segunda-feira, 19 de agosto de 2019

COMENTÁRIO LITÚRGICO - 17º DOMINGO COMUM - 29.07.2019


COMENTÁRIO LITÚRGICO – 17º DOMINGO COMUM – A ORAÇÃO PODEROSA– 29.07.2019



Neste 17º domingo comum, a liturgia enfoca um tema super importante nos dias atuais, qual seja, o poder da oração, que é uma consequência do poder da fé. Afinal, o que significa orar? Desde criança, nós somos orientados a aprender certas orações de cor e recitá-las. Mas quem tem fé e ora espontaneamente, sem se prender a fórmulas padronizadas, faz diferença?. Coloca-se, portanto, nesse contexto, a discussão acerca das orações repetitivas em contraposição à oração criativa. Ao rezar o terço, repetimos cinquenta vezes a Ave Maria, isto é válido ou é melhor deixar falar o coração? Há justificativas teológicas para um e outro casos.

A primeira leitura, retirada de Gênesis (18, 20-32), é a continuação da leitura do domingo anterior, quando Abraão dialogou com os mensageiros desconhecidos, que o visitaram e anunciaram a gravidez de Sarah. Os mensageiros anunciaram também que, dali, iriam visitar Sodoma, a fim de conferir se aquilo que bradava aos céus contra os seus habitantes era realmente fato ou era alguma notícia inverídica, para que fossem tomadas providências. É muito curioso esse estilo do escritor sagrado de comparar Javeh com as pessoas humanas, como se Deus não tivesse condição de saber o que estava ocorrendo e necessitasse de mensageiros para darem seu testemunho. Na verdade, o objetivo da narrativa é demonstrar a força que possui a oração do justo diante de Deus. Abraão intercede sucessivas vezes pelos habitantes 'justos' de Sodoma, para que Javeh não os destrua assim como iria fazer com os ímpios. Abraão vai criando coragem e baixando o perfil: se houver 50 justos... e se forem 45... e se forem apenas 30... ou 20... ou 10... E Javeh o atende, dizendo que se houver 10 justos na cidade, ela não será destruída. Acontece que não havia nenhum. No caso, portanto, o que interessa para nós não é a antropologização de Deus, mas a lição bíblica de que ele atende as orações dos justos e também que a presença de pessoas justas, ainda que em pequeno número, faz a diferença no mundo dos ímpios. Conforme Jesus explicou em suas parábolas, o justo funciona como o fermento na massa, isto é, embora em pequena quantidade, é capaz de fazer toda a massa levedar. É o mesmo caso do exemplo da luz que, por menor que seja, ilumina todo um ambiente que antes estava escuro. O poder da oração tem uma carga energética de grande potencial, cuja ação na sociedade é capaz de produzir efeitos extraordinários.

Na leitura do evangelho, da autoria de Lucas (11, 1-13), lemos duas importantes lições de Cristo acerca da oração. Primeiro, os discípulos pedem a Ele que lhes ensine a orar, e Ele compõe na hora aquela famosa prece que continua sendo repetida hoje como “a oração que o Senhor ensinou”. Em seguida, temos as exortações que Ele faz acerca do vizinho que atende ao pedido do outro, mesmo que não seja por causa da amizade, mas até para se livrar do incômodo, e ainda acerca do pai que atende ao pedido do filho e não lhe fará nenhum mal. Ora, diz Ele: “se vós que sois maus, sabeis dar coisas boas aos vossos filhos, quanto mais o Pai do Céu dará o Espírito Santo aos que o pedirem”. As lições de Cristo seguem o mesmo padrão doutrinário do texto do Gênesis acerca da força da oração e da importância de cada um rogar a Deus segundo as suas necessidades. Pois quem pede, recebe; quem procura, encontra; e, para quem bate, se abrirá. Se observarmos bem, até mesmo a figura literária dos mensageiros que foram a Sodoma “conferir” o que estava se passando, como se Javeh não soubesse, está, de outro modo, reproduzida no ensinamento de Cristo com o “pedi e recebereis”. É claro que Deus sabe das nossas necessidades e, na lógica humana, não seria preciso que se pedisse. Mas a lógica divina ensina que devemos pedir, não porque Deus não saiba, mas porque o ato de pedir é um ato de humildade, é uma confissão de carência, é um reconhecimento de incompletude, é um golpe no nosso orgulho. Mesmo que, em tese, não houvesse a necessidade de fazer o pedido, Jesus ensina que devemos pedir como uma forma de nos aproximarmos sempre mais daquele que dispõe de tudo e que tudo pode. Acima de tudo, o ato de pedir é um ato de fé, pois aquele que não crê acha que não precisa de Deus e, desse modo, sucumbe na sua autossuficiência.

Desponta, nesse contexto temático, aquela famosa polêmica do modo segundo o qual devemos orar: seguindo as orações formulares memorizadas ou fazendo preces espontâneas, ditadas pela sensibilidade e pela emoção de cada momento? Obviamente, Cristo nunca mandou escrever orações modelares. A prece que chamamos de “pai nosso” não foi, com certeza, dada como modelo por Cristo, mas como um exemplo de como devemos nos dirigir ao Pai. A própria estrutura tríplice do “pai nosso” demonstra que devemos sempre, em nossas orações, em primeiro lugar, agradecer e louvar; depois, pedir e, por fim, ter misericórdia. É importante observar isso, porque na maioria das vezes, as pessoas rezam apenas para pedir algo, fazem uma espécie de contrato com Deus: me dê isso que eu rezo durante tantos dias. E se zangam com Deus porque não recebem. Alguns até abandonam a religião em protesto. Lamentavelmente, a pedagogia catequética tradicional levou as pessoas a identificarem a oração com um pedido de suprimento de alguma necessidade. Daí se criaram as “promessas”, os novenários, os devocionais, o costume de orar somente quando a pessoa se encontra em necessidade premente, precisa de ser urgentemente atendido, senão perde a fé e não vai rezar mais. Não podemos deixar de reconhecer que este é um fato corriqueiro na vida religiosa do nosso povo, sendo inclusive esse um motivo de “mudança de religião”, porque não conseguiu o que pretendia numa igreja, então vai procurar outra, como se Deus estivesse mais presente ali do que aqui. Em verdade, o que muda não é o espírito divino, mas a fé do crente.

Pois bem. Ao longo dos séculos, as autoridades eclesiásticas foram compondo textos de orações que se tornaram padronizadas, de modo que a catequese consistia, em grande parte, na memorização desses textos orantes. E a grande maioria dos fiéis só sabe rezar esses textos oficiais, como se apenas estes fossem válidos diante de Deus. É bem verdade que algumas pessoas não têm aquele “dom” de fazer preces bonitas, com palavras e frases bem-compostas. Isso não se refere apenas aos fiéis leigos, mas também aos sacerdotes. Nos primeiros tempos do cristianismo, não havia um “cânon” da missa, mas cada celebrante inventava o texto na hora da celebração. Ocorre que alguns sacerdotes mais cultos e devotos conseguiam compor orações mais completas e que agradavam mais à comunidade, enquanto outros tinham dificuldade em fazer belas preces. Assim, aos poucos foram se introduzindo textos padronizados para a celebração da missa e para as diversas orações a serem ditas nos cultos públicos. Chegou a um ponto tal essa burocracia do texto orante que, em determinada época, o celebrante cometia pecado venial se mudasse as palavras das orações oficiais. Atualmente, o celebrante tem certa liberdade para inovar, o que antes não era permitido. Ora, há pessoas que até questionam a tradução de certos trechos litúrgicos, quando são passados para as línguas vernaculares, o que demonstra que a prática da oração formular ainda é bastante forte.

Uma outra forma orante que causa certo incômodo para alguns fiéis é a das orações repetitivas. O terço mariano, por exemplo, é uma dessas orações criticadas. Que sentido faz repetir o mesmo texto de uma oração por cinquenta vezes? Por outro lado, há vários testemunhos de videntes que afirmam ter recebido de Maria a instrução-recomendação para a recitação do rosário, assim como de outros textos devocionais consagrados pela prática religiosa popular. Embora devamos reconhecer que essas repetições levam, na maioria das vezes, à distração mental porque se torna um comportamento mecânico e tedioso, não podemos deixar de reconhecer que muitas pessoas têm conseguido a obtenção de favores miraculosos com essas orações. Portanto, o que podemos dizer acerca desses vários tipos de orações é que, mais importante e mais operante do que o texto da oração será a fé do crente. Aquele que ora expressando sincera e honestamente a sua fé estará realizando o mandamento de Cristo “pedi e recebereis”, seja através das orações com textos prontos, seja através das orações espontâneas e criativas, porque acima das palavras da prece está a comunhão espiritual com Deus, através da fé. E isso é o que efetivamente Deus escuta e retribui: o coração sincero.

Que a nossa oração seja sempre a verdadeira expressão da nossa fé.

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