sábado, 22 de julho de 2023

COMENTÁRIO LITÚRGICO - 16 º DOMINGO COMUM - 23.07.2023

 

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 16º DOMINGO COMUM – PARÁBOLAS DO REINO – 23.07.2023


Caros Confrades:


Neste 16º domingo comum, as leituras escolhidas abordam a ação do Espírito Santo na nossa vida, seja através da forma de Sabedoria, como era no Antigo Testamento, seja na forma de sopro divino, como explica São Paulo, na epístola aos Romanos, quando diz que, na nossa fraqueza, não sabemos o que pedir a Deus nem como pedir, mas nesse momento, o Espírito intercede em nosso favor. Na leitura do evangelho de Mateus, a temática deste domingo se concentra nas parábolas do reino, os exemplos pedagógicos utilizados por Jesus Cristo, para simbolizar a nossa realidade definitiva, que já iniciamos nesta vida terrena, ou seja, o “Reino” que nos está assegurado pela sua ação redentora. Embora seja uma realidade futura, o reino já pode ser vivido na nossa condição atual, foi exatamente isso que Jesus veio nos ensinar.


Na primeira leitura, do livro da Sabedoria (12, 13-19), o autor sagrado faz o contraponto entre a força e a justiça. Dentro da mentalidade judaica antiga, ainda não se falava no Espírito Santo. Então, a Sabedoria é a figura que antecipa o Espírito, que foi revelado por Jesus tempos depois. A Sabedoria antiga se identifica com o próprio Javeh e este era visto como uma autoridade poderosa e ciumenta, que aplicava castigos aos que não acreditavam nele, mas julgava com clemência os crentes. Dentro dessa visão de justiça, Javeh era também complacente com os arrependidos, sempre disposto a perdoar os pecadores. Com isso, o hagiógrafo afirma que Javeh está ensinando como deve ser a aplicação da justiça pelas autoridades da sociedade: “Assim procedendo, ensinaste ao teu povo que o justo deve ser humano” (12, 19). Ou seja, a autoridade social deve sempre tomar como medida da justiça a regra da humanidade. Quanto a Javeh, contudo, o escritor sagrado afirma que “quando quiseres, está ao teu alcance o uso do teu poder” (12, 18), essa, porém, não é a regra a ser utilizada pelo governante da sociedade. No contexto do povo de Israel, a figura de Salomão é o exemplo mais acabado dessa forma sapiente de governar, ele que teve um reinado de muita riqueza e prosperidade, o qual foi tomado como uma prefiguração do reino de Deus, que Cristo viria anunciar futuramente. Se o reino de Salomão, que era puramente terrestre, trouxe tantos bens e glórias para os israelitas, muito mais bênçãos e riquezas trará o novo Reino anunciado por Jesus.


Na atual sociedade, soa impróprio o uso teológico do conceito de “reino”, porque é um estereótipo que transmite uma ideia de riqueza, de ostentação e triunfalismo, não compatível com a imagem que a Igreja de Cristo deve demonstrar. É óbvio que essa terminologia se encontra no evangelho porque essa era a realidade social do tempo de Cristo, mas Ele próprio explicou diversas vezes que o reino d'Ele “não é deste mundo”, detalhe que ficou durante muito tempo esquecido pelas autoridades eclesiásticas e algumas delas, ainda hoje, mantêm essa visão triunfalista. Por essa razão, é sempre necessário referir-se ao “reino” de Deus entre aspas, a fim de caracterizar a autêntica figura que a Igreja deve apresentar. O Papa Francisco tem dado exemplos marcantes dessa nova forma de compreender o “reino”, com suas vestes simples, sua atenção com os mais pobres, andando de ônibus em vez de andar em carro oficial, fazendo refeições com os pedintes de Roma, dando dessa forma o melhor exemplo de que o “reino” de Deus é de todas as pessoas, das pessoas comuns, retirando aquela barreira e aquele distanciamento que sempre houve entre as autoridades eclesiásticas e os demais cristãos.


A segunda leitura, de Paulo aos Romanos (8, 26-27), enfatiza a ação do Espírito Santo, que realiza, no Novo Testamento, aquelas ações que a cultura judaica apresentava com o título de Sabedoria, que se identificava com o próprio Javé. Os cristãos romanos eram os mais intelectuais das diversas comunidades gentias doutrinadas por Paulo. Bem versados na filosofia grega, Paulo explica aos cristãos romanos a ação própria do Espírito Santo, que intercede em nosso favor “com gemidos inefáveis”, ou seja, os romanos deveriam perceber o significado cristão do termo “espírito”, diferente da noção grega, que eles tinham. O “espírito grego” é sinônimo da racionalidade, da clareza lógica, da argumentação silogística; Paulo diz então que, ao contrário, o Espírito Santo se expressa com gemidos inefáveis, ou seja, com “palavras” que a razão não compreende, mas Deus, que penetra no íntimo dos nossos corações, sabe qual é a “intenção” do Espírito e, mesmo que nós não sejamos capazes de alcançar esse entendimento, o Espírito intercede por nós segundo o entendimento de Deus, e isso é o que importa. Paulo usa (vers. 27) o termo “santos” para significar os cristãos. Convém lembrar que o termo “cristãos” não era de uso comum nessa época, pois fora criado na Igreja de Antioquia e ainda não havia se espalhado como conceito geral para indicar os discípulos de Cristo. Por isso, em suas cartas, Paulo usava o termo “santos”, ou seja, os que foram salvos por Jesus.


No evangelho de Mateus (Mt 13, 24-43), Jesus nos dá três exemplos bem simples e compreensíveis do que seja o “reino de Deus”, através de parábolas. Na primeira metáfora, Ele diz: “O Reino dos Céus é como um homem que semeou boa semente no seu campo. Enquanto todos dormiam, veio seu inimigo, semeou joio no meio do trigo, e foi embora.” A dicotomia trigo-joio tem sido muito invocada na tradição para indicar a distinção entre cristãos e não cristãos. Observemos que, no texto da parábola, quem semeou o joio no meio do trigo foi o “inimigo”. Mais adiante no texto (13, 36), os discípulos pedem a Jesus que explique a parábola para eles, então Jesus diz que o “inimigo” é o “diabo”. Mas, vamos com calma aqui. O diabo não é o demônio, o capeta, o satanás. Na literatura ocidental, essas palavras carregam um significado terrível e são consideradas sinônimas. Mas, como disse, vamos com calma aqui, façamos antes uma análise etimológica. No texto grego, temos “ó speíras autá estin ó diábolos”, frase que São Jerônimo traduziu por “inimicus autem est diabolus” (o inimigo é o diabo). Porém, o vocábulo grego “diabolos” tem um significado bem diferente do diabo português. A palavra vem do verbo grego “diaballô”, que significa, espalhar (sementes e também boatos), caluniar, difamar. Então, o “diábolos” grego é o invejoso, o caluniador, o maledicente, o fofoqueiro. Não nos deixemos levar pelo símbolo cultural que a figura diabólica representa, porque assim nos desviaremos do autêntico significado da mensagem de Cristo. E, com isso, devemos também vigiarmo-nos continuamente, para não sermos “diabólicos” nas nossas relações humanas.


Na segunda metáfora, Jesus diz: “O Reino dos Céus é também como uma semente de mostarda, que um homem pega e semeia no seu campo ” Embora se trate de uma semente bem pequenina, porém, ao germinar, tornar-se-á uma árvore frondosa, onde os pássaros virão pousar. O “reino” tem essa característica da transformação. Por menor que seja a nossa ação em favor do “reino”, o resultado será de grandes proporções, porque nós apenas plantamos, mas quem produz os frutos é o Espírito.


Terceira metáfora: “O Reino dos Céus é como o fermento que uma mulher pega e mistura com três porções de farinha, até que tudo fique fermentado.” A imagem do fermento é também muito significativa, porque ao se misturar com a massa, o fermento não mais se distingue dela, no entanto, os resultados são logo percebidos através do efeito da levedura, que faz multiplicar o seu volume. E completa o evangelista, dizendo que Jesus sempre falava ao povo usando parábolas, o seu modelo pedagógico preferido. De fato, os termos de comparação do “reino” com uma semente, uma planta, uma massa levedada, eram todas imagens familiares ao público ouvinte. Dizia o Padre Luiz Uchoa, meu professor de Bíblia, que essas parábolas não foram pronunciadas por Cristo numa mesma ocasião, assim em sequência conforme está escrito no evangelho de Mateus, mas foram proferidas e repetidas ao longo de diversas alocuções, de modo que ficaram guardadas na memória do povo. Só muito posteriormente, essas metáforas usadas por Cristo em ocasiões diversas foram recolhidas e colecionadas num mesmo escrito. Isso explica o motivo pelo qual os objetos de comparação muitas vezes não são similares. Por certo, de acordo com o momento e conforme a qualidade dos ouvintes, Jesus utilizava uns ou outros modelos, de maneira a causar sempre o melhor impacto. Foi isso que o tornou um pregador famoso, a quem todas as pessoas acorriam para ouvir.


Posteriormente. de forma reservada, embora nem sempre o evangelista relate isso, Jesus explicava detalhadamente as parábolas para os discípulos, pois sabe-se que eles não eram pessoas de grande cultura e, assim como os ouvintes em geral, muitas vezes não alcançavam o significado daqueles discursos. No evangelho em comento, Jesus explica apenas a parábola do trigo-joio, levando-nos a supor que o evangelista colocou esta explicação ali só como um exemplo. Num sentido trans-histórico, em cada época os leitores podem servir-se da pedagogia de Cristo para referenciar seus ensinamentos aos fatos cotidianos e é isso que faz com que o texto do evangelho seja sempre atual.


Que o divino Mestre nos conceda a sabedoria salomônica para sempre sabermos praticar a justiça com humanidade.


Com um cordial abraço.

Antonio Carlos

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