domingo, 17 de junho de 2012

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 10º DOMINGO COMUM – OS IRMÃOS DE JESUS – 10.06.2012


COMENTÁRIO LITÚRGICO – 10º DOMINGO COMUM – OS IRMÃOS DE JESUS – 10.06.2012

Caros Confrades,

Neste décimo domingo do tempo comum, as leituras da liturgia trazem diversos temas interessantes, dos quais destacarei dois para comentar, tomando como referência o evangelho de Marcos (Mc 3, 20): os irmãos de Jesus e o pecado eterno.

A narrativa de Marcos (3, 20-35) traz alguns detalhes bem interessantes. Primeiro, relata que Jesus voltou para casa com seus discípulos (3, 20). É o caso de perguntarmos: que casa? Provavelmente, a casa de algum dos discípulos, pois Jesus não tinha uma casa, depois que iniciou sua vida de pregador. Ele andava pelo mundo afora e, com certeza, se hospedava onde chegava, em casa de algum dos seus seguidores. Continuando, diz Marcos que lá juntou tanta gente que eles (Jesus e os discípulos) nem sequer podiam comer. Deduz-se que a casa ficava cheia de gente, algo parecido com as casas dos nossos políticos do interior, em época de eleições, quando os eleitores invadem literalmente o recinto e 'tomam posse' do lugar, comem à vontade, usam a casa como se fosse a casa deles próprios. Fico imaginando algo assim. É também uma das raras vezes em que o evangelho se refere a uma refeição feita por Jesus, o que era bastante natural, porque ele como pessoa humana precisava se alimentar.

No versículo 3, 22 Marcos faz uma descrição surpreendente: Mestres da Lei tinham vindo de Jerusalém para 'espiar' Jesus e o viram expulsando demônios, então diziam que ele estava possuído por Belzebu e era por isso que Ele conseguia fazer isso. Imaginemos que de Jerusalém para a Galiléia havia uma distância considerável, eram vários dias de caminhada. E os Mestres foram até lá para conferirem 'in loco' o que Jesus fazia. Certamente era por isso que havia tanta gente reunida na casa, a ponto de eles (Jesus e os discípulos) nem terem condições de fazer suas refeições. Foi então que Jesus, sabendo dos comentários dos Mestres, passou a explicar: como é que satanás vai expulsar satanás? Como é que o demônio estaria agindo contra si próprio? Os Mestres não sabiam explicar o que Jesus fazia e ao mesmo tempo não queriam aceitar a sua divindade, então ficavam dizendo que ele estava possuído pelo espírito do mal.

Neste contexto, Jesus fez uma afirmação que pode ser entendida como uma ameaça terrível: (Mc 3, 28) tudo será perdoado aos homens, todo pecado e toda blasfêmia, mas quem blasfemar contra o Espírito Santo, nunca será perdoado, será culpado de um pecado eterno. A tradução da CNBB está literal sobre o texto de S. Jerônimo: reus erit aeterni delicti (será réu de um pecado eterno). Meus amigos, o que significa blasfemar contra o Espírito Santo? Por que isso é tão grave? Porque Jesus não agia sozinho, ele agia sempre como Trindade, em união com o Pai e o Espírito Santo. Então, dizer que ele estava possuído por um espírito do mal equivale a não acreditar no Espírito Santo e, portanto, não acreditar na Trindade divina. Nesse ponto, a leitura de hoje vem fortalecer o ensinamento do domingo anterior, festa da Santíssima Trindade. Não acreditar que Jesus é filho de Deus e age em união com o Espírito Santo é negar a Trindade. Ora, o mistério da Trindade é o centro da fé cristã, por isso que negar o Espírito Santo é cometer um delito imperdoável. É um pecado daquela categoria que será retido, conforme expliquei no domingo anterior.

Enquanto os judeus desacreditavam n'Ele, não admitiam a Sua divindade, não reconheciam n'Ele o Messias prometido, Jesus tentava explicar melhor, inventava parábolas, fazia referências à Torá, sobretudo ao livro de Isaías, tinha toda paciência. Mas quando a descrença se dirigiu ao Espírito Santo, que foi confundido com um espírito do mal, então Jesus se enfureceu. Diz Marcos (3, 21) que os parentes de Jesus saíram em sua defesa para agarrá-lo, porque ele parecia estar fora de si. Isso faz lembrar aquele memorável acontecimento em que Ele tomou um chicote e saiu dando surra nos vendedores que estavam ocupando os espaços do templo, dizendo que a casa do Pai é casa de oração, não um covil de ladrões. São as duas vezes em que o evangelho fala de atitudes ríspidas e violentas de Jesus, exatamente quando a descrença dos judeus se voltava contra a Trindade. No caso do templo, em relação ao Pai; no caso da expulsão dos demônios, em relação ao Espírito Santo. Nesses casos, Ele foi tomado por uma 'santa ira', a ponto de ficar fora de si.

Quando os parentes de Jesus chegaram onde ele estava, havia tanta gente reunida que eles não conseguiram chegar perto. Então, mandaram recado pra Ele informando que estavam ali. É quando o evangelho cita aquela famosa frase que é motivo de divergência entre católicos e não-católicos há séculos: (Mc 3, 32) Tua mãe e teus irmãos estão lá fora à tua procura. O texto latino de S. Jerônimo assim diz: “mater tua e fratres tui foris quaerunt te”. Todos nós sabemos que 'mater' é mãe e 'fratres' é irmãos, a tradução literal é inevitável. Comparemos com o texto grego original, transliterado para o nosso idioma: ê mater auton kai oi adelphoi auton = a tua mãe e os teus irmãos. Vemos que a tradução de S. Jerônimo foi também literal. A questão está no alcance do vocábulo grego 'adelphoi', plural de 'adelphos' que na língua grega significa irmão, tanto no sentido de filho dos mesmos pais quanto no sentido de um familiar, um parente próximo. A palavra 'adelphê = irmã; a palavra adelphideos = sobrinho; a palavra 'adelphixis' = fraternidade. Vê-se que o radical 'adelph' é comum às palavras relacionadas com irmandade, fraternidade. Sabe-se que, naquela época, as famílias congregavam sob o mesmo teto as pessoas até o sétimo grau de parentesco, comparando com os dias de hoje, seria desde o tataravô até o tataraneto, todos eram tidos como uma família no sentido mais extenso, portanto, genericamente, eram irmãos entre si. Este é o argumento teológico do catolicismo para justificar que Jesus é filho unigênito de Deus. Porém, não resolve a questão de que Maria pode ter tido outros filhos, que não foram concebidos pelo Espírito Santo, e neste caso, seriam irmãos de Jesus somente pela 'carne' não pelo Espírito. No entanto, a Igreja Católica, desde os primeiros tempos, sempre afirmou que Jesus é único filho de Maria e com base nesta tradição, a doutrina teológica mantém esta afirmação.

Agora, porém, vem a parte mais desconcertante da história, na resposta que Jesus deu aos seus interlocutores: minha mãe? Meus irmãos? Quem é minha mãe e quem são meus irmãos? E diz Marcos (3, 34): olhando para os que estavam sentados ao seu redor disse: aqui estão minha mãe e meus irmãos... quem faz a vontade de Deus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe. Esta resposta de Jesus pode ser entendida num sentido negativo e num sentido positivo. Os que a entendem no sentido negativo, concluem que Jesus estava menosprezando os seus parentes humanos, como se não desse valor a estes, como se Ele dissesse: eu não tenho parentes. Mas se nós entendermos no sentido positivo, vamos concluir que Jesus estava afirmando que, tanto os seus parentes pelo ramo familiar quanto aqueles que ali estavam e acreditavam n'Ele, uns e outros são seus irmãos, irmãs e mãe, ou seja, Ele estava colocando no mesmo nível de importância os seus parentes da família humana e os novos parentes na fé em sua doutrina. Então, além de não estar desprezando seus familiares, Jesus estava elevando os seus seguidores ao mesmo nível de irmandade que eles. Fazendo um inteligente contraponto dialético entre a afirmação acima de que quem não crê no Espírito (portanto, não crê na Trindade) é réu de um pecado eterno, esta nova afirmação de que 'quem faz a vontade de Deus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe', é como se Ele estivesse afirmando: quem crê na Trindade está comigo, ou seja, fica meu irmão, minha irmã, minha mãe, meu familiar, meu parente e, como resultado, terá seus pecados perdoados e terá a salvação eterna.

Meus amigos, essa afirmação de Jesus se estende no tempo e nos alcança hoje. Se fizermos a vontade de Deus, nos tornaremos um com Ele. Se cumprirmos o seu mandamento, seremos considerados irmãos e irmãs d'Ele, já imaginaram que imensurável privilégio e que dadivosa promessa? Só depende de nós para sermos irmãos e irmãs de Jesus, porque a Sua irmandade, Ele já nos ofereceu.


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