domingo, 26 de maio de 2013

COMENTÁRIO LITÚRGICO - DOMINGO DA SANTÍSSIMA TRINDADE - TRINDADE IMENSA E UNA - 26.05.2013


COMENTÁRIO LITÚRGICO – DOMINGO DA SANTÍSSIMA TRINDADE – TRINDADE IMENSA E UNA - 26.05.2013

Caros Confrades,

A liturgia celebra hoje a festa da Santíssima Trindade, encerrando o núcleo temático do tempo pascal iniciado com o domingo da Ressurreição e passando pelo domingo de Pentecostes. A partir do próximo domingo, retornam os domingos do tempo comum. O hino litúrgico cantado hoje no ofertório começa com esta invocação: ó Trindade imensa e una, que foi o tema que escolhi para este comentário.

A fé na Santíssima Trindade é o dogma fundamental do cristianismo, o grande mistério revelado por Cristo, aquele que deu mais trabalho para os apóstolos e as primeiras comunidades cristãs de assimilá-lo. Antes da vinda de Cristo, o conhecimento da divindade era unipessoal pessoal apenas, o Deus dos patriarcas. Jesus Cristo veio então revelar que a divindade é trina. Foi preciso gastar muita catequese para que os apóstolos aceitassem essa ideia. Compreendê-la era impossível, tanto para eles quanto para nós, porque somente pela revelação divina esta verdade nos foi confiada e é nela que se fundamenta a nossa fé.

Conforme já tive oportunidade de esclarecer anteriormente, os conceitos de revelação e mistério se atraem mutuamente. O mistério é aquela verdade que a nossa razão não consegue alcançar, mas que nos é esclarecida pela revelação. A discussão sobre a Trindade ocupou muito tempo nas primeiras comunidades cristãs, tendo sido objeto de diversas doutrinas depois consideradas heréticas, porque não admitiam a mesma natureza do Pai ao Filho e ao Espírito Santo. Dessas doutrinas, as mais famosas e que tiveram mais adeptos foram o arianismo e o monofisismo. O arianismo, defendida por um bispo de nome Ario, ensinava que Cristo é filho de Deus, mas não é igual a ele, seria uma espécie de semideus. O monofisismo ensinava que Cristo tinha apenas uma natureza, a divina, e a sua humanidade era apenas aparente. Algo como se fosse um fantasma divino visível. Essas doutrinas, além de outras menos divulgadas, dividiam os primeiros núcleos do cristianismo e eram motivo de muitas discussões. Tudo porque os teólogos de então tentavam compreender racionalmente a fé na Trindade.

A preocupação com as divisões internas nas comunidades era tamanha que a questão levou à convocação de um concílio para discuti-la, tendo isto sido definido no Concílio de Nicéia, em 325, quando os padres conciliares redigiram o “símbolo dos apóstolos”, a oração do Credo, sintetizando a doutrina oficial, para que ficasse mais fácil de ensiná-la ao povo cristão. Esta oração foi depois melhorada no Concílio de Constantinopla, em 381, porque no concilio anterior não ficara definida claramente a natureza do Espírito Santo. Assim é que o Credo é também chamado de símbolo niceno-constantinopolitano, porque sua redação passou pelos dois concílios. Em relação ao Filho, o Concílio de Nicéia definiu que o Filho é gerado, não é criado. Gramaticalmente, as duas palavras até são sinônimas, mas no linguajar teológico, faz-se a diferença para explicar que o mundo, o ser humano, as coisas em geral foram criadas por Deus, mas o Filho foi gerado. Esta diferença conceitual acentua que o Filho tem a mesma natureza do Pai, porque foi por ele gerado, enquanto as coisas do mundo não têm a mesma natureza do Criador. Em relação ao Espírito Santo, o Concílio de Constantinopla definiu que o Espírito procede do Pai e do Filho. Não utiliza nem o verbo gerar nem criar. O Espírito Santo origina-se de uma relação de amor entre o Pai e o Filho. Teologicamente, afirma-se que o Filho é o Verbo (a palavra) do Pai que, de tão poderosa, torna-se outra pessoa divina. A “palavra” se fez carne, diz o evangelista João. Observemos que João afirmou isso lá pelo ano 100, ou seja, esse entendimento sobre a natureza do Filho como Verbo de Deus já era conhecido naquela época. E também afirma-se que o Espírito é o Amor do Pai pelo Filho que, de tão poderoso, torna-se também outra pessoa divina. Assim se explica teologicamente este grande mistério, que a nossa potência racional não consegue alcançar, mas apenas a fé nos dá esta certeza.

Na primeira leitura deste domingo, lemos uma espécie de autobiografia da sabedoria: “Fui gerada quando não existiam os abismos, quando não havia os mananciais das águas, antes que fossem estabelecidas as montanhas, antes das colinas fui gerada. ” (Provérbios 8, 24-25). Lembremo-nos de que o livro dos Provérbios faz parte do Antigo Testamento, quando ainda não se falava da Trindade, então a Sabedoria se confundia com o próprio Javeh, ela está com Ele desde o início dos tempos. A sabedoria era como o “mestre de obras” divino, por ela Javeh fez todas as coisas. A fé dos antigos Patriarcas não tinha elementos para associar a Sabedoria ao Filho e ao Espírito, por isso a concentrava totalmente na figura de Javeh, mas com uma plenitude absoluta. O Senhor me possuiu como primícia de seus caminhos, antes de suas obras mais antigas, continua o Livro dos Provérbios, então podemos associar a Sabedoria como a própria Palavra (Verbo), que também estava junto do Pai desde o princípio dos séculos. O Filho não foi gerado para tornar-se humano. Ali aconteceu a encarnação da Palavra, mas esta já existia desde toda a eternidade. Daí o Concilio de Nicéia ter afirmado que Cristo foi gerado, não criado. Antes que o mundo existisse, o Filho já existia. E com a existência do Filho, deu-se também a existência do Espírito. Portanto, a Trindade já existia desde toda a eternidade. O conceito “gerado” foi inspirado no próprio texto do evangelho de João, que se diz em latim “Verbo caro factum est” (o Verbo se fez carne), mas no grego, a mesma frase está escrita assim: “Logos sarx eghénneto”. Eghénneto é a voz passiva do verbo “ghennaô”, que significa “gerar”. Aí o Concilio de Nicéia foi buscar o vocábulo correto para enunciar a origem do Filho.

Na segunda leitura, de Paulo aos Romanos (5, 1-5), o Apóstolo ensina que “estamos em paz com Deus, pela mediação do Senhor nosso, Jesus Cristo... porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado. ” Paulo escreveu isso nos primeiros anos após a morte de Cristo, a doutrina da Trindade ainda estava em fase de elaboração, daí o seu ensinamento acerca da Trindade não ser tão direto como no evangelho de João, escrito muitos anos depois. Porém, vê-se o modo como Paulo demonstra a interligação entre as três pessoas divinas: o Pai criador, o Filho mediador, o Espírito que nos inunda. A comunidade de Roma, a quem Paulo se dirigia, era a mais eclética de todas pela própria condição da cidade, que era então a verdadeira capital do mundo e onde viviam pessoas das mais diversas procedências, costumes, idiomas e também crenças. Sem deixar de considerar que também, naquela época, o cristianismo era uma religião proscrita, perseguida, e só podia ser ensinada e praticada às escondidas. Paulo precisou utilizar a sua sabedoria para apresentar a fé na Trindade aos romanos de uma maneira que fosse mais apropriada para ser aceita. Por isso, ele explica da forma mais didática possível esta doutrina. Em Roma, havia muita influência da cultura grega nas classes sociais mais elevadas, que eram o público preferencial da pregação de Paulo, dada a sua formação acadêmica. Paulo atendia às pessoas mais cultas, enquanto Pedro e os outros atendiam às outras comunidades.

O cântico litúrgico, de autoria da Irmã Miria Kolling, sintetiza de forma bem compreensível esta complexa doutrina: “Ó Trindade imensa e uma, vossa força tudo cria, vossa mão que rege os tempos, antes deles existia.” A Trindade é imensurável, maior que o mundo, sabemos que o mundo não tem tamanho, a Trindade é ainda maior. A Trindade criou o mundo com sua força potentíssima e existe antes de tudo isso. Belo verso que nos serve de inspiração para meditar sobre a Trindade santa. Não é sem propósito que todas as coisas que iniciamos, sempre o fazemos em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Foi na fé desta Trindade que fomos batizados, é na fé da Trindade que a nossa religiosidade se sustenta. Sempre que fizermos o sinal da cruz, estaremos renovando a nossa fé na Trindade imensa e una. E, para concluir, uma breve lição de S. Tomás de Aquino: “A fé católica consiste em venerar um só Deus na trindade, e a trindade na unidade, sem confundir as pessoas, nem separar a substância; pois uma é a pessoa do Pai, outra a do Filho, outra a do Espírito Santo; mas uma é a divindade, igual a glória, coeterna a majestade do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo.


domingo, 19 de maio de 2013

COMENTÁRIO LITÚRGICO - DOMINGO DE PENTECOSTES - 19.05.2013 - DONS DO ESPÍRITO


COMENTÁRIO LITÚRGICO – DOMINGO DE PENTECOSTES – 19.05.2013 – DONS DO ESPÍRITO

Caros Confrades,

O ano litúrgico nos traz novamente à celebração do domingo de Pentecostes. A vinda do Paráclito confirma as promessas de Cristo aos apóstolos e marca o início oficial da 'ekklesia', a comunidade das pessoas de boa vontade, que acreditam n'Ele e se responsabilizam por levar adiante a sua doutrina, ou seja, essas pessoas somos nós. Do seu início em Jerusalém, cujo anúncio público se deu nesta efeméride, até sua chega a Roma, então capital do mundo, especialmente por obra de Paulo, o cristianismo passou de uma religião perseguida à religião predominante no mundo romano. Na semana passada, foi celebrado o aniversário de 1.700 anos do Edito de Milão, pelo qual o imperador romano Constantino decretou a liberdade religiosa no seu império, contribuindo dessa forma para a divulgação aberta da religião cristã, que até aquela ocasião se disseminava à boca miúda e em lugares escondidos, sobretudo nas conhecidas catacumbas. Essa hegemonia social e política do cristianismo no mundo romano trouxe efeitos positivos e negativos sobre os mais diversos setores da vida cotidiana, ultrapassando os limites da pura convicção religiosa e passando para a dimensão da cultura geral – ética, política, jurídica, econômica. Somente um estudo desapaixonado da história pode mostrar a evolução desse contexto complexo, que nós recebemos através da colonização dos portugueses.

Não podemos esquecer, portanto, que o fenômeno Pentecostes vai muito além da 'fundação' oficial da Igreja de Cristo, pois todos os desdobramentos inerentes a isso vieram como consequência inelutável e inevitável, marcando para sempre a história da humanidade. Refletir sobre Pentecostes não é apenas uma tarefa de cunho religioso missionário, mas penetra necessariamente no íntimo da nossa consciência coletiva, que foi formada sob as fortes influências dos movimentos eclesiais, desde a primeira missa do Frei Henrique de Coimbra. O Papa Francisco, nesta festa de Pentecostes, celebrou a missa campal para centenas de milhares de peregrinos presentes na Praça de São Pedro, representantes dos vários movimentos eclesiais de todo o mundo, uma festa ao mesmo tempo una e plural. Os movimentos eclesiais são o mais nítido resultado da ação concreta dos dons do Espírito. O mesmo Papa Francisco, que não perde a capacidade de a cada dia nos surpreender com algo novo, fez uma advertência numa homilia da missa que celebrou, alguns dias atrás, para os estudantes da Pontifícia Universidade Lateranense e abordou o tema da fofoca na Igreja. Vejam o que disse este inspirado Papa: “"Como se fofoca na Igreja! Quanto fofocamos, nós cristãos! A fofoca é precisamente esfolar-se, certo? É maltratar-se mutuamente. Como se se quisesse diminuir o outro, não? Em vez de crescer eu, faço que o outro seja diminuido e me sinto bem. Isso não está bem! Parece agradável fofocar... Não sei porque, mas a pessoa se sente bem. Como uma bala de mel, não é? Você come uma – Ah, que bom! – E depois outra, outra, outra, e ao final fica com dor de barriga. E por quê? A fofoca é assim: é doce no começo e depois acaba contigo, acaba com a tua alma! As fofocas são destrutivas na Igreja, são destrutivas... É um pouco como o Espírito de Caim: matar o irmão, com a sua língua; matar o seu irmão!”

Vejam que maravilha, nada de linguagem teológica acadêmica, nada de palavrório erudito, mas linguagem simples, facilmente compreensível. E direta. Sabem a quem eu acho que o Papa estava se dirigindo? Aos diversos movimentos eclesiais que já estavam se reunindo em Roma e que criticam uns aos outros, cada um querendo ser o melhor e achando que o outro é inferior; ou que o seu próprio está correto e o outro está errado. Movimento X quer se sobressair nas atividades paroquiais, para assim ganhar mais adesões e vangloriar-se de ser um grupo majoritário, tendo como consequência mais poder dentro da paróquia. Meus amigos, isso é o anti-pentecostes, é o desconhecimento total dos dons do Espírito, é a negação da liberdade do Espírito, que sopra onde quer. Eu entendi dessa forma o sermão do Papa. Ele não iria falar isso na Praça de São Pedro, porque seria indelicado. Mas ele sabe das fofocas que existem nas sacristias e corredores eclesiásticos, então ele fez este pronunciamento num outro evento, mas ele sabia que a mensagem terminaria chegando aos seus destinatários. Com essa atitude, eu entendo que o nosso Papa considera a unidade na diversidade a grande marca da Igreja contemporânea. Por muitos séculos, a Cúria Romana se aboletou no Direito Canônico para obrigar todos os fiéis a seguirem seus rigorosos preceitos, tentando a qualquer custo produzir, à força, a unidade dos cristãos no mundo inteiro. O que conseguiu foi mais desunião. Ninguém comparece a uma sessão de diálogo portando armas, é o contrassenso mais funesto e insano. Ninguém chega a uma reunião onde estão presentes pessoas com ideias diferentes e diz: vamos dialogar, mas todos terão de concordar comigo. Pois bem, infelizmente, foi assim que as nossas autoridades eclesiásticas fizeram, muitas vezes, quando promoviam reuniões com as diversas divisões religiosas. O Concílio Vaticano II veio chamar a atenção no sentido de que não é assim, contudo, muitos pastores pós-conciliares continuaram a agir do modo antigo. As últimas notícias demonstram que o Papa Francisco está tentando modificar isso e tem valorizado muito o diálogo inter-religioso. Basta acompanhar as notícias eclesiásticas para se perceber isso.

Meus amigos, a teologia ensina que os dons do Espírito são 7: sabedoria, entendimento, conselho, fortaleza, ciência, piedade, temor de Deus. Eu me atrevo a dizer que são muito mais e me firmo numa questão bem simples: ninguém pode limitar o poder do Espírito, não se pode reduzir toda a atividade própria do Espírito em sete ações. A fé é o principal dom do Espírito. Diz São Paulo na carta aos Coríntios, lida hoje (1Cor 12, 3): ninguém pode dizer “Jesus é o Senhor” senão pelo Espírito. São Paulo não ousou quantificar os dons do Espírito, como fizeram depois os teólogos medievais. Ele diz que há diversidade de dons, diversidade de ministérios, diferentes atividades, mas um mesmo é o Espírito. É a presença dos diversos carismas (kharisma, em grego, é um substantivo derivado do verbo khairôw = estar alegre, ter motivo de alegria; kharisma é obséquio, dom, marca de felicidade). É isso que o Espírito proporciona. Carismático não é apenas um movimento que desse modo se autodenomina, carismáticos somos todos nós que sentimos na alma a felicidade que provém do Espírito. Carismático é todo aquele que serve a Deus com alegria, realizando na fé e na caridade as ações que o Espírito lhe inspira a fazer.

Referindo-me agora às leituras deste domingo, gostaria de comentar que é algo interessante o fato de que nos evangelhos não há menção àquela cena cinematográfica do vendaval e das línguas de fogo pairando sobre os apóstolos. O próprio Lucas, autor dos Atos e do terceiro evangelho, menciona isso apenas nos Atos, não o incluiu no evangelho. E o apóstolo João, dos evangelistas o único presente em corpo e espírito naquela ocasião, silencia a respeito disso. João menciona apenas que Cristo “soprou” sobre eles e disse: recebei o Espírito Santo (Jo 20, 22). A explicação que vejo para este fato é a seguinte. Os evangelhos foram escritos com base em textos esparsos, que circulavam pelas primeiras comunidades cristãs, cuja autoria não foi preservada. É consenso entre os exegetas o fato de que houve fontes comuns para os três primeiros evangelhos, chamados por isso de “sinóticos”, o que significa “resumo”, porque eles foram redigidos com base em textos já existentes, os quais foram por eles compilados. Os estudiosos chamam a essa “fonte” desconhecida de “fonte Q” (inicial da palavra alemã “Quelle” que significa fonte, assim me ensinou o Padre Uchoa). Depois de ter escrito o seu evangelho, Lucas passou a viajar acompanhando as missões de Paulo e Barnabé pelas várias comunidades nos arredores de Jerusalém e, provavelmente, deve ter ouvido outros relatos de tradições orais, que ele incluiu nessa espécie de “relatório” de viagem, que tem o nome de Atos dos Apóstolos. Aliás, o título grego desse livro é bem mais sugestivo do que a palavra “atos” significa em português. Em grego diz-se “práxis”, palavra que tem o sentido de costume, vida cotidiana, modo de vida. A “praxis” era o relato do dia a dia dos apóstolos em missão, suas lutas e vitórias, mas também seus fracassos e problemas, porque a vida não é composta apenas de sucessos.

Eu gosto quando o meu dia de cantar na missa dominical da paróquia coincide com a festa de Pentecostes. Foi assim no ano passado e também neste ano. Novamente, eu não perdi a oportunidade de incluir no roteiro dos cânticos o Veni Creator Spiritus, em latim mesmo, original, gregoriano, aquele que nós conhecemos. E lá estavam cantando conosco o nosso confrade Helder (Frei Jacinto) e sua esposa Julieta, compartilhado a emoção. Que o Espírito venha mesmo visitar nossas mentes e infundir o amor em nossos corações.


domingo, 12 de maio de 2013

COMENTÁRIO LITÚRGICO - DOMINGO DA ASCENSÃO - AS NOVAS REDES - 12.05.2013


COMENTÁRIO LITÚRGICO – DOMINGO DA ASCENSÃO - AS NOVAS REDES – 12.05.2013

Caros Confrades,

Celebramos neste domingo a festa da Ascensão do Senhor, prorrogado para o domingo seguinte ao próprio dia, a quinta feira anterior, dentro do acordo da CNBB com o governo acerca dos feriados religiosos. Neste domingo, coincide com o dia mundial das comunicações sociais, levando-nos a refletir sobre as novas redes sociais que, conforme recomendação do Papa Bento XVI, devem ser utilizadas como os novos canais da evangelização.

Na primeira leitura, retirada dos Atos dos Apóstolos, como acontece em todos os anos neste domingo, lê-se o trecho inicial (At 1, 1-11), no qual o escritor sagrado narra a subida de Jesus ao céu, após despedir-se dos apóstolos. Coincidentemente, a leitura do evangelho de hoje é retirada do mesmo escritor dos Atos, o médico São Lucas e, se observarmos com atenção os dois textos, veremos que ele comete uma pequena incoerência acerca dos detalhes que cercam a ascensão de Jesus. Em At 1, 4 e 1, 9, ele escreveu: “Durante uma refeição, deu-lhes esta ordem: 'Não vos afasteis de Jerusalém … Depois de dizer isto, Jesus foi levado ao céu, à vista deles.” São Lucas gosta muito de falar nos detalhes das cenas que descreve, mas desta vez ele (parece) se esqueceu do que havia escrito no evangelho (Lc 24, 50-51): “Então Jesus levou-os para fora, até perto de Betânia. Ali ergueu as mãos e abençoou-os. Enquanto os abençoava, afastou-se deles e foi levado para o céu.” Se fossem escritos de diferentes autorias, esta inconsistência narrativa seria melhor compreendida, mas visto que são textos do mesmo autor, fica mais dificil de explicar. No entanto, eu chamo a atenção disso apenas por uma questão de análise textual, pois na verdade, isso não altera o conteúdo da mensagem: Ele subiu ao céu depois de passar mais um tempo (40 dias) após a sua morte reforçando a catequese com os seus discípulos, para que eles entendessem melhor a doutrina que iriam pregar.

Um fato que me vem à mente, associado a esse contexto, é que os seguidores do espiritismo utilizam essa narração dos Atos para confirmar a sua crença de que, após a morte, o “espírito” não vai logo para a sua morada eterna, mas ainda passa algum tempo (tempos diferentes, de acordo com as necessidades de cada um) numa situação intermediária em que já não tem mais corpo material, mas ainda não chegou ao nivel espiritual mais elevado. Provavelmente, seria isso que possibilitaria que algumas pessoas “vejam os espíritos” dos mortos, porque eles ainda estão na situação vacante, ainda não fizeram a viagem definitiva até o outro mundo. Teoricamente, isso significaria que a “missão” daquela pessoa ainda não terminou, assim como a missão de Cristo não teria terminado e por isso ele necessitava ficar aparecendo e ensinando ao seu grupo. Na minha opinião, trata-se de uma simples acomodação do texto a uma posição doutrinária diversa e considero o argumento uma mera coincidência. Eu não creio que cada pessoa tenha uma “missão” e que essa deva ser sempre terminada, sob pena de não poder o seu responsável desvincular-se completamente do mundo terreno enquanto não a concluir. Essas teorias reencarnacionistas são muito antigas, anteriores até ao cristianismo e, provavelmente, Cristo as conhecesse. Entre os gregos, havia defensores dessa doutrina, como os pitagóricos e os órficos. Porém, Cristo nunca se referiu a essa possibilidade nos seus ensinamentos e nem existe referência a isso nas cartas de Paulo, que era o mais entendido de cultura grega entre os escritores sagrados. Penso que a missão de Cristo era única e o seu exemplo não pode servir de modelo para algo que ele nunca ensinou.

Ainda outro fato que está associado à festa da Ascensão diz respeito a um trecho conclusivo do escritor sagrado Lucas, quando ele escreveu (At 1, 11): “Apareceram então dois homens vestidos de branco, que lhes disseram: 'Homens da Galiléia, por que ficais aqui, parados, olhando para o céu? Esse Jesus que vos foi levado para o céu, virá do mesmo modo como o vistes partir para o céu.” Entra em ação, outra vez, o detalhismo de Lucas, percebam: dois homens vestidos de branco. Ele nem diz que são dois anjos, mas por terem saído das nuvens e estarem trajando branco, a tradição entendeu sempre que são dois anjos. Isso foi assim costumeiramente interpretado pelos diversos pintores medievais, nos seus quadros de arte sacra. Mas o que eu quero chamar a atenção também é para o outro detalhe: “Ele virá do mesmo modo como o vistes subir.” Por causa deste detalhe, muitos pintores da arte sacra têm mostrado Jesus, com um semblante glorioso, descendo do céu para julgar a humanidade, no final dos tempos. Contudo, de acordo com as interpretações mais recentes dos biblistas, essa descrição deve ser entendida metaforicamente, não do modo como está escrito. Esta descrição corresponde ao modo como os primeiros cristãos entendiam a mensagem de Jesus, quando Ele disse que retornaria para julgar a todos. Por causa dessa compreensão do fato e por causa dessa descrição de Lucas, muitos cristãos dos primeiros tempos viviam na expectativa de ver Jesus voltando já naquela época. São Paulo até adverte os cristãos de Tessalônica (II Tes 2, 1-12) para que ninguém queira adivinhar o dia em que o Senhor voltará. Isso porque alguns cristãos primitivos, achando que Jesus estava quase para vir, deixaram até seus trabalhos e ficavam o dia ociosos só esperando a volta de Jesus. Havia, dentre alguns, esse entendimento de que Ele estava para retornar em breve e muito provavelmente o evangelista Lucas transferiu essa ideia para o seu texto. A interpretação atual é de que cada fiel é que vai encontrar-se com o Julgador por ocasião da sua passagem, não havendo um determinado dia, no qual todos os vivos e mortos fariam tal apresentação. Apesar disso, a forma tradicional de interpretar essa passagem de Lucas ainda é amplamente majoritária.

A respeito das novas redes do mundo contemporâneo, fazendo uma paráfrase com as redes dos apóstolos pescadores, veio em boa hora a sugestão do Papa para que os cristãos aproveitem esse novo modo de pesca eletrônica, através dos canais da comunicação do mundo moderno. O próprio Papa Bento XVI utilizava a rede twitter e a página eletrônica do Vaticano é muito bem elaborada, facilitando a pesquisa e a divulgação dos documentos da Igreja Católica, desde o próprio texto bíblico até os documentos oficiais e não oficiais. Ou seja, a Igreja enquanto instituição vem usando os modernos canais de comunicação a serviço da evangelização e é isso que o Papa pede a todos os cristãos. Ainda do ponto de vista institucional, todos os “padres artistas” têm suas páginas na internet e divulgam seus “trabalhos”, mas não me parece que seja esse o modelo de evangelização a que o Papa se referiu. Aliás, esses “padres cantores” têm (parece-me) mais o intuito comercial do que propriamente o interesse de evangelizar. O pedido do Papa se dirige a nós, fiéis leigos, para que usemos o espaço virtual como canal de evangelização. O que se observa, da parte de muitos cristãos, é a divulgação de material devocional dos mais diversos tipos, sobretudo imagens sacras e orações convencionais. Ao meu ver, isso não se pode chamar de evangelização. Quando muito, é uma demonstração unilateral do tipo de fé que alguém pratica. Sempre que vou pesquisar algo relacionado com assuntos bíblicos, encontro milhares de páginas de pregadores não católicos, esses sim já estão usando a internet para a divulgação dos seus credos em número muito mais elevado do que as páginas católicas. Essas também existem, mas proporcionalmente, as não católicas são bem mais numerosas.

O pedido do Papa, no entanto, se volta especificamente para as redes sociais, que podem ser transformadas em fortes canais de divulgação da mensagem cristã e esse é um desafio para todos nós. É lamentável que muitos dos nossos confrades não tenham desenvolvido o hábito de navegar nas águas virtuais e lançarem-se nessas novas redes do mundo contemporâneo. O nosso preclaro fundador, Gilberto Oliveira, de tanto insistir nessa tecla (literalmente), já se acha meio sem jeito de continuar os seus apelos, com receio de tornar-se inconveniente. Poucos frequentam a sempre aberta sala de debates, na qual os mais diversos temas circulam. Talvez por desinteresse, falta de hábito, desconhecimento ou até preguiça, vários confrades, mesmo acompanhando as mensagens, não as respondem. Alguns fazem isso esporadicamente, a grande maioria mantém-se silenciosa.

Meus amigos, consideremos o convite do Papa e nos integremos todos nas redes comunicativas, exercitando a amizade e a fraternidade através dos recursos técnicos que temos à nossa disposição.


domingo, 5 de maio de 2013

COMENTÁRIO LITÚRGICO - 6º DOMINGO DA PÁSCOA - GUARDAR A PALAVRA - 05.05.2013


COMENTÁRIO LITÚRGICO – 6º DOMINGO DA PÁSCOA – GUARDAR A PALAVRA – 05.05.2013

Caros Confrades,

As leituras deste 6º domingo da Páscoa nos trazem para reflexão um tema muito importante: guardar a palavra de Cristo. Quem a guarda, o Pai ama e, neste guardador, o Pai e o Filho fazem morada. Como é “guardar a palavra”? Será segui-la à risca, como queriam os judeus convertidos que não abandonavam a lei de Moisés? Será andar com ela embaixo do braço, como fazem muitos dos nossos irmãos? Será 'decorar' passagens para ficar passando lição de moral nos outros? Bem, desde os primeiros tempos do cristianismo, a Igreja cristã de Jerusalém já deu ensinamento e exemplo do que significa guardar a palavra, ser fiel a ela.

Temos na primeira leitura, retirada do livro dos Atos (15, 1-2) a narração do cronista sagrado Lucas acerca da grande polêmica que se instalou entre os recém-convertidos judeus e pagãos, acerca da observância da lei de Moisés. Os judeus afirmavam que “Vós não podereis salvar-vos, se não fordes circuncidados, como ordena a Lei de Moisés”, ensinando isso em Antioquia e conturbando a pregação de Paulo e Barnabé naquela região. Vimos, no domingo passado, o trecho da leitura em que Paulo foi até apedrejado nesta cidade, provavelmente em decorrência dessas divergências. Para que não ficasse apenas no entendimento deles dois, resolveram levar a questão para ser discutida com os demais apóstolos e os anciãos da Igreja de Cristo em Jerusalém, onde de fato o cristianismo teve início. A resposta foi enviada através dos porta vozes Judas e Silas, em nome da comunidade hierosolimitana: “Porque decidimos, o Espírito Santo e nós, não vos impor nenhum fardo, além destas coisas indispensáveis: abster-se de carnes sacrificadas aos ídolos, do sangue, das carnes de animais sufocados e das uniões ilegítimas. Vós fareis bem se evitardes essas coisas.” (Atos 15, 28-29)

Permitam-me fazer uma análise gramatical desta frase, cuja tradução me pareceu confusa. Fui conferir nos originais grego e latino e passo a comentar. Com meus parcos conhecimentos do idioma grego antigo, eu entendi que são duas as exigências da Igreja de Jerusalém aos pagãos recém-convertidos: abster-se das carnes sacrificadas aos ídolos, seja por meio de sangramento ou de sufocação, e das uniões ilegítimas (São Jerônimo usa o termo fornicatione e no grego a palavra é pornéias.) Pois bem, do modo como está traduzido no texto da CNBB, parece que são coisas diferentes as carnes sacrificadas e as carnes de animais sufocados... com todo respeito, não foi assim que eu entendi. Pareceu-me mais coerente o modo como apresentei acima. Mas, repito, é a minha compreensão pessoal, eu não sou especialista na língua grega, faço uma compreensão dentro do contexto. Enfim, a igreja de Jerusalém entendeu que não havia necessidade de circuncisão, pois afinal, esta exigência faz parte da aliança antiga e a nova aliança celebrada por Cristo reformulou toda a lei e os profetas.

Vemos aqui nesta discussão dos judaizantes um modo de “guardar a palavra” sendo obediente a ela, mas sem aquele rigorismo da observância literal. Sabiamente, a Igreja de Jerusalém entendeu que não devia exigir dos novos cristãos nada além do necessário, ou seja, do essencial. E este essencial se resumia ao abandono da religião pagã (idolatria) e à recusa do adultério (fornicatione). E diz isso de uma forma bem contundente: “decidimos, o Espírito Santo e nós...” Não foi uma decisão assim na base das opiniões pessoais e do apego à tradição, mas após a invocação das luzes do Espírito Santo. A autêntica guarda da palavra não ocorrerá se não soubermos, a todo momento, deixar o Espírito falar e manter os ouvidos atentos para ouvi-Lo. Guardar a palavra é ser fiel preferencialmente ao seu sentido, do que à sua literalidade. Guardar a palavra é ter discernimento para distinguir o que é essencial e deve ser obedecido, do que é acidental e pode ser comutado em diversas formas de proceder. Em suma, guardar a palavra é agir com sabedoria. E sendo a sabedoria um dos dons do Espírito, somente o Espírito pode conferir ao crente esta verdadeira sabedoria, para que ele seja sempre um fiel guardador da palavra, que é o próprio Verbo de Deus.

Na segunda leitura, do Apocalipse (21, 10-14), o apóstolo João faz um interessante trocadilho com o numero doze, em relação à cidade de Jerusalém, conforme a visão que teve. A nova Jerusalém, que desceu do céu, de junto de Deus, imagem da Igreja de Cristo, brilhava como uma pedra preciosíssima e estava cercada com uma alta muralha, que possuía doze portas, cada uma com o nome de uma das tribos de Israel. E esta muralha se assentava sobre doze alicerces e em cada um destes estava escrito um nome dos doze apóstolos de Cristo. Vejamos que curiosa imagem João nos apresenta, comparando a Jerusalém antiga com a nova, transmitindo a ideia de que a lei antiga prevalecia, simbolizada esta com as doze portas com os nomes dos filhos de Jacó, no entanto, a muralha onde estavam estas portas estava construída sobre os doze alicerces, estes representados pelos doze apóstolos. Os doze apóstolos representam, portanto, a nova aliança, que sustenta a antiga e que lhe confere uma nova funcionalidade. A Igreja de Cristo é o alicerce desta nova aliança.

Podemos ver, nesta imagem, uma outra forma de guardar a palavra, qual seja, colocando a lei antiga sobre novos fundamentos, compreendendo a lei antiga de acordo com os novos ensinamentos deixados por Cristo, através dos seus apóstolos. Cristo disse mais de uma vez que não veio revogar a lei de Moisés, e sim cumpri-la. Mas esse cumprimento se faz em um novo estilo, não mais naquele rigor vazio do formalismo dos fariseus, para quem a realização dos atos exteriores bastava para significar o cumprimento da lei. Um exemplo disso está na resposta de Cristo, quando alguém lhe perguntou se era necessário ir até Jerusalém para adorar o Senhor. Respondeu Ele: “está chegando a hora, e de fato já chegou, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade. São estes os adoradores que o Pai procura.” (Jo 4, 23) Guardar a palavra, portanto, é observar o seu comando intrínseco, não meramente fantasiar-se externamente para que os outros vejam. O que está escrito servirá sempre de guia e referência, porém pelo Espírito a nossa mente orante irá compreender aquilo que a palavra escrita requer de nós que realizemos.

O corolário disso está na pregação de Cristo, recolhida pelo evangelista João (14, 23), quando diz: “'Se alguém me ama, guardará a minha palavra, e o meu Pai o amará, e nós viremos e faremos nele a nossa morada.” E prossegue explicando isso: “E a palavra que escutais não é minha, mas do Pai que me enviou. […] o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, ele vos ensinará tudo e vos recordará tudo o que eu vos tenho dito.” (14, 24-26). Aqui está, meus amigos, o ponto máximo da guarda da palavra: o guardador se torna a própria morada da Santíssima Trindade. O guardador não é um simples custódio, aquele que detém a guarda da coisa. Guardador é o executor, aquele que conhece a palavra e a pratica. É isso que Deus quer de nós. Teoricamente, é para isso que existe a Igreja de Cristo, com o seu corpo de pastores, sucessores dos apóstolos, que ficaram com o papel de conduzir a comunidade da fé na autêntica guarda da palavra, alicerces que são do seu conteúdo. Lamentavelmente, ao longo do tempo, essa missão sublime e fundamental dos sucessores dos apóstolos teve seus momentos de incerteza e de vacilação, deixando a comunidade leiga numa situação de insegurança e de fácil cooptação por falsos pastores. Quantos irmãos afastam-se da Igreja por não sentirem, da parte das lideranças eclesiásticas, a necessária sabedoria que provém do Espírito, enveredando por detalhes circunstanciais e falaciosos, deixando de repassar aos fiéis os verdadeiros alicerces da sua fé.

Talvez alguns de vocês estejam se lembrando, nesse contexto, do recente episódio ocorrido na Igreja de Bauru. Não quero fazer análise de mérito do fato, até porque tudo o que sei é resultado da divulgação pela imprensa. Mas certas atitudes da nossa hierarquia eclesiástica nos deixam seriamente preocupados, porque, num momento, funciona o “laissez-faire”; noutro, entra em ação a guilhotina revolucionária. Onde fica o espaço para ação da sabedoria que provém do Espírito? Será esse o tipo de guarda da palavra que Cristo espera dos seus seguidores? Deixo apenas a referência para reflexão.

Que o Espírito ilumine sempre e cada vez mais as autoridades eclesiais e todos nós, para sermos fiéis guardadores da palavra, mantendo sempre nossos ouvidos atentos à Sua sabedoria.