COMENTÁRIO LITÚRGICO
– 14º DOMINGO DO TEMPO COMUM – SANTO DE CASA – 08.07.2012
Caros Confrades:
A liturgia deste 14º
domingo do tempo comum traz, em uma de suas leituras, um tema que
casa direitinho com o conhecido ditado popular 'santo de casa não
obra milagre'. Outro tema que também está em destaque é o da graça
divina suficiente para a salvação, conforme o ensinamento de São
Paulo.
No evangelho de Marcos
(6, 1-6), lemos que Jesus voltou a Nazaré, sua terra, acompanhado
dos discípulos e lá se apresentou na sinagoga, no sábado, para
fazer a leitura. Embora Marcos não diga qual foi o texto lido, mas
tudo leva a crer que é aquele famoso trecho de Isaías falando sobre
o futuro Messias (Lc 4, 21): O Espírito do Senhor repousa sobre mim
porque me consagrou para ensinar a boa nova aos pobres... e ao
terminar, Jesus completou: hoje se cumpriu essa palavra da Escritura,
referindo-se a Ele próprio. Foi então que os fariseus e os
sacerdotes se 'escandalizaram' e ficaram se questionando: quem deu a
Ele essa autoridade? Ele é apenas o filho do carpinteiro, nós
conhecemos sua mãe, seus irmãos e irmãs... E Jesus comentou com os
discípulos: nenhum profeta é bem recebido na sua terra (Mc 6, 4).
O verbo 'escandalizar'
usado nesse contexto nada tem a ver com o sentido atual dessa
palavra, mas significa descrença, não aceitação, incredulidade.
Os fariseus se escandalizaram com Jesus quer dizer que não o
aceitaram como Messias, não reconheceram n'Ele o prometido por Deus
através do profeta Isaías. Chegaram até a insinuar que os
prodígios que Ele realizava era porque tinha, como se diz na nossa
cultura popular, pacto com o demônio, estava possuído por Belzebu.
E por causa da sua falta de fé, completa Marcos (6, 5), Jesus não
realizou ali nenhum milagre, passando depois a ensinar pelos povoados
vizinhos.
Esta passagem do
evangelho, que está em Mc 6 e em Lc 4, é uma das poucas vezes em
que Jesus se apresentou claramente como o Messias. Mas os fariseus
tinham dificuldade em aceitar isso, porque sabiam da sua origem
humilde. Os carpinteiros, os artesãos em geral, não tinham tempo
para estudar, para se aprofundar nas Escrituras, portanto, não
podiam pregar nem ensinar. Daí porque ficaram a se perguntar: quem
deu a Ele tanta sabedoria? Com que autoridade Ele vem nos ensinar? Ou
seja, os doutores da lei não admitiam que alguém, que não
pertencesse ao grupo deles, fosse ler na sinagoga e explicar a
palavra de Deus para eles.
Essa atitude de
incredulidade já estava prevista pelo profeta Ezequiel, conforme
lemos na primeira leitura deste domingo (Ez 2, 3): nação
de rebeldes, que se afastaram de mim. Eles e seus pais se revoltaram
contra mim até ao dia de hoje. A estes filhos de cabeça dura
e coração de pedra, vou te enviar
… E depois acrescenta o profeta: Quer
te escutem, quer não - pois são um bando de rebeldes - ficarão
sabendo que houve entre eles um profeta.
Foi por isso que Jesus retornou a Nazaré, para que se cumprisse a
profecia pois, crendo ou não, estariam sabendo que o Messias passou
entre eles. Se nós observarmos, este mesmo fenômeno da rejeição
sofrido por Jesus acontece ainda hoje com muitos intelectuais,
artistas, cientistas que ganham destaque em outras localidades, até
mesmo no exterior, e não têm reconhecimento nas suas regiões de
origem. Ou só passam a ter esse reconhecimento depois de terem sido,
antes, homenageados em terras estranhas. A humanidade de hoje, sob
este prisma, continua a mesma dos tempos de Cristo.
Um fato, que merece
destaque ainda que de passagem, é o fato de Jesus ter ido à
sinagoga no sábado, como todo judeu cumpridor das suas obrigações.
Evidentemente, Jesus não foi à sinagoga apenas nesta ocasião em
que se encontrava em sua terra natal, mas fazia isso habitualmente
por onde andava. Em respeito à Lei, Jesus respeitava o sábado e
cumpria os rituais judaicos.
O segundo tema a ser
comentado neste domingo é retirado da carta de Paulo a Coríntios
(2Cor 12, 7), quando ele declara que foi espetado na carne por um
espinho que é como um anjo de Satanás a esbofeteá-lo. No texto
original grego a palavra é 'skóloph tês sarxi'', que significa
estaca na carne (faz lembrar as histórias de Drácula isso), e no
texto latino, a palavra usada por São Jerônimo é 'stimulus
carnis', que nas traduções mais antigas era vertido como aguilhão
na carne. Agora, a CNBB preferiu substituir aguilhão por espinho,
porém me parece que espinho é algo muito brando para simbolizar a
imagem proposta por Paulo. Na nossa cultura, o espinho mais afiado e
rígido talvez seja o do mandacaru, que mede alguns centímetros. Mas
a palavra 'skóloph' tem um peso muito maior do que simples espinho,
simbolizando algo mais forte e poderoso.
Pois bem, Paulo diz que
esse 'skóloph' foi enfiado na sua carne para que ele não se
ensoberbecesse com a revelação que ele teve, após a sua conversão,
quando foi tocado por Jesus e se transformou em discípulo tardio.
Esta confissão de Paulo faz lembrar a passagem evangélica das
tentações de Jesus, quando ele também se sentiu tentado com a
soberba de se apresentar como poderoso, fazendo milagres e atraindo
multidões. Sob uma abordagem diferente, Paulo relata ter sentido
também essa mesma tentação da soberba de ter sido escolhido por
Cristo para a sua sublime missão. Por três vezes, diz Paulo, pedi
ao Senhor que me livrasse disso, mas Ele respondeu: basta-te a minha
graça (2Cor 12, 9). Então, Paulo reflete acerca da suficiência da
graça divina para a nossa salvação, ensinando-nos a não nos
deixarmos sucumbir diante das dificuldades da vida, das nossas
fraquezas, do desânimo e da falta de compreensão, muitas vezes,
daqueles que nos são mais próximos. Diz Paulo que é na fraqueza
que a força se manifesta. E arremata: Porque quando me sinto fraco,
então é que sou forte. Isto é: quando as adversidades me atacam,
quanto mais elas me perseguem, mais eu conto com a graça divina.
Essa doutrina
desenvolvida pela teologia da graça ensina que Deus dá a todos os
homens a graça suficiente para a salvação. Porém, Deus não pega
cada um pela mão para levá-lo pelo caminho do bem, porque se assim
fosse, não haveria mérito nenhum da nossa parte. Deus nos dá a sua
graça, mas espera que cada um aceite esta graça e a faça crescer
em si através da fé, das ações, da caridade, do testemunho,
sempre na confiança de que Deus jamais abandonará ao que tem fé.
Essa doutrina contrasta com aquela outra sobre a predestinação,
segundo a qual algumas pessoas estão fadadas à condenação,
independente do que venham a fazer. De outro lado, outras pessoas
estão escolhidas para a salvação, não importa o que fizerem na
vida. Essa doutrina, se verdadeira, levaria à conclusão de que Deus
seria sumamente injusto e que o livre arbítrio do homem não teria
qualquer serventia. Mas a teologia católica não aceita isso. Ao
contrário, ensina que todos são destinados à salvação, pois Deus
dá a todos a sua graça. Porém, a graça não opera de forma
automática, mas vai depender da forma como cada qual corresponde aos
dons divinos. Ou seja, a graça divina é suficiente, mas não
surtirá efeito sozinha, se não houver a colaboração da pessoa.
Portanto, a salvação é um dom de Deus, mas é também uma
conquista de cada um através da sua fé e das suas obras de
misericórdia. A graça é suficiente mas não anula a liberdade e a
vontade, de modo que alguém pode agir em desconformidade com ela.
Isso é o que se chama de pecado, é quando nós, com nossas ações
desajustadas, não correspondemos à graça e à missão que Deus
reservou a cada um de nós.
Que o Senhor nos ajude
sempre a descobrir em nós a graça que recebemos e nos dê coragem
para agir de acordo com ela, incrementando-a com a nossa fé
produtiva.
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