COMENTÁRIO LITÚRGICO
– DOMINGO DE PENTECOSTES – 27.05.2012 – UM SÓ ESPÍRITO
Caros Confrades,
Celebramos hoje o
domingo de Pentecostes. Esta festa encerra o período pascal e forma,
com o domingo da Páscoa, duas comemorações emblemáticas através
das quais Cristo quis unir o antigo e o novo, o passado e o presente.
Pentecostes é o encerramento da missão terrena de Cristo, que subiu
ao céu mas prometeu que o Paráclito viria confirmar tudo o que ele
havia feito e dito. Dito e feito. A vinda do Paráclito celebra
também o início oficial da 'ekklesia' de Cristo, a comunidade das
pessoas de boa vontade, que acreditam n'Ele e se responsabilizam por
levar adiante a sua doutrina, ou seja, essas pessoas somos nós.
De que modo Cristo veio
unir o antigo e o novo? A Páscoa não foi inventada por Cristo, pois
ela já existia desde tempos imemoriais, sendo considerada a festa
mais antiga da humanidade. Mas Cristo reinventou a Páscoa, deu novo
sentido a essa festividade jungindo-a à sua ressurreição. Então,
a vetusta celebração pascal passou a ter um significado novo após
Cristo ter-se ressuscitado neste dia festivo. Com toda certeza, isso
não foi por acaso, mas exatamente para mostrar que, na Sua pessoa, o
velho e o novo se encontram e se transformam. Algo semelhante ocorre
com a festa de Pentecostes. Conforme já iniciei a discorrer no
domingo anterior, a palavra 'pentecostes' não tem etimologia ligada
ao Espírito, mas ao número cinquenta. Era também uma festa
tradicional, celebrada sete semanas depois da Páscoa (7 x 7 = 49),
isto é, celebrada após a passagem das sete semanas. Lucas fala (At
2,4) que a descida do Espírito foi acompanhada de um vendaval e um
forte estrondo, que chamou a atenção das pessoas da rua e formou-se
uma multidão de estrangeiros em frente ao local. Ora, esses
estrangeiros estavam ali para a celebração do Pentecostes antigo,
50º dia da Páscoa, mas a vinda do Espírito transformou essa antiga
festa dando a ela um novo significado. Este novo Pentecostes foi
testemunhado por todos, através do milagre da multiplicação das
línguas. Depois de terem recebido o Espírito, os Apóstolos
perderam o medo (estavam escondidos) e ganharam uma energia
extraordinária para proclamar a mensagem de Cristo. E aproveitando a
presença da multidão em frente à casa onde estavam, iniciaram ali
mesmo a sua pregação. Então, todos presenciaram o milagre: cada um
dos estrangeiros que ali estavam ouviam a Palavra de Deus em sua
própria língua. Não porque os Apóstolos tivessem, de repente, se
tornado poliglotas, eles continuavam sendo os pescadores
semianalfabetos de antes, mas pela força do Espírito, as palavras
por eles pronunciadas, em seu idioma natural (eles falavam aramaico),
os ouvintes ouviam 'como se' eles estivessem falando a língua deles.
Lucas dá uma pequena amostra das diversas etnias e procedências
daqueles ouvintes: “partos,
medos e elamitas, habitantes da Mesopotâmia, da Judéia e da
Capadócia, do Ponto e da Ásia, da Frígia e da Panfília, do Egito
e da parte da Líbia, próxima de Cirene, também romanos
” e mais cretenses e árabes, judeus e prosélitos. Foi uma
verdadeira panglossia, de repente, os apóstolos de pouca instrução
estavam falando um idioma universal, compreendido por todos.
Meus amigos, o vocábulo
“espírito” usado no nosso idioma não dá a dimensão mais exata
do termo grego original “pneuma”, que desse modo é traduzido.
Com efeito 'pneuma' é o sopro vital, o hálito, a respiração. A
palavra 'espírito', vinda até nós através do latim 'spiritus' não
tem essa mesma abrangência semântica. Ao receberem o 'pneuma', os
Apóstolos ganharam um novo sopro vital, uma nova energia, um novo
alento. Eles superaram a timidez inicial e adquiriram uma invejável
coragem a ponto de darem a própria vida em testemunho de Cristo.
Durante toda a semana passada, as leituras litúrgicas, sempre
tiradas de Atos, mostravam as tribulações, as humilhações, as
prisões, as condenações de Paulo por causa da sua pregação no
meio dos judeus. Assim como Paulo, todos os outros também passaram
pelos mesmos suplícios, embora o testemunho deles não tenha sido
documentado por algum escritor contemporâneo. Foi o Espírito que
transformou aqueles pescadores de peixes em pescadores de homens,
conforme Cristo havia prometido. O Espírito confirmou isso.
Na leitura do
evangelho, extraído de João 20, 22, lemos que Jesus “soprou
sobre eles e disse: 'Recebei o Espírito Santo. A quem perdoardes os
pecados, eles lhes serão perdoados; a quem os não perdoardes, eles
lhes serão retidos' ”É curioso
o fato de João não se referir às línguas de fogo, logo ele que
era um dos presentes no Cenáculo naquele Pentecostes memorável.
João relata de um modo diferente o recebimento do Espírito pelos
Apóstolos: foi um 'sopro' de Cristo sobre eles. Sopro é exatamente
um 'pneuma'. Soprando, Cristo conferiu aos Apóstolos o Espírito
(Pneuma), que tinha como objetivo nesta ocasião, a transmissão do
poder de perdoar. A doutrina teológica compreende esta passagem de
João como o fundamento bíblico do sacramento da penitência. Já
comentamos outrora que o sacramento não é da 'confissão', mas da
penitência ou do perdão. A confissão foi um rito acrescentado
posteriormente. Para que haja o perdão, é indispensável o
arrependimento. Daí que Cristo diz: a quem perdoardes os pecados,
ser-lhes-ão perdoados; a quem não os perdoardes, ser-lhes-ão
retidos. Ora, quem será perdoado? Quem estiver arrependido, não
quem apenas confessa. E quem não será perdoado? Quem não se
arrepender. A expressão 'retidos' referente aos pecados não
perdoados quer dizer que o pecador não fica livre deles, o pecador
continua com eles. Para quem não tem arrependimento na alma, o
perdão não surte efeito e consequentemente os pecados não são
eliminados, mas permanecem ali, podemos dizer até que ficam maiores
ainda.
Então, como lemos em
João 20, 22, é através da transmissão do Espírito que Cristo dá
aos Apóstolos o poder de perdoar os pecados, portanto, é o Espírito
que confere o perdão. E por que o Espírito é o vetor do perdão?
Porque o Espírito é o Amor de Deus. Deus é tão infinitamente
enorme que a sua Palavra, poderosíssima, se converte em uma outra
Pessoa divina, o Filho; e o Amor de Deus é tão desmedido e
poderosíssimo que se converte em outra Pessoa divina, o Espírito.
Então, o arrependimento é o sintoma do amor, quem não se
arrepende, é porque não ama, e a esses os pecados não serão
perdoados, ficarão retidos. É o Amor do Pai, em forma de Pessoa
divina, que nos reinsere no convívio com Ele, quando nos
arrependemos, isto é, quando nos abrimos ao Amor de Deus. E ninguém
ama a Deus se não ama também o próximo. Portanto, não basta o
amor a Deus, mas esse amor tem que se replicar no amor dos irmãos. A
falta de amor é a essência da falta de arrependimento e essa
atitude bloqueia o Amor de Deus, que não consegue penetrar o coração
de quem não ama, para livrar das culpas, por isso, os pecados de
quem não se arrepende ficam retidos, permanecem consumindo o
pecador.
Na leitura da primeira
carta de Paulo a Coríntios (1 Cor 12, 3) lemos uma confirmação
dessa explicação com outras palavras: “Ninguém
pode dizer: Jesus é o Senhor a não ser no Espírito Santo.
” Ninguém pode dizer que é discípulo de Cristo se não cumpre
seus mandamentos. E o maior de todos, conforme Cristo ensinou, é
justamente o amor a Deus e ao próximo. Desse modo, ninguém pode
afirmar a sua fé em Cristo, a não ser através do amor, e este amor
é fruto do Espírito, aliás, é o próprio Espírito. Quem fala o
nome de Jesus sem expressar o amor que ele ensinou, está falando
apenas da boca pra fora. Nessa pessoa, o Espírito não habita, é
uma pessoa do 'coração duro', sem arrependimento, nela os pecados
ficam retidos, porque se não há espaço para o perdão no coração
de alguém, também não há espaço para o Espírito. E esse espaço
não existe justamente porque está tomado pelos pecados que ali são
retidos pela falta do amor.
E Paulo faz uma
exposição bastante didática para dizer que não existe apenas uma
forma de amar, mas diversas formas válidas. “Há
diversidade de dons, mas um mesmo é o Espírito. Há diversidade de
ministérios, mas um mesmo é o Senhor. Há diferentes atividades,
mas um mesmo Deus ” (1 Cor 12,
4-5). São os carismas e os dons próprios de cada pessoa, que são
inerentes à sua natureza mas são potencializados com a presença e
a ação do Espírito. É a conhecida teoria do 'corpo místico'
desenvolvida por Paulo, pela qual ele compara a Igreja, com a sua
diversidade de pessoas, de costumes, de origens, de tarefas, de
formatos, com os membros do corpo humano, uma comparação muito
adequada e fácil de entender por todas as pessoas. Houve uma época
em que a teologia afirmava que somente na Igreja Católica se
realizava a verdadeira comunhão com Cristo. Mas com o advento das
doutrinas ecumênicas, embora a doutrina continue afirmando que a
'ekklesia' tutelada pelo sucessor de Pedro seja a genuína, no
entanto, reconhece que as diversas comunidades que vivenciam os
ensinamentos de Cristo formam uma grande 'comum unidade', porque o
Espírito é um só. Se ninguém pode dizer “Jesus é o Senhor”
senão no Espírito, concluímos que todos aqueles que professam sua
fé em Cristo de modo legítimo, através do seguimento de sua
doutrina e do cumprimento de seus mandamentos, fazem isso por obra do
mesmo Espírito.
Hoje foi meu dia de
cantar na missa dominical da paróquia e eu não perdi a oportunidade
de incluir no roteiro dos cânticos o Veni Creator Spiritus, em latim
mesmo, original, gregoriano, aquele que nós conhecemos. Que Ele
venha visitar nossas mentes e infundir o amor em nossos corações,
conforme diz o texto medieval e sempre atual.
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