domingo, 26 de agosto de 2012

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 21º DOMINGO COMUM – A EXIGÊNCIA DA FIDELIDADE – 26.08.2012


COMENTÁRIO LITÚRGICO – 21º DOMINGO COMUM – A EXIGÊNCIA DA FIDELIDADE – 26.08.2012

Caros Confrades,

As leituras litúrgicas deste 21º domingo comum nos trazem à reflexão o tema da fidelidade ao Senhor: Javeh exige fidelidade do povo hebreu e Cristo exige fidelidade dos seus discípulos, enquanto Paulo explica aos cristãos de Éfeso sobre a sua doutrina do corpo místico, que é a Igreja.

A primeira leitura é retirada do livro de Josué (24, 1). Josué foi o sucessor de Moisés, na condução do povo hebreu à terra prometida. Moisés pôde apenas contemplar a terra de Canaã de longe, mas pela idade avançada, morreu antes da chegada, cabendo a Josué substitui-lo na chefia do povo de Deus. Tendo chegado à terra prometida por Javeh, os israelitas encontraram-na habitada por um conjunto de povos denominados amorreus, que eram descendentes dos cainitas, estes por sua vez eram dados como descendentes de Caim, que conforme se sabe, era o irmão amaldiçoado por ter assassinado Abel. Ou seja, os amorreus eram povos inimigos históricos dos israelitas, desde antes da ida do Patriarca Jacó para o Egito. Agora, com o retorno dos descendentes das doze tribos de Israel para o seu local de origem, estes encontraram a terra habitada pelos antigos inimigos, os quais não eram fiéis a Javeh. Portanto, os amorreus não eram propriamente invasores, pois eles habitavam aquelas terras desde tempos remotos. Mas Javeh havia prometido aquela terra aos descendentes de Abraão e os amorreus não faziam parte destes, porque o seu patriarca original (Caim) fora excluído da aliança. Daí, então, com a chegada dos israelitas para tomar posse da terra, foi necessário enfrentar os amorreus em várias batalhas, fazendo-os recuar para outro território. No entanto, a proximidade com estes e o parentesco de sangue, ainda que longinquo, faziam com que alguns israelitas travassem negociações com os amorreus, inclusive tomando as amorréias como esposas e até aceitando seus cultos aos ídolos.

Foi então que Josué chamou os representantes de todas as doze tribos de Israel, com os chefes, anciãos, juízes e magistrados e passou-lhes o veredito de Javeh: “Se vos parece mal servir ao Senhor, escolhei hoje a quem quereis servir: se aos deuses a quem vossos pais serviram na Mesopotâmia, ou aos deuses dos amorreus, em cuja terra habitais.” Em resposta, o povo jurou mais uma vez fidelidade a Javeh: “nós também serviremos ao Senhor, porque ele é o nosso Deus.” Durante toda a caminhada do povo de Deus pelo deserto, as ameaças ao culto de Javeh foram constantes, devido à proximidade com povos idólatras, isso não foi diferente quando finalmente o povo chegou ao seu lugar da promessa. A tendência do povo para a infidelidade estava sempre sendo objeto de advertência dos profetas, ao longo de todo o trajeto pelo deserto. Há poucos dias, vimos a história do profeta Elias que comeu o pão dos anjos, numa dessas missões de convocar o povo ao seu verdadeiro Deus. A convocação de Josué tinha então o caráter de opção final e definitiva, isto é, não estavam ali de passagem, mas na terra onde deveriam permanecer. Portanto, ou o povo firmava definitivamente a sua aliança com Javeh, ou então fazia a opção pelos ídolos. O povo então renovou a promessa.

Uma situação análoga é vivenciada por Cristo diante dos seus discípulos, logo após o milagre da multiplicação dos pães, nas proximidades de Cafarnaum. Para melhor compreensão do discurso de Cristo na leitura de hoje, precisamos contextualizar. As multidões foram em busca de Jesus, então ele perguntou: viestes à minha procura para me ouvir ou para comer novamente aquele pãozinho? Então, eles pediram a Jesus um sinal, para que acreditassem n'Ele, assim como Moisés havia dado aos ancestrais o maná do deserto. Foi quando Jesus explicou: não foi Moisés quem deu a eles aquele pão, mas o meu Pai. E agora, Eu sou o pão vivo que ele mandou para vós. Os vossos pais comeram o maná no deserto e morreram, mas quem comer deste Pão não morrerá. O pão que Eu vos darei é a minha carne para a vida do mundo. Meus amigos, os judeus não entenderam nada e ficaram balançando a cabeça, murmurando que Jesus estava louco. Como é que alguém pode dar a sua carne para outros comerem? Sabendo o que eles pensavam, Jesus completou: Em verdade vos digo, quem não comer a minha carne e beber o meu sangue não terá a vida. Muitos dos que ouviram isso deram meia volta e começaram a se retirar. Aqui começa o texto da leitura de hoje.

Nesta situação embaraçosa, os discípulos disseram a Cristo: este discurso é muito duro, quem será capaz de ouvi-lo? Ao que Jesus respondeu: isso vos escandaliza? Pois outras coisas mais duras haverão de acontecer. E disparou: vocês também querem ir embora? Eu sei que alguns dentre vós não acreditam nisso. Foi quando Pedro acalmou a situação: não, Senhor, a quem iremos? Só tu tens palavra de vida eterna. Nesse diálogo, João evangelista deixa transparecer duas situações ocultas. Primeiro, Jesus sabia que muitos o procuravam com a esperança de que ele fosse um Messias político, lutador, e Ele quis deixar claro que sua missão era outra, o seu reino era de outra natureza. Segundo, ele sabia que mesmo entre os doze havia alguns inseguros e até reticentes, como era o caso de Judas. João diz textualmente que Jesus já sabia quem o iria trair futuramente (Jo 6, 64).

A analogia com a situação vivenciada por Josué, lida na primeira leitura, está no mesmo tema da fidelidade. Jesus quis exigir dos seus discípulos a fidelidade ao Seu projeto. Ele quis deixar muito claro que não tinha objetivos políticos ou guerreiros, mas sua missão era cumprir a vontade do Pai. Então, ele colocou para os discípulos a mesma opção que Josué colocou para o povo de Israel: a hora é agora, façam sua opção, ou seguem a Mim ou vão procurar outro. E tal como no caso dos israelitas, que optaram por Javeh, também os doze renovaram sua opção pela missão de Cristo, cumpridor da vontade do Pai. Inclusive Judas, que resolveu ficar até a última hora, para ver o rumo que as coisas tomariam posteriormente. Verifica-se que a opção de Judas não foi feita de boa fé, isto é, ele verdadeiramente ocultou o que ele de fato pretendia, embora nós saibamos que, para Cristo, conforme o próprio João afirma, essa situação já era sabida. Porém, perante os outros discípulos, a opção de Judas foi viciada pela má-fé, pois eles acreditaram na sua fidelidade. Com efeito, a adesão de Judas não foi plena, foi adesão com reservas. Judas não atendeu à exigência de fidelidade lançada por Cristo. Isso se conclui independentemente dos fatos posteriores ligados à entrega de Cristo aos soldados, pois isso já aconteceu como consequência de sua adesão pela metade.

Além de Judas, Jesus sabia que havia outros discípulos fracos na fé, Ele sabia os que criam de fato e os que tinham dúvidas. Foi por isso que, após a ressurreição, Jesus passou ainda 'quarenta dias' na sua catequese final com os discípulos, preparando a vinda do Paráclito. Já explicamos aqui, de outras vezes, que essa referência a quarenta dias não deve ser entendida matematicamente, mas simbolicamente. O fato é que, mesmo depois de ter concluído sua missão encarnada e ter-se imolado na cruz, Jesus continuou a preparar os discípulos para a sua missão futura, pois Ele sabia o material humano de que dispunha e sabia que, sem essa catequese residual, havia grande risco de dispersão, tal como acontecera com aqueles que, no relato de João, debandaram diante desse duro discurso.

Deixarei de comentar sobre a carta de Paulo aos Efésios, para não alongar demais este comentário. Ficará uma reserva para outra oportunidade.

Que o Divino Mestre nos ensine a sermos fiéis por inteiro, em nossa fé interior e exterior, em nossos exemplos e atitudes.


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