COMENTÁRIO LITÚRGICO – 29º DOMINGO
COMUM – A RECOMPENSA – 21.10.2018
Caros Leitores,
Neste 29º domingo comum, último
domingo do mês de outubro, a liturgia celebra o Dia Mundial das
Missões, reverenciando todos aqueles que, no mundo tudo, levam a
palavra de Cristo aos irmãos mais distantes, especialmente para
aqueles que ainda não conhecem a Redenção. Todos nós somos
convidados a ser missionários e, pelo batismo, fomos ungidos para
esta missão. Todavia, é uma missão a ser exercida com humildade e
na caridade, por isso, ninguém deve gloriar-se com os resultados ou
entristecer-se com os eventuais fracassos, porque nessa tarefa
interessa apenas a fidelidade ao mandamento de Jesus. Nesse contexto,
a liturgia nos põe como tema de reflexão o diálogo de Tiago e João
com Jesus, sobre a recompensa pela opção que fizeram, encomendando
desde já um “lugar” que cada um queria ter no reino de Deus. Foi
quando Jesus disse que será melhor recompensado aquele que melhor
servir.
Inicialmente, faço uma observação
exegética sobre o trecho do evangelho lido neste domingo, retirado
de Marcos 10, 35-45. Fazendo um estudo comparativo entre os
evangelhos, podemos cotejar essa passagem com o texto análogo de
Mateus 20, 20, onde é narrado o mesmo episódio. No evangelho da
liturgia de hoje (Mc 10, 35), lemos: “Tiago
e João, filhos de Zebedeu, foram a Jesus e lhe disseram:”.
No evangelho de Mateus (20, 20), lemos: “Então,
aproximou-se d'Ele a mãe dos filhos de Zebedeu com seus filhos,
adorando-o e pedindo algo a Ele.”
A análise desses dois pequenos trechos nos mostra que devemos
ter muito cuidado com a
leitura fundamentalista da Sagrada Escritura, porque os textos às
vezes se mostram incoerentes. Afinal, quem foi fazer
o
pedido a
Jesus: os filhos de Zebedeu sozinhos ou acompanhados da mãe deles?
Por que Marcos não menciona a mãe dos apóstolos, enquanto Mateus a
inclui? Embora não seja esse um
detalhe
significativo
no
contexto da mensagem de Jesus,
no
entanto, é por
causa de detalhes como esse que
algumas
pessoas dizem
que a Bíblia é cheia de imprecisões e mentiras.
Os
biblistas explicam essa divergência dizendo que os textos de Marcos
e de Mateus possuem origens geográficas e históricas diferentes. Os
estudos históricos confirmam que os ensinamentos de Jesus, durante
vários anos, existiam nas comunidades apenas em forma oral, passando
a ser escritos somente uns 20 a 30 anos após a morte d'Ele. Havia
muitos textos esparsos e os evangelistas os colheram e, com base
neles, compuseram seus evangelhos, procurando observar a ordem
cronológica dos acontecimentos. Podemos verificar que, também na
Bíblia, funciona aquela máxima popular que diz: quem conta um
conto aumenta um ponto. Desse modo, embora o evangelho de Mateus
venha em primeiro lugar no cânon bíblico, contudo o texto de Marcos
é mais antigo. Ainda sobre o evangelho de Mateus suscita polêmica
entre os estudiosos, inclusive dúvidas sobre a sua autoria. O seu
texto original foi escrito em aramaico e só depois traduzido para o
grego, enquanto os demais foram escritos originalmente em grego. Não
vou adentrar aqui na polêmica acerca do texto desse evangelho que,
segundo os estudiosos, devia ter como título “genealogia de
Jesus”, escrito por um autor desconhecido. Quem tiver interesse
sobre o assunto, procure livros específicos, que abordam a questão
com profundidade.
Pois
bem, passemos agora ao tema da leitura, o pedido
que
os filhos de Zebedeu fizeram a Jesus: que um deles tivesse assento à
direita e outro à esquerda, no reino da Sua glória. Jesus ficou
intrigado com aquilo e falou: vocês têm certeza do
que estão pedindo? Vocês
estão dispostos a beber o mesmo cálice que eu? Eles
confirmaram e,
por fim, Jesus
arrematou:
'Vós
bebereis o cálice que eu devo beber, e sereis batizados com o
batismo com que eu devo ser batizado. Mas não depende de mim
conceder o lugar à minha direita ou à minha esquerda. É para
aqueles a quem foi reservado'. (Mc 10, 39)
E diz mais o evangelista que os outros dez ficaram indignados quando
souberam do pedido dos
dois irmãos, provavelmente, eles também queriam pedir aquilo, mas
não tiveram coragem. Ademais,
por
que razão haveriam aqueles
dois de ser privilegiados com um lugar de honra? Foi quando Jesus os
repreendeu, dizendo que a autoridade cristã não é símbolo de
honraria, mas de serviço. (Mc 10, 43)
Esse
diálogo de Cristo com os discípulos nos deixa algumas
lições importantes. Primeiro:
será que nós sabemos pedir? Quando oramos, quando fazemos nossos
pedidos a Deus, que tipo de oração fazemos? Será
que caímos no mesmo disparate
dos filhos de Zebedeu, reprovado por Jesus? Pois é, muitas vezes, a
nossa oração contém uma dose significativa de egoísmo. Pedimos
preferencialmente algo bom para cada um de nós, para
os nossos parentes e amigos, esquecendo
que o próprio Cristo ensinou que devemos buscar, em primeiro lugar,
o Reino de Deus e que o resto nos será dado por acréscimo. Em
geral, as orações dirigidas a Deus são pedidos de favorecimentos,
de bens materiais, de
bem-estar,
de uma conquista profissional, etc. Sem deixar
de falar numa
prática ainda mais extravagante
que é a de fazer um “negócio”
com Deus, uma
certa 'promessa': se eu conseguir tal coisa, vou fazer tal tarefa.
Meus amigos, quanta pretensão. Se
passássemos a vida toda fazendo penitências,
nem assim mereceríamos um único
favor divino, por menorzinho que seja, Deus nos dá tudo
gratuitamente, sem precisar de nada de nós e sem nós merecermos,
ele age por plena e inefável benevolência. As nossas orações,
portanto, devem ser muito mais para agradecer do que para pedir.
Em
segundo lugar, lembremos que a oração modelar para nós deve ser
inspirada no exemplo dado pelo próprio Jesus: quando orardes, dizei
algo assim: Pai, santificado seja o Teu nome, venha o Teu reino,
faça-se a Tua vontade... é o tipo da oração altruísta, a oração
que agrada a Deus. De orações egoístas, Deus se distancia, vira o
rosto para o outro lado. Quando Jesus perguntou aos dois filhos de
Zebedeu: vocês estão dispostos a 'beber o mesmo cálice' que eu
beberei e eles confirmaram, Jesus disse: mas isso não garantirá o
atendimento ao que estais pedindo, pois não é assim que se
conquista um lugar no Reino. E arremata: o lugar é para aqueles a
quem foi reservado. (Mc 10, 40)
Esta
resposta de Jesus é, a um só tempo, enigmática e esperançosa.
Enigmática, porque ele não revelou quem são esses a quem está
reservado o melhor lugar. Esperançosa, porque a reserva pode ser
para qualquer um deles e qualquer um de nós. Como podemos
interpretar esse enigma-esperança? A resposta, a meu ver, está na
frase seguinte do evangelho (Mc 10, 45): o Filho do Homem não veio
para ser servido, mas pra servir... ou seja, quem seguir o exemplo de
Jesus na prestação do serviço aos irmãos, é para estes que o
lugar está reservado. Foi isso que Ele deu a entender quando
ensinou: quem quiser ser grande, que seja o servo; quem quiser ser o
maior, que seja o escravo. Então, o 'lugar reservado' se destina a
quem realizar o 'serviço' tal como Ele realizou, isto é, com
humildade e sem reserva, dando tudo de si até o fim das suas forças.
Esta será a nossa melhor recompensa.
Meus
amigos, o recado de Cristo está dado para todos nós. O lugar está
reservado para quem for capaz de seguir o exemplo dele no serviço
aos irmãos, superando as tendências naturais e sociais associadas
ao ganho de prestígio
e de honrarias, especialmente quando exercemos profissões que são
consideradas relevantes socialmente. Humildade não significa vestir
trapos e andar descalço, mas é uma atitude que mora dentro do
coração. Tomando emprestado palavras do Papa Francisco aos
peregrinos em Roma, vejamos o que ele pensa: “À
vista de tantos que lutam por obter o poder e o sucesso, por dar nas
vistas, frente a tantos que querem fazer valer os seus méritos, as
suas realizações, os discípulos são chamados a fazer o contrário.
Por isso adverte-os: «Sabeis como aqueles que são considerados
governantes das nações fazem sentir a sua autoridade sobre elas, e
como os grandes exercem o seu poder. Não deve ser assim entre vós.
Quem quiser ser grande entre vós, faça-se vosso servo» (10,
42-43). Com estas palavras, Jesus indica o serviço como estilo da
autoridade na comunidade cristã. Quem serve os outros e não goza
efetivamente de prestígio, exerce a verdadeira autoridade na Igreja.
Jesus convida-nos a mudar a nossa mentalidade e a passar da ambição
do poder à alegria de se ocultar e servir; a desarraigar o instinto
de domínio sobre os outros e exercer a virtude da humildade.”
Todos
nós, que acompanhamos pela imprensa as notícias sobre a atuação
do Papa, sabemos que essas palavras dele
não
são apenas discurso mas
a sua prática concreta,
pois
ele assim vivencia no seu cotidiano. Que nós tenhamos a ousadia e
a coragem de
seguir o seu exemplo de autêntico cristão.
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