domingo, 17 de junho de 2012

COMENTÁRIO LITÚRGICO – DOMINGO DE PENTECOSTES – 27.05.2012 – UM SÓ ESPÍRITO


COMENTÁRIO LITÚRGICO – DOMINGO DE PENTECOSTES – 27.05.2012 – UM SÓ ESPÍRITO

Caros Confrades,

Celebramos hoje o domingo de Pentecostes. Esta festa encerra o período pascal e forma, com o domingo da Páscoa, duas comemorações emblemáticas através das quais Cristo quis unir o antigo e o novo, o passado e o presente. Pentecostes é o encerramento da missão terrena de Cristo, que subiu ao céu mas prometeu que o Paráclito viria confirmar tudo o que ele havia feito e dito. Dito e feito. A vinda do Paráclito celebra também o início oficial da 'ekklesia' de Cristo, a comunidade das pessoas de boa vontade, que acreditam n'Ele e se responsabilizam por levar adiante a sua doutrina, ou seja, essas pessoas somos nós.

De que modo Cristo veio unir o antigo e o novo? A Páscoa não foi inventada por Cristo, pois ela já existia desde tempos imemoriais, sendo considerada a festa mais antiga da humanidade. Mas Cristo reinventou a Páscoa, deu novo sentido a essa festividade jungindo-a à sua ressurreição. Então, a vetusta celebração pascal passou a ter um significado novo após Cristo ter-se ressuscitado neste dia festivo. Com toda certeza, isso não foi por acaso, mas exatamente para mostrar que, na Sua pessoa, o velho e o novo se encontram e se transformam. Algo semelhante ocorre com a festa de Pentecostes. Conforme já iniciei a discorrer no domingo anterior, a palavra 'pentecostes' não tem etimologia ligada ao Espírito, mas ao número cinquenta. Era também uma festa tradicional, celebrada sete semanas depois da Páscoa (7 x 7 = 49), isto é, celebrada após a passagem das sete semanas. Lucas fala (At 2,4) que a descida do Espírito foi acompanhada de um vendaval e um forte estrondo, que chamou a atenção das pessoas da rua e formou-se uma multidão de estrangeiros em frente ao local. Ora, esses estrangeiros estavam ali para a celebração do Pentecostes antigo, 50º dia da Páscoa, mas a vinda do Espírito transformou essa antiga festa dando a ela um novo significado. Este novo Pentecostes foi testemunhado por todos, através do milagre da multiplicação das línguas. Depois de terem recebido o Espírito, os Apóstolos perderam o medo (estavam escondidos) e ganharam uma energia extraordinária para proclamar a mensagem de Cristo. E aproveitando a presença da multidão em frente à casa onde estavam, iniciaram ali mesmo a sua pregação. Então, todos presenciaram o milagre: cada um dos estrangeiros que ali estavam ouviam a Palavra de Deus em sua própria língua. Não porque os Apóstolos tivessem, de repente, se tornado poliglotas, eles continuavam sendo os pescadores semianalfabetos de antes, mas pela força do Espírito, as palavras por eles pronunciadas, em seu idioma natural (eles falavam aramaico), os ouvintes ouviam 'como se' eles estivessem falando a língua deles. Lucas dá uma pequena amostra das diversas etnias e procedências daqueles ouvintes: “partos, medos e elamitas, habitantes da Mesopotâmia, da Judéia e da Capadócia, do Ponto e da Ásia, da Frígia e da Panfília, do Egito e da parte da Líbia, próxima de Cirene, também romanos ” e mais cretenses e árabes, judeus e prosélitos. Foi uma verdadeira panglossia, de repente, os apóstolos de pouca instrução estavam falando um idioma universal, compreendido por todos.

Meus amigos, o vocábulo “espírito” usado no nosso idioma não dá a dimensão mais exata do termo grego original “pneuma”, que desse modo é traduzido. Com efeito 'pneuma' é o sopro vital, o hálito, a respiração. A palavra 'espírito', vinda até nós através do latim 'spiritus' não tem essa mesma abrangência semântica. Ao receberem o 'pneuma', os Apóstolos ganharam um novo sopro vital, uma nova energia, um novo alento. Eles superaram a timidez inicial e adquiriram uma invejável coragem a ponto de darem a própria vida em testemunho de Cristo. Durante toda a semana passada, as leituras litúrgicas, sempre tiradas de Atos, mostravam as tribulações, as humilhações, as prisões, as condenações de Paulo por causa da sua pregação no meio dos judeus. Assim como Paulo, todos os outros também passaram pelos mesmos suplícios, embora o testemunho deles não tenha sido documentado por algum escritor contemporâneo. Foi o Espírito que transformou aqueles pescadores de peixes em pescadores de homens, conforme Cristo havia prometido. O Espírito confirmou isso.

Na leitura do evangelho, extraído de João 20, 22, lemos que Jesus “soprou sobre eles e disse: 'Recebei o Espírito Santo. A quem perdoardes os pecados, eles lhes serão perdoados; a quem os não perdoardes, eles lhes serão retidos' ”É curioso o fato de João não se referir às línguas de fogo, logo ele que era um dos presentes no Cenáculo naquele Pentecostes memorável. João relata de um modo diferente o recebimento do Espírito pelos Apóstolos: foi um 'sopro' de Cristo sobre eles. Sopro é exatamente um 'pneuma'. Soprando, Cristo conferiu aos Apóstolos o Espírito (Pneuma), que tinha como objetivo nesta ocasião, a transmissão do poder de perdoar. A doutrina teológica compreende esta passagem de João como o fundamento bíblico do sacramento da penitência. Já comentamos outrora que o sacramento não é da 'confissão', mas da penitência ou do perdão. A confissão foi um rito acrescentado posteriormente. Para que haja o perdão, é indispensável o arrependimento. Daí que Cristo diz: a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados; a quem não os perdoardes, ser-lhes-ão retidos. Ora, quem será perdoado? Quem estiver arrependido, não quem apenas confessa. E quem não será perdoado? Quem não se arrepender. A expressão 'retidos' referente aos pecados não perdoados quer dizer que o pecador não fica livre deles, o pecador continua com eles. Para quem não tem arrependimento na alma, o perdão não surte efeito e consequentemente os pecados não são eliminados, mas permanecem ali, podemos dizer até que ficam maiores ainda.

Então, como lemos em João 20, 22, é através da transmissão do Espírito que Cristo dá aos Apóstolos o poder de perdoar os pecados, portanto, é o Espírito que confere o perdão. E por que o Espírito é o vetor do perdão? Porque o Espírito é o Amor de Deus. Deus é tão infinitamente enorme que a sua Palavra, poderosíssima, se converte em uma outra Pessoa divina, o Filho; e o Amor de Deus é tão desmedido e poderosíssimo que se converte em outra Pessoa divina, o Espírito. Então, o arrependimento é o sintoma do amor, quem não se arrepende, é porque não ama, e a esses os pecados não serão perdoados, ficarão retidos. É o Amor do Pai, em forma de Pessoa divina, que nos reinsere no convívio com Ele, quando nos arrependemos, isto é, quando nos abrimos ao Amor de Deus. E ninguém ama a Deus se não ama também o próximo. Portanto, não basta o amor a Deus, mas esse amor tem que se replicar no amor dos irmãos. A falta de amor é a essência da falta de arrependimento e essa atitude bloqueia o Amor de Deus, que não consegue penetrar o coração de quem não ama, para livrar das culpas, por isso, os pecados de quem não se arrepende ficam retidos, permanecem consumindo o pecador.

Na leitura da primeira carta de Paulo a Coríntios (1 Cor 12, 3) lemos uma confirmação dessa explicação com outras palavras: “Ninguém pode dizer: Jesus é o Senhor a não ser no Espírito Santo. ” Ninguém pode dizer que é discípulo de Cristo se não cumpre seus mandamentos. E o maior de todos, conforme Cristo ensinou, é justamente o amor a Deus e ao próximo. Desse modo, ninguém pode afirmar a sua fé em Cristo, a não ser através do amor, e este amor é fruto do Espírito, aliás, é o próprio Espírito. Quem fala o nome de Jesus sem expressar o amor que ele ensinou, está falando apenas da boca pra fora. Nessa pessoa, o Espírito não habita, é uma pessoa do 'coração duro', sem arrependimento, nela os pecados ficam retidos, porque se não há espaço para o perdão no coração de alguém, também não há espaço para o Espírito. E esse espaço não existe justamente porque está tomado pelos pecados que ali são retidos pela falta do amor.

E Paulo faz uma exposição bastante didática para dizer que não existe apenas uma forma de amar, mas diversas formas válidas. “Há diversidade de dons, mas um mesmo é o Espírito. Há diversidade de ministérios, mas um mesmo é o Senhor. Há diferentes atividades, mas um mesmo Deus ” (1 Cor 12, 4-5). São os carismas e os dons próprios de cada pessoa, que são inerentes à sua natureza mas são potencializados com a presença e a ação do Espírito. É a conhecida teoria do 'corpo místico' desenvolvida por Paulo, pela qual ele compara a Igreja, com a sua diversidade de pessoas, de costumes, de origens, de tarefas, de formatos, com os membros do corpo humano, uma comparação muito adequada e fácil de entender por todas as pessoas. Houve uma época em que a teologia afirmava que somente na Igreja Católica se realizava a verdadeira comunhão com Cristo. Mas com o advento das doutrinas ecumênicas, embora a doutrina continue afirmando que a 'ekklesia' tutelada pelo sucessor de Pedro seja a genuína, no entanto, reconhece que as diversas comunidades que vivenciam os ensinamentos de Cristo formam uma grande 'comum unidade', porque o Espírito é um só. Se ninguém pode dizer “Jesus é o Senhor” senão no Espírito, concluímos que todos aqueles que professam sua fé em Cristo de modo legítimo, através do seguimento de sua doutrina e do cumprimento de seus mandamentos, fazem isso por obra do mesmo Espírito.

Hoje foi meu dia de cantar na missa dominical da paróquia e eu não perdi a oportunidade de incluir no roteiro dos cânticos o Veni Creator Spiritus, em latim mesmo, original, gregoriano, aquele que nós conhecemos. Que Ele venha visitar nossas mentes e infundir o amor em nossos corações, conforme diz o texto medieval e sempre atual.


Nenhum comentário:

Postar um comentário