COMENTÁRIO LITÚRGICO
– SÃO PEDRO E SÃO PAULO – O BOM COMBATE – 30.06.2013
Caros Confrades:
A liturgia dominical
desta data celebra a festa dos santos Pedro e Paulo, baluartes dos
inícios do cristianismo e da igreja primitiva, cada um de acordo com
o seu carisma. Pedro liderou a igreja em Roma, que além de ser a
capital do império romano, era uma espécie de capital do mundo
daquela época. Paulo desenvolveu intensa e fecunda catequese nas
comunidades gregas, contribuindo de forma decisiva para a divulgação
do cristianismo e para a sua consolidação doutrinária.
À parte as polêmicas
sobre o primado de Pedro, que não é aceito pelas igrejas católicas
orientais, Pedro e Paulo tiveram uma atuação muito importante nos
primeiros tempos do cristianismo, desde aquele célebre discurso de
Pedro no dia de Pentecostes, ouvido por centenas de pessoas que
estavam em Jerusalém e o ouviram nas suas próprias línguas, apesar
de Pedro ter falado em aramaico, que era o seu idioma pátrio, até o
miraculoso episódio da sua liberação de dentro da prisão do rei
Herodes, pela mão do anjo do Senhor. Paulo teve o seu Pentecostes
particular e dedicou todas as suas forças à pregação da mensagem
cristã, de modo que, encontrando-se preso e sendo levado para Roma,
onde sabia que aconteceria o final de sua tarefa, resumiu a sua
missão na conhecida frase: combati o bom combate, terminei a
corrida, guardei a fé. (2Tim 4, 7)
A libertação de Pedro
de dentro da prisão do rei Herodes é um episódio minuciosamente
narrado por Lucas, nos Atos dos Apóstolos, com o intuito de
demonstrar o tamanho da fé da comunidade romana no seu lider. O rei
Herodes sabia da importância hierárquica de Pedro e o mantinha na
prisão com um esquema especial de segurança: quatro grupos de
quatro soldados cada um, além dos guardas que ficavam na porta da
prisão. E ainda por cima, Pedro ainda estava amarrado com duas
correntes, mas nada disso adiantou naquela ocasião em que Deus
mandou o anjo para libertá-lo. O escritor sagrado destaca, neste
episódio, a importância da oração da comunidade pelo seu pastor,
fato que deve servir de exemplo para todos nós também nos dias de
hoje. É muito comum as pessoas falarem mal dos padres e bispos
quando, em certas ocasiões, se comportam de um modo não esperado ou
até não condizente com o seu estado clerical. A narração de Lucas
procura mostrar a integração entre a comunidade e Pedro, destacando
que a oração dos fiéis foi decisiva para que Deus mandasse o seu
anjo para libertar Pedro da prisão. Ao invés de criticarmos os
nossos pastores, devemos rezar por eles, para que Deus os ilumine e
liberte, como fez com Pedro.
Sobre esta figura do
anjo, é interessante fazer um observação. É frequente
encontrarem-se nos textos bíblicos referências ao “anjo do
Senhor” como uma expressão metafórica para indicar algum fato
extraordinário que indica uma intervenção divina no mundo humano.
Por causa dessas referências e também por causa do agilidade de sua
atuação, os artistas medievais criaram aquela figura de um ser com
forma humana e dotada de asas, que é a imagem clássica do anjo.
Também com fundamento nessas descrições bíblicas, os teólogos
medievais criaram o conceito do anjo como um ser inteligente, tal
como o ser humano, porém com uma inteligência privilegiada pelo
fato de não ter a limitação da matéria corporal. Os anjos teriam,
desse modo, um intelecto potencializado, que lhes permitiria
compreender melhor os fatos e também contemplar a face divina,
podendo agir seguindo diretamente as ordens do Pai. É desse conceito
de anjo que deriva também o conceito do demônio, enquanto anjo
desobediente, que tenta seduzir os seres humanos para fazerem o mal.
No caso da narração
da libertação de Pedro, Lucas nos diz (At 12, 9) que Pedro estava
sem saber se aquilo acontecia na realidade ou se ele estava apenas
tendo uma visão. Imaginemos a cena: Pedro dormia e despertou com uma
luz, que no entanto, não despertou os soldados que dormiam ao lado
dele; as correntes que o prendiam se soltaram e o barulho delas não
despertou os soldados nem chamou a atenção dos demais guardas; os
portões abriram-se sozinhos diante dele e os guardas nada
perceberam. Pedro via tudo aquilo acontecendo, mas não sabia se era
apenas um sonho ou realidade. Somente quando se viu do lado de fora e
livre foi que tomou consciência da sua libertação miraculosa. Diz
o texto que isso aconteceu quando “o anjo o deixou”. Não é
necessário grande esforço mental para compreender que, a rigor, não
havia a necessidade de que um ser incorpóreo estivesse com ele para
que a força divina se operasse. Podemos muito bem substituir a
expressão “anjo do Senhor” por “mão do Senhor” e deixar
todo o restante do texto sem alteração, para que o mesmo sentido se
mantivesse. Não estou, com isso, querendo afirmar que os anjos não
existem. A teologia ensina até uma hierarquia entre eles (arcanjos,
querubins, serafins, tronos, dominações, potestades), uma descrição
que imita, na esfera celeste, uma certa ordem que havia nas cortes
reais desde os tempos antigos. Por outras palavras, são formas
metafóricas de simbolizar umas espécies de “soldados” divinos
que obedecem as ordens do Criador, assim como os soldados humanos
executam as ordens dos soberanos terrestres. Ao meu ver, a teologia
católica faria bem se deixasse de representar os seres celestes com
categorias conceituais ligadas a reino, trono, majestade, conceitos
esses típicos da sociedade medieval, que já não encontram eco nos
modelos da organização das sociedades contemporâneas.
A leitura do evangelho
de Mateus (Mt 16, 13-19) traz aquele célebre diálogo de Jesus com
Pedro, no qual ele lhe dá as “chaves do reino do céu”,
apelidando-o ainda de “pedra” sobre a qual se construirá a
igreja, texto que serve de fundamento para a controversa doutrina do
primado de Pedro. Com efeito, os outros evangelistas trazem esse
diálogo de Jesus com Pedro, porém sem todos esses detalhes. Nem
mesmo Lucas, que era um escritor muito minucioso, faz referência tão
detalhada, limitando-se a dizer que Ele é o Cristo de Deus. (Lc 9,
18). E Mateus completa o discurso de Cristo dizendo que “o poder do
inferno nunca poderá vencer” a Igreja. O texto latino é um pouco
diferente, ao dizer “portae inferi non praevalebunt adversus eam”,
ou seja, as portas infernais não prevalecerão contra ela. Essa
frase me faz lembrar uma historinha que contam, envolvendo Napoleão
Bonaparte. Quando ele foi coroado imperador da França, após a
Revolução Francesa, ele promoveu um movimento de desmoralização
da Igreja francesa, que passava por um período de grande
dificuldade, quando muitos dos seus membros haviam se envolvido com a
Revolução e os bens eclesiásticos haviam sido confiscados, parecia
que a Igreja iria sucumbir. Napoleão teria dito, então, ao Bispo de
Paris, que um dos objetivos dele (Napoleão) seria acabar com a
Igreja. Ao que o Bispo teria respondido: Majestade, há séculos
alguns padres e bispos vêm tentando isso e não conseguiram... De
fato, o que se vê, ao estudar o desenvolvimento histórico do
cristianismo, é que a instituição eclesial já experimentou
inúmeras crises, algumas gravíssimas, mas sempre conseguiu superar
a todas. Inclusive, na nossa época, mais uma dessas graves crises
está ameaçando a Igreja, mas quando menos se pensa, o Espírito
manda um Papa do tipo de Francisco, para dar andamento a um processo
de restauração, como este Papa vem fazendo, sem alardes mas com
muita segurança e firmeza. Que Deus o ajude a cumprir o seu
propósito.
Bem, voltando ao tema,
podemos concluir que Pedro e Paulo são exemplos para nós de
combatentes do bom combate, cada um na sua especificidade. Os
estudiosos comentam sobre divergências doutrinárias entre Pedro e
Paulo, que eram pessoas de culturas bem diferentes e também de
formação diversa, no entanto, dentro dessa diversidade de
abordagens o cristianismo, desde o início, tem se
desenvolvido e se afirmado. Este é mais um ponto para nossa
reflexão,quando nos deparamos com a existência de tendências e
grupos até rivais dentro do catolicismo, cada qual querendo se
destacar como o mais autêntico. Acima da rivalidade dos grupos e ao
lado de qualquer divergência de compreensão está o evangelho de
Cristo com a sua mensagem divina e verdadeira, aberta à compreensão
de cada um de nós, dentro das peculiaridades de cada época.
Independente deste ou daquele grupo, o que nos deve guiar sempre
deverá ser a fiel e esclarecida compreensão da mensagem de Cristo,
que tem a característica divina de uma perene atualidade. Que o
Espírito nos ajude a encontrar sempre o melhor caminho para seguir a
Cristo com fidelidade.