segunda-feira, 19 de agosto de 2019

COMENTÁRIO LITÚRGICO - 19º DOMINGO COMUM - 11.08.2019


COMENTÁRIO LITÚRGICO – 19º DOMINGO COMUM – VIGIAR SEMPRE – 11.08.2019



A liturgia deste 19º domingo comum nos convida a refletir sobre a necessidade da permanente vigilância acerca dos princípios da nossa fé, que fundamentam a nossa ação no mundo, iluminam o nosso exemplo de cristãos. Ser cristão não é uma diversão, um entretenimento, um modismo, uma estratégia publicitária, mas uma fé que exige um engajamento, um conjunto de atitudes e atividades que envolvem todo o nosso ser pessoal. Ninguém pode ser cristão apenas pela metade, esse cristianismo de fachada, pode até ser praticado por alguns crentes que se contentam em manifestações exteriores da sua fé, mas foi combatido por Cristo na sua catequese aos discípulos, de acordo com o que lemos no evangelho deste domingo.

A primeira leitura, retirada do livro da Sabedoria (Sb 18, 6-9), relembra a noite em que o povo foi libertado do Egito, quando Javeh demonstrou a sua fidelidade para com as promessas feitas através de Moisés ao povo, que n'Ele depositou sua fé. A ação miraculosa de Javeh foi, ao mesmo tempo, salvação para os justos e perdição para os inimigos. Os que acreditaram n'Ele foram contemplados com a sua força vencedora e os que não creram experimentaram o peso da sua ira. O livro da Sabedoria, cuja autoria era tradicionalmente atribuída a Salomão, é considerado pela crítica literária o texto mais recente do Antigo Testamento, tendo sido escrito numa época em que a cultura grega já ganhava espaço dentre os judeus. Trata-se, portanto, de uma obra pós-exílica, bem posterior ao tempo de Salomão, incluído tardiamente no cânone dos livros bíblicos. O objetivo do seu autor é recordar ao povo as suas raízes históricas, para deste modo fortalecer-lhes na fé e não deixar que sejam atraídos pelas novas doutrinas que apareciam. O texto busca resgatar e condensar os ensinamentos tradicionais básicos, produzidos pelos ancestrais do povo durante toda a sua caminhada, desde a libertação do Egito, demonstrando a superioridade de Javeh sobre os deuses dos outros povos.

A segunda leitura é retirada da carta aos Hebreus (Hb 11, 1-19). Esta carta, por muito tempo, foi aceita como tendo sido escrita por Paulo, por causa do pensamento grego inerente ao seu texto, que é uma característica dos escritos paulinos. Contudo, atualmente a crítica literária já descartou a autoria de Paulo, embora não se saiba, com certeza, quem teria sido seu autor. Nas Bíblias, ela ainda consta no final da listagem das cartas de Paulo, mas apenas por uma questão de organização de capítulos, pois não há certeza de quem a escreveu. Cogitou-se que poderia ter sido Timóteo ou Clemente de Alexandria, porém não há elementos históricos que corroborem essas hipóteses. O certo é que seu autor foi alguém da comunidade grega muito entrosado com a fé judaica, pois a exemplo do livro da Sabedoria, também procura resgatar esta tradição numa época muito marcada pela influência grega.

No início deste capítulo 11, o autor dá a mais perfeita definição do que seja a fé: “um modo de já possuir o que ainda se espera”, é o conceito do “já e ainda não”, que também se encontra nos escritos paulinos. O autor da carta coloca como exemplo para esse conceito a extraordinária fé de Abraão, que superou todas as adversidades pela sua confiança na promessa de Javeh. Desde a gravidez de Sarah, em idade avançada, até a peregrinação pelo desconforto do deserto, morando em tendas precárias, passando pela provação experimentada, quando foi chamado a imolar seu único filho, Abraão nunca vacilou na sua crença na promessa de Javeh, pois sabia que Ele tem poder até de ressuscitar dos mortos. Pela sua fé inquebrantável, Abraão foi sempre uma referência para os escritores bíblicos, quando este assunto estava em pauta. Até Jesus Cristo, naquele episódio do centurião que disse “basta uma palavra tua” (sed tantum dic verbum), declarou: nunca vi tamanha fé em Israel. A fé demonstrada pelo centurião no Novo Testamento se equipara ao exemplo de fé de Abraão.

Os exemplos de Abraão, no Antigo Testamento, e do centurião, no Novo Testamento, demonstram para nós o tamanho do compromisso que brota da fé. Crer é integrar a fé na sua vida inteira e não apenas em parte dela nem apenas quando a ocasião coloca o crente em algum aperto. Fé significa viver cada dia com aquela mesma confiança e certeza, aconteça o que acontecer, vigiando para que nenhuma adversidade venha nos desviar deste caminho. As leituras da Sabedoria e de Hebreus reforçam a importância da fé incondicional como sendo aquela que Deus espera do fiel. Abandonar-se nas mãos de Deus não significa ficar de braços cruzados, sem fazer nada, esperando que Deus faça seus milagres a todo momento, mas sim fazendo cada um a sua parte, na convicção de que o resultado final será conduzido pela fidelidade daquele a quem servimos. Este é o significado da definição teológica da fé, contida nesse texto: “A fé é um modo de já possuir o que ainda se espera, a convicção acerca de realidades que não se veem.” (Hb 11, 1). Esta frase sozinha vale por um tratado teológico inteiro.

Na leitura do evangelho de Lucas (12, 32-48), temos uma catequese particular de Jesus para os discípulos. Algumas vezes, Ele catequizava os discípulos ao mesmo tempo em que ensinava também as multidões. Mas em outros momentos, Ele se dirigia especificamente ao pequeno grupo, como é o caso da leitura de hoje: “Não tenhais medo, pequenino rebanho, pois foi do agrado do Pai dar a vós o Reino.” (Lc 12, 32) O pequenino rebanho, no caso, é o seu grupo de escolhidos para continuarem o trabalho, depois que Ele retornasse ao Pai. Então, Jesus vai ministrar-lhe lições bem diretas: vocês devem ser vigilantes como empregados que esperam o patrão, que pode chegar a qualquer momento, para abrir-lhe imediatamente a porta. Por outras palavras, o verdadeiro crente é aquele que está sempre alerta, aquele cuja fé não tira férias, cuja fidelidade nunca esmorece ou dormita. Para estes, o patrão vai oferecer um banquete no qual ele próprio será o garçon. Esta será a retribuição aos que crerem de todo o coração e perseverarem inabaláveis na sua fé.

Porém, Jesus faz outra advertência aos discípulos, para que eles não ajam como servos “confiados”, ou seja, aqueles que o patrão deixou como administradores e na ausência dele, porém passam a explorar os outros empregados, passam a regalar-se de comida e bebida até se fartarem e, quando o patrão retorna, os encontra embriagados. Para estes, não haverá retribuição, e sim, castigo. E essa advertência de Jesus se dirige também para nós. A nossa condição de cristãos não deve nos levar a tirar proveito da situação, de nos considerarmos melhores do que os outros irmãos da fé e do que as pessoas que praticam outras crenças religiosas. O ser cristão para nós deve acarretar o compromisso de dar o exemplo para que os irmãos nos vejam e sejam estimulados a nos imitarem, isto é, eles devem ser convencidos pelo nosso testemunho e pelo nosso exemplo, e não ser tratados com desdém ou menosprezo. O Papa Francisco tem, repetidas vezes, enfatizado isso na sua catequese, superando aquela doutrina tradicional de que somente na Igreja Católica as pessoas serão salvas, como se isso fosse automático. Os cristãos “confiados” podem ser surpreendidos com a reprovação, enquanto pessoas de outras crenças, mas cuja conduta está de acordo com o evangelho, receberão aprovação.

Esta vigilância que Jesus exige de seus seguidores estende-se a todos, tanto os fiéis leigos quanto os fiéis consagrados e os ordenados. Quantas vezes, infelizmente, encontramos sacerdotes e bispos autoritários e prepotentes, que estão longe do modelo traçado por Cristo no evangelho deste domingo. Quantos personagens, ao longo da história eclesiástica (papas, bispos, purpurados) se comportaram como autênticos chefes políticos e não como aqueles que foram escolhidos para servirem ao povo de Deus. Outrora como nos dias atuais, não é raro encontrarmos exemplos de “empregados confiados” que esqueceram a palavra de Cristo: “'Meu patrão está demorando', e começar a espancar os criados e as criadas, e a comer, a beber e a embriagar-se, o senhor daquele empregado chegará num dia inesperado e numa hora imprevista, ele o partirá ao meio e o fará participar do destino dos infiéis.” (Lc 12, 45-46). Vejamos que a consequência desse comportamento é terrível: o empregado será partido ao meio e irá participar do destino dos infiéis. E Jesus complementa dizendo que a exigência da fé será proporcional ao conjunto dos talentos recebidos, ou seja, a quem muito foi dado, muito será pedido. “Aquele empregado que, conhecendo a vontade do senhor, nada preparou, nem agiu conforme a sua vontade, será chicoteado muitas vezes.” (Lc 12, 47)

Deus quer de nós fidelidade sempre, não apenas no comparecimento da missa aos domingos e na participação dos sacramentos, não apenas em determinadas horas do dia ou em determinados dias da semana, mas a cada minuto de vida que Ele nos dá. Que nós aprendamos a agir sempre como os empregados vigilantes, elogiados pelo patrão.

****

Nenhum comentário:

Postar um comentário