sábado, 15 de julho de 2023

COMENTÁRIO LITÚRGICO - 15º DOMINGO COMUM - 16.07.2023

 

COMENTÁRIO LITÚRGICO 15º DOMINGO COMUM - O SEMEADOR16.07.2023


Caros Confrades,


A liturgia deste domingo se concentra na eficácia da Palavra de Deus, que sempre se realiza entre os homens e não deixa de produzir seus efeitos. Assim diz o profeta Isaías, na primeira leitura, fazendo comparação com a chuva que cai do céu e fecunda a terra. E o evangelista Mateus nos recorda a parábola do semeador, uma das mais conhecidas e uma das poucas que foi explicada pelo próprio Jesus aos apóstolos. Diz o texto latino: “Ecce exiit qui seminat seminare.” (Eis que saiu aquele que semeia para semear). Esta parábola traz à tona alguns assuntos bastante intrigantes para nós, dentre os imensos desafios colocados ali por Jesus.


Primeiramente, gostaria de lembrar que nós todos um dia fomos 'seminados'. Isto é, fomos lançados como sementes. A instituição do Seminário foi criada no Concílio de Trento para semear novas sementes do sacerdócio ministerial. Nós continuamos a ser essas sementes, mesmo não tendo permanecido na vida religiosa, porque a semente da Palavra de Deus, uma vez lançada em nós, continua frutificando. É como se a semente que foi lançada em todos nós, saindo do Seminário, tivesse sido transplantada para outros campos, pois as nossas raízes continuam lá, essa é uma constatação que se reforça a cada novo encontro, a cada conversa do grupo.


A primeira leitura, do profeta Isaías (55, 10, 11), atesta que a Palavra de Deus é sempre eficaz. Na leitura litúrgica de ontem, sábado (Is 6, 6), o Profeta relatava de que modo a “semente” foi lançada em sua pessoa: estando em oração diante do altar em oração, um querubim retirou uma brasa do turíbulo e tocou com ela em seus lábios. Aquele foi o sinal e aquela foi a unção que o transformou em profeta. As palavras proferidas pela sua boca, dali em diante, se revestiam da mesma autoridade da palavra divina. E as profecias de Isaías são conhecidas pela sua precisão e seu detalhamento.


Na segunda leitura, de Paulo aos Romanos, o Apóstolo anseia pela manifestação dos filhos de Deus. “Toda a criação [diz ele] está esperando ansiosamente o momento de se revelarem os filhos de Deus…” pois “ela espera ser libertada da escravidão da corrupção e, assim, participar da liberdade e da glória dos filhos de Deus.” (Rm 8, 21) Ora, como será essa manifestação ou essa revelação dos filhos de Deus? Será através do testemunho que os seguidores de Cristo farão, pondo em prática os seus mandamentos diante da sociedade, que está gemendo como a mulher diante das dores do parto, aguardando os frutos do Espírito. Estes se manifestarão através de nossas palavras e ações e isso acontecerá quando os cristãos, cumprindo os mandamentos de Jesus, se tornarem iguais ao fermento na massa, fazendo germinar os frutos da Palavra de Deus. Diz o apóstolo Paulo que, na verdade, “toda a criação” está ansiando por este momento, porque através da mensagem de Jesus, também a natureza ficará libertada da corrupção e da morte. Paulo reforça, desse modo, a profecia de Isaías a respeito da eficácia da Palavra de Deus, segundo a qual, assim como a chuva que cai, a Palavra de Deus fará fecundar a terra e germinar as sementes plantadas. As duas primeiras leituras, portanto, desembocam na imagem da semeadura e na atividade do semeador.


Passando ao tema do evangelho de Mateus (13, 1-23), abordando ao assunto da semeadura na conhecida parábola de Jesus, podemos nos concentrar em dois pontos importantes.


Primeiro, é o fato incomum de trazer o evangelista a explicação da parábola, feita aos apóstolos pelo próprio Jesus. É de se supor que essa fosse uma prática comum, quando o grupo dos apóstolos retornava, com Jesus, das atividades do dia e se recolhiam para a refeição noturna e o descanso, momento em que Jesus conversava em particular com eles. Embora os evangelhos não tragam essas explicações em relação às demais parábolas, tal prática devia fazer parte da estratégia pedagógica de Jesus.


Deduz-se isso do seguinte detalhe: quando os discípulos perguntam a Jesus “por que você fala às pessoas em parábolas?”, isto é, por que você não fala logo claramente para todos? E Jesus responde: “porque a vós foi dado o conhecimento dos mistérios do Reino dos Céus, mas a eles não é dado," para que olhando, não vejam, e ouvindo, não entendam. E aqui, Jesus retoma uma queixa do profeta Isaías: “Porque o coração deste povo se tornou insensível e ouviram de má vontade e fecharam seus olhos..." minha gente, isso é muito duro. Então, Jesus já estaria previamente condenando os judeus, porque não quiseram aceitá-lo e reconhecê-lo como o Messias? Não creio que fosse isso, mas sim que Jesus já sabia dos acontecimentos futuros e via que já não mais adiantava tentar dialogar com os judeus, eram um caso perdido.


Essas palavras duras de Jesus, certamente, não se dirigiam àquele povo judeu que o acompanhava, o povo simples, mas aos seus chefes, aos seus sacerdotes, pois no meio daquelas pessoas simples que o ouviam, havia os infiltrados, os olheiros. Quanto ao povo de boa fé, Jesus estava preparando os apóstolos para, depois, continuarem a disseminar os seus ensinamentos, tanto àqueles que o ouviam e também aos outros, que não tiveram oportunidade de ouvi-lo. Ele estava literalmente lançando a semente. Essa semente ainda precisava medrar e desabrochar, mas já ficou lançada. Podemos dizer que os judeus seriam aquele terreno pedregoso ou espinhoso, onde ele já sabia que a semente não iria germinar. Mas lançou também por ali, porque no meio de todo terreno pedregoso sempre há alguma porção de terra, no meio dos espinhos há sempre algum espaço livre e assim a semente poderia germinar. Ou seja, Jesus não estava de antemão condenando os judeus, mas não queria desperdiçar seu tempo (que ele sabia ser curto) com um auditório que teimava em não compreender. Deixaria esse trabalho de reforço para os seus apóstolos. Trazendo isso para a nossa realidade, precisamos cuidar para que o nosso coração também não se torne rígido e insensível, para que o nosso orgulho e a nossa arrogância não nos transformem nesses terrenos pedregosos e espinhosos, inadequados para a semeadura, tal como outrora se apresentaram os judeus.


O outro ponto importante a destacar é aquele em que Jesus nos deixa ainda mais intrigados, quando diz: "Porque a vós foi dado o conhecimento dos mistérios do Reino dos Céus, mas a eles não é dado. Pois à pessoa que tem será dado ainda mais, e terá em abundância; mas à pessoa que não tem será tirado até o pouco que tem." Minha gente, isso é muito cruel. Então, ao que tem alguma coisa, será dado mais; ao que não tem, até o pouco que tem será tirado. Onde ficou a misericórdia do coração de Jesus na hora de dizer isso? Parece uma atitude incoerente com os seus ensinamentos.


Pois bem, eu entendo isso como um grande desafio que Jesus colocou para os seus discípulos daquele tempo e coloca para nós hoje também. Os dons recebidos por cada um de nós, quando bem administrados, se multiplicam; quando não se tornam produtivos, são retirados. A misericórdia de Deus não alcança aos que deixam de corresponder aos dons recebidos. Ele diz: alguns produzem 100:1, outros 60:1, outros ainda 30:1, mas tem de produzir algo. Nós cristãos temos essa grande responsabilidade de demonstrar 'produção' dos dons.


Essa forma de falar até lembra um jargão do universo capitalista, obcecado pela ideia da produção, mas obviamente Jesus jamais se referia a isso nesse sentido. Produzir é frutificar, frutificar é ser exemplo, então a produção aqui significa ser sal e ser luz, como Ele disse em outra passagem. Por outras palavras, produzir significa fazer a diferença. Então, não basta ser cristão 'da boca pra fora' declarando isso a todo instante, pois o ser cristão tem de se manifestar em ações e atitudes. Não basta dizer: Senhor, Senhor... não é suficiente orar no recôndito do seu ser, jejuar, fazer penitência em sigilo. Tudo isso é importante, mas será vão se não frutificar, se não se transformar em sal e luz, se não fizer aquela diferença que faça alguém reconhecer no seu agir o comportamento de um discípulo de Cristo.


Este é o nosso desafio cotidiano. Que Deus faça todos os nossos esforços convergirem para uma competente superação desse desafio.


Cordial abraço a todos.

Antonio Carlos

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