6,
1-15), Jesus revive a cena histórica do profeta Eliseu, diante da
multidão que o acompanhara de longe, na sua travessia do Lago de
Tiberíades, encontrando-o na margem oposta. Ele próprio fez uma
provocação aos apóstolos, indagando-lhes pedagogicamente, mesmo já
sabendo da solução que iria adotar: onde arranjaremos pão pra esse
povo todo comer? E Felipe avaliou: nem duzentas moedas seriam
suficientes para comprar um pedaço pra cada um. Foi quando André
trouxe a informação: tem ali um rapaz com cinco pães e dois
peixes, mas de que adianta isso para tanta gente? Jesus só não
repetiu o refrão de Eliseu (“comerão e ainda sobrará”), mas
fez que o povo sentasse e mandou distribuir os pães e os peixes,
depois de abençoá-los. E o milagre da fartura se repetiu, todos
comeram até ficarem saciados e ainda sobraram doze cestos com os
pedaços deixados. Juntem tudo, para que nada se perca. Aquelas
sobras, provavelmente, poderiam saciar novamente outros famintos,
pois como vimos no evangelho do domingo passado, as pessoas estavam
sempre onde Jesus e os apóstolos estavam, de modo que eles não
tinham uma folga nem para comer. E o número de cestas que sobraram
(doze cestas) contém uma alusão implícita às doze tribos de
Israel. Simbolicamente, aquela recolha do excedente representava a
totalidade do povo judeu.
Pois bem, nesse relato do evangelista
João, podemos destacar alguns detalhes interessantes. Primeiro, a
preocupação de Jesus com a fome daquelas pessoas. As pessoas não
foram se queixar de fome para Ele, ao contrário, estavam ali para
ouvi-Lo. Mas Jesus sabia que, sem a alimentação corporal adequada,
a mente não funciona, a concentração não ocorre, o aprendizado é
nulo. Então, antes de alimentar o espírito, é necessário
alimentar o corpo. Isso significa que a Igreja não pode se descuidar
dos aspectos materiais da vida social, da melhoria das condições de
vida e de trabalho dos fiéis, ou seja, não compete às autoridades
religiosas apenas celebrar missas e oficiar os sacramentos, mas junto
com isso, deve ter a preocupação com a vida material justa. Junto
com o pão da palavra, os pastores devem também preocupar-se com a
assistência material das pessoas mais carentes da comunidade,
enquanto os fiéis melhormente aquinhoados devem colaborar para a
efetivação desse serviço. Viver a religião não deve se resumir a
frequentar o templo nos dias celebrativos, fazer as novenas e rezar o
terço. Isso é importante, sem dúvida. Mas ficam faltando as
“obras” de caridade, que devem ser inseparáveis da fé.
Outro detalhe que importa destacar é
que o milagre de Jesus foi possibilitado pela presença de um rapaz
trazendo cinco pães e dois peixes. Ele poderia ter feito o milagre
independentemente disso, podia ter transformado até pedras em pão
ou ter feito cair pão das nuvens, mas, não, Ele quis a colaboração
de alguém da comunidade. Isso significa que Deus prefere agir por
nosso intermédio, com a nossa colaboração, mesmo para fazer as
coisas mais extraordinárias. Santo Tomás de Aquino ensinava,
utilizando a terminologia filosófica de Aristóteles, que Deus age
por causas segundas. Essas “causas segundas” são as ações
indiretas. Ele pode atuar de forma direta e imediata, mas muitas
vezes, Deus se serve de nós, de um coirmão ou coirmã nosso(a) para
operar prodígios e, nesse caso, Deus nos honra grandemente agindo
por nosso intermédio. Quando Ele nos dá fartura de bens materiais,
Ele também espera que nós contribuamos com maior generosidade para
o serviço dos irmãos. É bem verdade que, nas sociedades modernas,
tais obras assistenciais devem ser acionadas pelas autoridades
públicas, porém, mesmo que isso aconteça (o que nem sempre
ocorre), não ficamos dispensados de colaborar com a nossa parte.
Portanto, nós precisamos estar sempre disponíveis para Deus agir
por nosso intermédio, através da nossa fé operante, através do
nosso exemplo e do nosso testemunho. Muitas vezes, nós nem atentamos
para isso, mas as nossas atitudes estão sendo percebidas por outras
pessoas e o nosso bom exemplo pode estar sendo decisivo para que um
irmão, momentaneamente fraco na fé, ganhe força e supere um
obstáculo na sua vida. Se deixarmos Deus agir por meio de nós, nós
também poderemos ser esses agentes transformadores, sem que isso
necessariamente cause em nós canseira ou preocupação. Na nossa
vida cristã cotidiana, as nossas atitudes normais de cada dia podem
se transformar em importantes instrumentos divinos para a realização
de obras valiosas na sociedade.
Quando Jesus, na última ceia,
serviu-se do pão para tornar-se presente permanentemente no nosso
meio, ele quis associar a Si próprio a este alimento, que desde os
primórdios da raça humana tem sido indispensável. Assim como o pão
da massa material é um artigo universalmente inerente às sociedades
humanas, Jesus quis que o seu corpo em forma de pão tivesse a mesma
presença e mesma participação na nossa vida. Eu, particularmente,
sinto um certo desconforto quando vejo a celebração eucarística
sendo realizada com aquela composição do trigo, que chamamos de
hóstia, porque me dá a impressão que assim nos afastamos da
verdadeira intenção de Cristo, quando fez-se pão, visto que a
aparência física da hóstia, embora saibamos que é produzida com a
mesma massa do pão, não tem nenhuma semelhança visual com este. E
eu fico pensando que Cristo quis que o Seu corpo fosse associado ao
visual do pão comum, aquele alimento básico e essencial. Nós não
tomamos café com hóstia, leite com hóstia, e eu acho que Cristo
queria que fizéssemos uma associação visual entre o pão
eucarístico e Ele, que se elevasse à dimensão da fé. O pão que
alimenta o corpo também, e ao mesmo tempo, alimenta o espírito. Nas
Igrejas Católicas Ortodoxas, o pão eucarístico é o pão comum
mesmo, não tem esse formato de hóstia, que estamos acostumados a
ver. A mim, parece que lá a vontade de Jesus esteja sendo cumprida
mais fielmente.
Com a devida vênia dos Leitores que
não concordam.
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