quarta-feira, 25 de julho de 2018

COMENTÁRIO LITÚRGICO - 16º DOMINGO COMUM - 22.07.2018

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 16º DOMINGO COMUM – MISSÃO DO PASTOR – 22.07.2018

Caros Leitores,

A temática das leituras litúrgicas deste 16º domingo comum aborda a figura do pastor. No contexto do povo hebreu na região onde viveu o Jesus histórico, os dois estereótipos mais marcantes, em função das profissões mais comuns da época, eram o pescador e o pastor. Jesus Cristo faz uso, com frequência, desses dois modelos profissionais para reforçar a sua pedagogia catequética direcionada para o povo simples, de modo a facilitar para eles a compreensão da sua mensagem. Naquela época, assim como hoje, há os bons e os maus pastores e, dependendo disso, o cuidado do rebanho será bem ou mal exercido.

Na primeira leitura, o profeta Jeremias (23, 1-6), que viveu num tempo de muita infidelidade a Javeh, praticada pelo rei Josias, levando assim o povo de Deus à idolatria, lamenta pelos maus pastores: “ai dos pastores que deixam perder-se e dispersar-se o rebanho, diz o Senhor”. Por falta de compromisso do rei, o povo relegou a segundo plano a aliança com Javeh e dedicou-se ao culto dos ídolos, culminando com o cativeiro da Babilônia. Então Jeremias complementa: “virão dias em que farei nascer um descendente de Davi, que reinará com sabedoria e fará valer a justiça e a retidão na terra”. As palavras do Profeta fazem o prenúncio de Jesus Cristo, descendente de Davi, que viria a ser “o pastor” exemplar, que não deixará as ovelhas se perderem. Infelizmente, as palavras do Profeta, proferidas mais de 600 anos antes de Cristo, fazem eco nos dias de hoje, quando vemos maus exemplos de pastores, que levam à desagregação dos fiéis, em vez de promoverem a união do rebanho. O Papa Francisco vem fazendo gigantesco esforço de união das religiões, cristãs e não-cristãs, dando exemplos concretos de solidariedade e de ecumenismo, mas nem todos os prelados, infelizmente, seguem-lhe o exemplo. E no âmbito das comunidades, continuamos a ver lamentáveis atitudes de discórdias entre grupos, cada qual se autoproclamando verdadeiros discípulos de Cristo e desagregando o rebanho, em vez de agregar.

No evangelho de Marcos (6, 30-34), temos a narração de uma das poucas cenas em que transparece o lado humanitário de Cristo preocupado com o bem estar dos discípulos e, ao mesmo tempo, vendo a multidão que estava sempre ao seu redor. “Havia tanta gente chegando e saindo, que não tinham tempo nem para comer”, diz o evangelista referindo-se a Jesus e aos seus discípulos. Eles então se retiram de barco para um lugar deserto, a fim de descansarem um pouco. Ocorre que a multidão os acompanha ao longe, pelas margens do lago de Tiberíades, e observava para onde eles se dirigiam, de modo que chegou ao local rapidamente e assim, ao desembarcar, Jesus e os apóstolos já os encontram aguardando. Ou seja, nada de descanso para Jesus e os discípulos.

Diz o evangelista que o Mestre, vendo-os assim, longe de censurá-los ou de mandá-los embora, ao contrário, teve compaixão deles porque eram como ovelhas sem pastor. Cumprindo-se a profecia de Jeremias, acerca do descendente de Davi, que viria reinar com sabedoria e com justiça, Jesus percebe que o povo está mal pastoreado, isto é, os sacerdotes e mestres da lei não cumprem com a sua missão, por isso, mesmo estando fisicamente cansado, se compadece daquele povo e passa a ensiná-los muitas coisas. Na sequência desta leitura do evangelho de Marcos, temos o episódio da multiplicação dos pães, que não é lido neste domingo, para que o tema litúrgico se concentre na figura do Bom Pastor.

Conforme Jesus demonstrou com seu comportamento, a missão de evangelizar tem prioridade total e não deve ser adiada nem mesmo quando algumas condições não são muito favoráveis. Analisando certas atitudes dos nossos pastores atuais, vemos quantas vezes o comodismo e a intolerância levam a um desserviço do pastoreio. Esse pensamento me fez lembrar agora as histórias que nos eram contadas, em Messejana, pelo Frei Higino, pelo Frei Abel, pelo Frei Sabino, Frei Anastácio, que realizaram aquele serviço religioso, que na época era chamado de “desobriga”, acho que todos se recordam disso. O missionário passava cerca de três meses distante da comunicade, fazendo um roteiro de viagem do interior do Nordeste, montado em um cavalo, passando de cidade em cidade para celebrar missas, fazer batizados e assistir a casamentos, naquelas localidades aonde o padre só chegava uma vez ao ano. Eles contavam as precárias condições em que se hospedavam, se alimentavam, cuidavam da própria saúde, tudo em nome da fé e na fidelidade ao ideal franciscano, uma atitude de heroísmo exemplar, que muito nos entusiasmava. Sem deixar de mencionar os fatos pitorescos e as histórias engraçadas que, muitas vezes, estavam associadas às suas narrações.

Esses missionários capuchinhos seguiam literalmente o exemplo de Cristo. Mesmo cansado e com fome, ele teve compaixão do povo e passou a ensinar muitas coisas. Façamos uma breve reflexão sobre essa expressão “teve compaixão do povo”, porque a linguagem comum não alcança o seu verdadeiro sentido. Ter compaixão não significa ter pena ou ter dó de alguém. O texto latino original diz que Jesus “misertus est super eos”, isto é, foi misericordioso com eles. A diferença entre ter pena e ter misericórdia é que ter pena indica um comportamento passivo, de lamentação, enquanto ter misericórdia leva a uma ação concreta no sentido de aliviar aquela situação. Uma coisa é ficar lamentando a situação de alguém e nada fazer (ter pena), outra coisa é verificar a carência de alguém e partir para uma efetiva ação em benefício daquela pessoa (ter misericórdia). Compaixão vem do verbo compadecer, isto é, com+padecer, padecer junto, colocar-se na situação do irmão que sofre não para fazer-lhe companhia no sofrimento, mas para retirá-lo daquele estado. Foi isso o que Cristo fez: vendo a multidão igual a um rebanho sem pastor, não ficou apenas lamentando a situação, mas acolheu a todos e passou a ensiná-los. E na sequência do texto, parte não lida neste domingo, multiplicou os pães para alimentá-los. Jesus não apenas distribuia o pão da palavra, que alimenta o espírito, mas também distribuia os pães e os peixes, que alimentam o corpo. Essa é a atitude exemplar de Cristo, no sentido de ter misericórdia do povo.

Analisando essa atitude de Cristo, meus amigos, podemos observar o quanto as lideranças religiosas, ao longo da história, se afastaram desse exemplo de cuidado não apenas com a dimensão espiritual do povo, mas também com as condições concretas da existência na sociedade. A religião verdadeira não é apenas participar da missa e rezar o terço, mas é também contribuir materialmente para a promoção social das pessoas mais carentes da comunidade. Após o Concílio Vaticano II, a doutrina social da Igreja reforçou a necessidade de conscientizar os fiéis de que a dimensão vertical da religião (homem-Deus) tem um componente necessário e complementar, que é a dimensão horizontal (homem-homem), sendo que as duas dimensões devem ser igualmente realizadas. Foi por isso que o magistério da Igreja, na conferência de Puebla (1978), assumiu oficialmente o compromisso da opção preferencial pelos pobres, tendência que foi reforçada em outros documentos oficiais, como o documento de Aparecida (2007), que assim sintetizou essa mesma preocupação: “Como um olhar teologal e pastoral, considera, com acuidade, as grandes mudanças que estão sucedendo em nosso continente e no mundo, e que interpelam a evangelização. Analisam-se vários processos históricos complexos e em curso nos níveis sócio-cultural, econômico, sócio-político, étnico e ecológico, e se discernem grandes desafios como a globalização, a injustiça estrutural, a crise na transmissão da fé e outros”. O exemplo de Cristo, narrado no evangelho deste domingo, nos mostra claramente que a religião não pode se dissociar das condições concretas da vida social, sob pena de nos afastarmos do que Cristo ensinou.

No evangelho deste domingo, portanto, Cristo vem nos chamar a atenção de que não basta cantar halleluyas e bater palmas durante as celebrações, pois isso alimenta só o espírito, mas é preciso também, com o mesmo zelo, promover ações efetivas no sentido de distribuir os pães e peixes, que alimentam também o corpo. Alguns dos nossos Pastores precisam urgentemente acordar dessa letargia ilusória do espiritualismo e do devocionismo, que tantos malefícios históricos já ocasionaram, abrindo os ouvidos para o clamor sempre atual do profeta Jeremias.

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