domingo, 22 de julho de 2012

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 16º DOMINGO COMUM – BONS PASTORES – 22.07.2012


COMENTÁRIO LITÚRGICO – 16º DOMINGO COMUM – BONS PASTORES – 22.07.2012

Caros Confrades,

A temática das leituras litúrgicas deste 16º domingo comum retomam a figura do pastor – bons pastores e maus pastores. E a memória litúrgica deste dia 22 de julho é dedicada a Maria Madalena, aquela que foi a grande confidente de Cristo e líder de uma laboriosa comunidade, nos primeiros tempos do cristianismo.

Na primeira leitura, o profeta Jeremias (23, 1-6) lamenta pelos maus pastores: “ai dos pastores que deixam perder-se e dispersar-se o rebanho, diz o Senhor”. E complementa: “virão dias em que farei nascer um descendente de Davi, que reinará com sabedoria e fará valer a justiça e a retidão na terra”. As palavras do Profeta, ao mesmo tempo, se dirigem aos sacerdotes e mestres da lei do seu tempo, que em vez de agregar os servos de Javeh, os levavam à desunião, e em seguida, a Jesus Cristo, descendente de Davi, que viria a ser “o pastor” exemplar, que não deixará as ovelhas se perderem. Infelizmente, as palavras do Profeta fazem eco nos dias de hoje, quando vemos maus exemplos de pastores, que levam à desagregação, em vez de promoverem a união do rebanho. As notícias filtradas pela imprensa acerca de fatos e boatos oriundos do Vaticano nos deixam tristes e preocupados sobre a situação da nossa Igreja e nos conclamam a unir forças, cada um dentro das suas possibilidades, visando a uma necessária e inadiável renovação.

No evangelho de Marcos (6, 30-34), lemos a narração das atitudes de Cristo perante a multidão que não largava do seu pé. “Havia tanta gente chegando e saindo, que não tinham tempo nem para comer”, diz o evangelista referindo-se a Cristo e seus discípulos. Eles então se retiram de barco para um lugar deserto, a fim de descansarem um pouco. Ocorre que a multidão os acompanha ao longe, pelas margens do lago de Tiberíades, e observava para onde eles se dirigiam, de modo que chegou ao local rapidamente e assim, ao desembarcar, Jesus e os apóstolos já os encontram aguardando. Ou seja, nada de descanso para Jesus e os discípulos.

Diz o evangelista que o Mestre, vendo-os assim, longe de censurá-los ou de mandá-los embora, ao contrário, teve compaixão deles porque eram como ovelhas sem pastor. Repete-se, portanto, a temática do profeta Jeremias, acerca dos maus pastores. Do mesmo modo como na época do Profeta, Jesus encontra o povo mal pastoreado, isto é, os sacerdotes e mestres da lei não cumprem adequadamente a sua missão e, ainda por cima, não reconhecem em Cristo o autêntico Pastor enviado pelo Pai. Por isso, mesmo estando fisicamente cansados, Jesus e os discípulos se compadecem daquele povo e Jesus passa a ensiná-los muitas coisas. Na sequência desta leitura do evangelho de Marcos, segue-se o episódio da multiplicação dos pães, que não é abordado neste ensejo. Concentremo-nos no modelo do Bom Pastor.

Conforme Jesus demonstrou com seu comportamento, a missão de evangelizar tem prioridade total e não deve ser adiada nem mesmo quando algumas condições não são muito favoráveis. Analisando certas atitudes dos nossos pastores atuais, vemos quantas vezes o comodismo e a intolerância levam a um desserviço do pastoreio. Lembro de um fato, quando eu era seminarista maior, em Messejana, e chegou uma senhora com uma criança enferma para ser batizada, eu fui atendê-la. Expliquei que o Seminário não era sede da Paróquia e que ela deveria dirigir-se à matriz de Messejana. Ela, então, informou que já vinha de lá e o Pároco dissera a ela que havia horários e datas para batizados, não podia ser a qualquer hora. Ela então foi até o Seminário, porque temia que a criança morresse a qualquer momento. Foi quando eu disse a ela que, naquelas circunstâncias, qualquer cristão batizado poderia realizar o batismo 'in extermis', porém vindo a criança a se recuperar, ela deveria informar isso na Paróquia. Nesse momento ela me pediu: Frei, faça isso pelo meu filho. E eu então tomei um pouco de água da torneira e batizei aquele infante, tendo sido esta a única vez que Deus me concedeu a oportunidade de batizar alguém. E eu fiquei pensando em quantos motivos aquela senhora teria para ficar irritada e falando mal da atitude de mau pastor do Pároco local.

O exemplo que Cristo nos deixou foi exatamente o oposto. Mesmo estando cansado e com fome, ele teve compaixão do povo, acolheu-o e passou a ensinar muitas coisas. Façamos uma breve reflexão sobre a expressão de Marcos dizendo que Jesus “teve compaixão” do povo. Ter compaixão não significa ter pena ou ter dó do coitado. O texto latino de São Jerônimo diz que Jesus “misertus est super eos”, isto é, teve misericórdia sobre eles. A diferença entre ter pena e ter misericórdia é que o primeiro indica um comportamento passivo, de lamento, enquanto o segundo leva a uma atitude, a uma ação concreta no sentido de aliviar aquela situação. Uma coisa é ficar lamentando a situação de alguém e nada fazer (ter pena), outra coisa é verificar a carência de alguém e partir para uma efetiva ação em benefício daquela pessoa (ter misericórdia). Compaixão vem do verbo compadecer, isto é, com+padecer, padecer junto, colocar-se na situação do irmão que sofre não para fazer-lhe companhia no sofrimento, mas para retirá-lo daquele estado. Foi isso o que Cristo fez: vendo a multidão igual a um rebanho seu pastor, não ficou apenas lamentando a situação, mas acolheu a todos e passou a ensiná-los. E na sequência do texto, parte não lida neste domingo, tem aquele episódio da multiplicação dos pães. Jesus não apenas distribuiu o pão da palavra, que alimenta o espírito, mas também distribuiu os pães e os peixes, que alimentam o corpo. Essa é a atitude exemplar de Cristo, no sentido de ter misericórdia do povo.

Analisando essa atitude de Cristo, meus amigos, podemos ver o grande equívoco de alguns católicos que afirmam que a Igreja deve fazer apenas ações espirituais, orações, louvores, adorações, como se o ensinamento de Cristo se resumisse a isso. Muitos grupos católicos se põem contra a chamada 'teologia da libertação', que procura integrar a espiritualidade com a corporalidade, mostrando que o ensinamento de Cristo não se limita à docência doutrinária, mas também alcança o plano material da promoção humana, do apoio às legítimas reivindicações dos trabalhadores, o que torna inevitável unir-se às ações políticas da sociedade. Muitos católicos ainda pensam que para viver a sua religião basta ir à missa aos domingos e rezar o terço todos os dias, sem se preocupar com a situação concreta dos irmãos menos favorecidos. Muitos ainda acreditam que a religião não se mistura com a política, atitude essa que é totalmente favorável àqueles que se eternizam no poder, mantendo-se ali à custa da exploração do povo desinformado. Quando o magistério da Igreja, na conferência de Puebla, assumiu oficialmente o compromisso da opção preferencial pelos pobres, estava cumprindo profeticamente a missão integral da salvação da pessoa humana, deixada por Cristo. No entanto, alguns Prelados, Presbíteros e cristãos apegados ao tradicionalismo se encarregaram de deixar de lado este ensinamento, substituindo-o por um espiritualismo vazio e tendencioso, tudo por conta de alguns exageros que (infelizmente) se verificaram por parte de alguns mais exaltados. Nas últimas décadas, essa atitude de solapar a opção pelos pobres vem se verificando nos critérios para a escolha de novos bispos e nas orientações para a formação de seminaristas, fazendo a nossa Igreja percorrer uma perigosa via de retorno, quando já havia tomado o caminho do progresso.

No evangelho deste domingo, Cristo vem nos chamar a atenção de que não basta cantar halleluyas e bater palmas durante as celebrações, pois isso alimenta o espírito, mas é preciso também, com o mesmo zelo, promover ações efetivas no sentido de distribuir os pães e peixes, que alimentam o corpo. Não devemos retornar ao comodismo de outrora, que levou Karl Marx a afirmar que a religião é o ópio do povo. Não podemos esquecer os ensinamentos do Concílio Vaticano II, que seguiu os bons ventos soprados com o aggiornamento de João XXIII, não podemos reviver o período tridentino. Os nossos Pastores precisam urgentemente acordar dessa letargia ilusória do espiritualismo puro. Os graves episódios do chamado “vatileaks” não podem ser tratados como mera intriga da oposição. A nossa Igreja deve abrir um amplo processo de reinvenção da sua estrutura e dos seus procedimentos, sob pena de maior afastamento dos ensinamentos de Cristo e de maiores perdas de seus fiéis. Que o Espírito Santo sopre com mais força, para ser percebido.


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