domingo, 9 de junho de 2013

COMENTÁRIO LITÚRGICO - 10º DOMINGO COMUM - NASCER DE NOVO - 09.06.2013


COMENTÁRIO LITÚRGICO – 10º DOMINGO COMUM – NASCER DE NOVO – 09.06.2013

Caros Confrades,

As leituras deste décimo domingo do tempo comum trazem três passagens bíblicas, nas quais um mesmo tema se repete: nascer de novo. Dois desses episódios aconteceram antes da ressurreição de Cristo e o terceiro, após. O primeiro episódio, contado no 1º livro dos Reis (17, 17), narra o milagre operado por Elias, ressuscitando o filho da viúva de Sarepta. O segundo episódio, narrado por Lucas (7, 11), fala de Jesus ressuscitando o filho de outra viúva, a de Nahim. O terceiro episódio é narrado pelo apóstolo Paulo, falando de si mesmo, como ele renasceu após o seu encontro com Cristo, transmudando-se literalmente em outra pessoa (Gal 1, 11).

Numa coincidência interessante, dois desses casos envolvem mulheres viúvas e ambas haviam perdido seu único filho. No caso do profeta Elias, este não foi o único milagre operado por ele em favor daquela viúva que o hospedava. Embora a leitura litúrgica não contenha o milagre anterior, este é um episódio também muito conhecido. O profeta estava em missão na região norte da Palestina e, ao chegar na cidade de Sarepta, pediu hospedagem a uma mulher, que colhia lenha no mato. Ela não recusou, porém avisou a ele que não podia oferecer-lhe uma refeição, porque tudo que ela possuía era uma pequena porção de trigo e de óleo, com a qual faria o último pão para alimentação dela e do filho e depois iriam aguardar a morte. Foi quando o profeta lhe disse: dá-me este pão e nunca faltará farinha na tua vasilha. E assim aconteceu. Porém, algum tempo depois, o filho da sua anfitriã contraiu grave enfermidade e veio a falecer. Então, a mãe se queixou para Elias: por que vieste aqui trazer a morte, eu que te forneci hospedagem. E Elias ficou deveras desapontado e cobrou de Javeh uma atitude: por que vens afligir a viúva da casa onde habito, atingindo o seu filho? Rogo-te que devolvas a vida a essa criança. E assim Elias operou o segundo milagre em favor daquela mulher. É importante esclarecer que o profeta Elias estava naquela região pregando a fé em Javeh, enquanto as pessoas do local homenageavam o ídolo Baal, que era considerado uma divindade poderosa. Com este milagre, o profeta demonstrou para o povo que Javeh tinha mais poder do que Baal.

No outro caso, narrado no evangelho de Lucas, não houve nenhum pedido, o próprio Jesus tomou a iniciativa de ressuscitar o filho da outra viúva, sabendo tratar-se de seu filho único. E aquela notícia se espalhou por toda a região: um grande profeta está entre nós. Obviamente, isso causara um terrível ódio nos fariseus, que acompanhavam os passos de Jesus. Tal como no episódio do profeta Elias, Jesus demonstrava aos fariseus que era, de verdade, o filho de Deus, tanto assim que podia fazer tamanha demonstração de poder. Porém, nem assim eles acreditaram. Mas o que é mesmo importante observar nesses dois episódios?

Primeiro, o nosso Deus é o Deus da vida. Ele vem para restituir a vida aos que a perderam. Isso deve ser entendido tanto no sentido literal quanto no sentido figurado. O nosso Deus é maior do que a morte, Ele pode fazer os mortos ressuscitarem. O exemplo que ocorreu com esses dois jovens é o prenúncio do que acontecerá com todos os mortais. Até para os não crentes, como é o caso das leituras, a ressurreição ocorrerá. Mais ainda para os que acreditam. Vejam que estamos falando de ressurreição, não de salvação. A ressurreição virá para todos; a salvação, para os que praticam o evangelho de Cristo. E o que é o evangelho de Cristo? É o amor. No domingo passado, eu comentei aqui o sermão do Papa Francisco, quando ele falou que mesmo os ateus, que fazem o bem, serão salvos. Os exemplos das leituras de hoje, reforçam o que foi dito no domingo passado, acerca do milagre praticado por Cristo na pessoa do servo do centurião, também um não crente, no sentido de que a salvação é oferecida a todos e mesmo os não crentes terão o seu prêmio, se praticarem a caridade de Cristo. Como isso é possível? Ora, meus amigos, Jesus disse mais de uma vez: não é aquele que diz: Senhor, Senhor... que entrará no céu, mas o que cumpre a palavra de Deus. Ou seja, cumprir a palavra de Deus equivale a uma crença mais forte do que a daquele que diz e não faz. Por isso, mesmo os não crentes, de bom coração, terão a salvação.

Em segundo lugar, podemos observar que o nosso Deus tem uma predileção pelos mais necessitados. Imaginemos a situação de uma viúva, ou seja, uma mulher que já havia perdido o marido e que depois perde também o seu único filho. Numa época em que as mulheres eram consideradas economicamente inativas, como elas iriam sobreviver? Cristo, que não veio negar a lei antiga, mas cumpri-la com perfeição, repetiu o mesmo gesto do profeta Elias, que vivera cerca de mil anos antes d'Ele, restituindo a vida ao filho único de uma viúva. Apenas para esclarecer, a situação das mulheres viúvas, na antiguidade, era desesperadora, pois devido à prevalência da linhagem masculina (patriarcalismo), a herança do falecido era distribuída entre os filhos e estes não tinham obrigação de sustentar a viúva, que muitas vezes nem era a mãe deles e também porque tinham as próprias famílias. Resultado: a viúva ficava numa situação deplorável. Somente na época do imperador Justiniano (século VI depois de Cristo) esta situação mudou, quando este sábio governante determinou que 25% dos bens do falecido seriam destinados à viúva, isso era chamada a “quarta da viúva pobre”. Atualmente, a regra jurídica é mais benéfica, a viúva herda metade dos bens do casal, no caso do regime da comunhão universal dos bens. Sabendo daquela condição, Cristo ressuscitou o filho da viúva sem que ela Lhe pedisse, obviamente também com o objetivo de reforçar a fé dos Seus seguidores. Diz Lucas que aquela notícia se espalhou por toda a região.

O terceiro episódio, contido na epístola aos Gálatas (1, 11-19), é ainda mais comovente, porque é narrado em primeira pessoa. Paulo fala de si próprio, de como perseguia com todas as forças o cristianismo e ganhava pontos no farisaísmo com isso. Mas depois que Cristo o chamou, aquele Paulo perseguidor morreu e surgiu um novo Paulo evangelizador. Eu já tive oportunidade de confessar aqui que uma das razões mais fortes para se acreditar na divindade de Cristo está na conversão de Paulo. Cristo sabia que os outros apóstolos eram pessoas incultas e, para a propagação do cristianismo no mundo greco-romano, era preciso uma pessoa de cultura. Ele não encontrou essa pessoa na Galiléia, então foi buscá-la noutro meio e numa situação bastante emblemática: arrebatou o seu maior perseguidor e o tornou o seu mais fiel seguidor. E nessa carta aos Gálatas, Paulo proclama: o evangelho que eu prego a vocês, eu não recebi de homem algum, mas por revelação de Cristo (Gal 1, 12). Nos Atos dos Apóstolos (cap 9), Lucas narra com detalhes o episódio. Mas a narração do próprio Paulo, apesar de sucinta, é demasiado forte para se perceber como ele “nasceu de novo”. Diz ele: “Quando, porém, aquele que me separou desde o ventre materno e me chamou por sua graça se dignou revelar-me o seu Filho, para que eu o pregasse entre os pagãos, não consultei carne nem sangue nem subi, logo, a Jerusalém para estar com os que eram apóstolos antes de mim.” (Gal 1, 15-17) Foi um verdadeiro batismo de luz, pelo qual Paulo recebeu toda a revelação diretamente de Cristo, nem precisou que os outros apóstolos lhe repassassem o que haviam aprendido. A catequese que Paulo teve foi recebida por iluminação, pois Cristo sabia que os pescadores da Galiléia não iriam saber transmitir toda a profundidade da doutrina que Paulo alcançou com as suas reflexões teológicas. Os evangelistas transmitiram a tradição popular do que se contava a respeito de Jesus, seus ensinamentos, seus milagres. Mas Paulo produziu na verdade uma primeira reflexão teológica, unindo o conhecimento que tinha da mensagem de Cristo com a sua formação na cultura grega, surgindo daí as primeiras lições da teologia cristã, que veio a se desenvolver também no evangelho de João e depois, com os Padres gregos dos primeiros séculos (a chamada Patrística). O cristianismo é fruto dessa conjugação entre a mensagem cristã e o pensamento culto grego, daí porque Sto Tomás de Aquino, anos mais tarde, adotou o pensamento de Aristóteles como suporte teórico para desenvolver a Summa Theológica. A matriz grega estava presente na doutrina cristã desde o início, portanto, combinou perfeitamente com a filosofia aristotélica predominante na Idade Média.

Meus amigos, vejam isso: Paulo utilizou a cultura grega para ensinar o cristianismo aos povos gregos. Sto Tomás utilizou a filosofia medieval para ensinar o cristianismo no medioevo. Para ensinar o cristianismo na nossa cultura, é preciso que saibamos compreender a mensagem de Cristo dentro do nosso meio cultural. Este é o nosso desafio como pessoas cultas: transmitir a mensagem de Cristo de acordo com a nossa cultura. Fazer teologia não é repetir simplesmente o pensamento de Sto Tomás, como se nós fôssemos europeus e vivêssemos na Idade Média. Muitos católicos, infelizmente, não compreendem isso.


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