COMENTÁRIO LITÚRGICO – 17º DOMINGO
COMUM – A ORAÇÃO PODEROSA– 29.07.2019
Neste 17º domingo comum, a liturgia
enfoca um tema super importante nos dias atuais, qual seja, o poder
da oração, que é uma consequência do poder da fé. Afinal, o que
significa orar? Desde criança, nós somos orientados a aprender
certas orações de cor e recitá-las. Mas quem tem fé e ora
espontaneamente, sem se prender a fórmulas padronizadas, faz
diferença?. Coloca-se, portanto, nesse contexto, a discussão acerca
das orações repetitivas em contraposição à oração criativa. Ao
rezar o terço, repetimos cinquenta vezes a Ave Maria, isto é válido
ou é melhor deixar falar o coração? Há justificativas teológicas
para um e outro casos.
A primeira leitura, retirada de Gênesis
(18, 20-32), é a continuação da leitura do domingo anterior,
quando Abraão dialogou com os mensageiros desconhecidos, que o
visitaram e anunciaram a gravidez de Sarah. Os mensageiros anunciaram
também que, dali, iriam visitar Sodoma, a fim de conferir se aquilo
que bradava aos céus contra os seus habitantes era realmente fato ou
era alguma notícia inverídica, para que fossem tomadas
providências. É muito curioso esse estilo do escritor sagrado de
comparar Javeh com as pessoas humanas, como se Deus não tivesse
condição de saber o que estava ocorrendo e necessitasse de
mensageiros para darem seu testemunho. Na verdade, o objetivo da
narrativa é demonstrar a força que possui a oração do justo
diante de Deus. Abraão intercede sucessivas vezes pelos habitantes
'justos' de Sodoma, para que Javeh não os destrua assim como iria
fazer com os ímpios. Abraão vai criando coragem e baixando o
perfil: se houver 50 justos... e se forem 45... e se forem apenas
30... ou 20... ou 10... E Javeh o atende, dizendo que se houver 10
justos na cidade, ela não será destruída. Acontece que não havia
nenhum. No caso, portanto, o que interessa para nós não é a
antropologização de Deus, mas a lição bíblica de que ele atende
as orações dos justos e também que a presença de pessoas justas,
ainda que em pequeno número, faz a diferença no mundo dos ímpios.
Conforme Jesus explicou em suas parábolas, o justo funciona como o
fermento na massa, isto é, embora em pequena quantidade, é capaz de
fazer toda a massa levedar. É o mesmo caso do exemplo da luz que,
por menor que seja, ilumina todo um ambiente que antes estava escuro.
O poder da oração tem uma carga energética de grande potencial,
cuja ação na sociedade é capaz de produzir efeitos
extraordinários.
Na leitura do evangelho, da autoria de
Lucas (11, 1-13), lemos duas importantes lições de Cristo acerca da
oração. Primeiro, os discípulos pedem a Ele que lhes ensine a
orar, e Ele compõe na hora aquela famosa prece que continua sendo
repetida hoje como “a oração que o Senhor ensinou”. Em seguida,
temos as exortações que Ele faz acerca do vizinho que atende ao
pedido do outro, mesmo que não seja por causa da amizade, mas até
para se livrar do incômodo, e ainda acerca do pai que atende ao
pedido do filho e não lhe fará nenhum mal. Ora, diz Ele: “se vós
que sois maus, sabeis dar coisas boas aos vossos filhos, quanto mais
o Pai do Céu dará o Espírito Santo aos que o pedirem”. As lições
de Cristo seguem o mesmo padrão doutrinário do texto do Gênesis
acerca da força da oração e da importância de cada um rogar a
Deus segundo as suas necessidades. Pois quem pede, recebe; quem
procura, encontra; e, para quem bate, se abrirá. Se observarmos bem,
até mesmo a figura literária dos mensageiros que foram a Sodoma
“conferir” o que estava se passando, como se Javeh não soubesse,
está, de outro modo, reproduzida no ensinamento de Cristo com o
“pedi e recebereis”. É claro que Deus sabe das nossas
necessidades e, na lógica humana, não seria preciso que se pedisse.
Mas a lógica divina ensina que devemos pedir, não porque Deus não
saiba, mas porque o ato de pedir é um ato de humildade, é uma
confissão de carência, é um reconhecimento de incompletude, é um
golpe no nosso orgulho. Mesmo que, em tese, não houvesse a
necessidade de fazer o pedido, Jesus ensina que devemos pedir como
uma forma de nos aproximarmos sempre mais daquele que dispõe de tudo
e que tudo pode. Acima de tudo, o ato de pedir é um ato de fé, pois
aquele que não crê acha que não precisa de Deus e, desse modo,
sucumbe na sua autossuficiência.
Desponta, nesse contexto temático,
aquela famosa polêmica do modo segundo o qual devemos orar: seguindo
as orações formulares memorizadas ou fazendo preces espontâneas,
ditadas pela sensibilidade e pela emoção de cada momento?
Obviamente, Cristo nunca mandou escrever orações modelares. A prece
que chamamos de “pai nosso” não foi, com certeza, dada como
modelo por Cristo, mas como um exemplo de como devemos nos dirigir ao
Pai. A própria estrutura tríplice do “pai nosso” demonstra que
devemos sempre, em nossas orações, em primeiro lugar, agradecer e
louvar; depois, pedir e, por fim, ter misericórdia. É importante
observar isso, porque na maioria das vezes, as pessoas rezam apenas
para pedir algo, fazem uma espécie de contrato com Deus: me dê isso
que eu rezo durante tantos dias. E se zangam com Deus porque não
recebem. Alguns até abandonam a religião em protesto.
Lamentavelmente, a pedagogia catequética tradicional levou as
pessoas a identificarem a oração com um pedido de suprimento de
alguma necessidade. Daí se criaram as “promessas”, os
novenários, os devocionais, o costume de orar somente quando a
pessoa se encontra em necessidade premente, precisa de ser
urgentemente atendido, senão perde a fé e não vai rezar mais. Não
podemos deixar de reconhecer que este é um fato corriqueiro na vida
religiosa do nosso povo, sendo inclusive esse um motivo de “mudança
de religião”, porque não conseguiu o que pretendia numa igreja,
então vai procurar outra, como se Deus estivesse mais presente ali
do que aqui. Em verdade, o que muda não é o espírito divino, mas a
fé do crente.
Pois bem. Ao longo dos séculos, as
autoridades eclesiásticas foram compondo textos de orações que se
tornaram padronizadas, de modo que a catequese consistia, em grande
parte, na memorização desses textos orantes. E a grande maioria dos
fiéis só sabe rezar esses textos oficiais, como se apenas estes
fossem válidos diante de Deus. É bem verdade que algumas pessoas
não têm aquele “dom” de fazer preces bonitas, com palavras e
frases bem-compostas. Isso não se refere apenas aos fiéis leigos,
mas também aos sacerdotes. Nos primeiros tempos do cristianismo, não
havia um “cânon” da missa, mas cada celebrante inventava o texto
na hora da celebração. Ocorre que alguns sacerdotes mais cultos e
devotos conseguiam compor orações mais completas e que agradavam
mais à comunidade, enquanto outros tinham dificuldade em fazer belas
preces. Assim, aos poucos foram se introduzindo textos padronizados
para a celebração da missa e para as diversas orações a serem
ditas nos cultos públicos. Chegou a um ponto tal essa burocracia do
texto orante que, em determinada época, o celebrante cometia pecado
venial se mudasse as palavras das orações oficiais. Atualmente, o
celebrante tem certa liberdade para inovar, o que antes não era
permitido. Ora, há pessoas que até questionam a tradução de
certos trechos litúrgicos, quando são passados para as línguas
vernaculares, o que demonstra que a prática da oração formular
ainda é bastante forte.
Uma outra forma orante que causa certo
incômodo para alguns fiéis é a das orações repetitivas. O terço
mariano, por exemplo, é uma dessas orações criticadas. Que sentido
faz repetir o mesmo texto de uma oração por cinquenta vezes? Por
outro lado, há vários testemunhos de videntes que afirmam ter
recebido de Maria a instrução-recomendação para a recitação do
rosário, assim como de outros textos devocionais consagrados pela
prática religiosa popular. Embora devamos reconhecer que essas
repetições levam, na maioria das vezes, à distração mental
porque se torna um comportamento mecânico e tedioso, não podemos
deixar de reconhecer que muitas pessoas têm conseguido a obtenção
de favores miraculosos com essas orações. Portanto, o que podemos
dizer acerca desses vários tipos de orações é que, mais
importante e mais operante do que o texto da oração será a fé do
crente. Aquele que ora expressando sincera e honestamente a sua fé
estará realizando o mandamento de Cristo “pedi e recebereis”,
seja através das orações com textos prontos, seja através das
orações espontâneas e criativas, porque acima das palavras da
prece está a comunhão espiritual com Deus, através da fé. E isso
é o que efetivamente Deus escuta e retribui: o coração sincero.
Que a nossa oração seja sempre a
verdadeira expressão da nossa fé.
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