COMENTÁRIO LITÚRGICO
– 10º DOMINGO COMUM – NASCER DE NOVO – 09.06.2013
Caros Confrades,
As leituras deste
décimo domingo do tempo comum trazem três passagens bíblicas, nas
quais um mesmo tema se repete: nascer de novo. Dois desses episódios
aconteceram antes da ressurreição de Cristo e o terceiro, após. O
primeiro episódio, contado no 1º livro dos Reis (17, 17), narra o
milagre operado por Elias, ressuscitando o filho da viúva de
Sarepta. O segundo episódio, narrado por Lucas (7, 11), fala de
Jesus ressuscitando o filho de outra viúva, a de Nahim. O terceiro
episódio é narrado pelo apóstolo Paulo, falando de si mesmo, como
ele renasceu após o seu encontro com Cristo, transmudando-se
literalmente em outra pessoa (Gal 1, 11).
Numa coincidência
interessante, dois desses casos envolvem mulheres viúvas e ambas
haviam perdido seu único filho. No caso do profeta Elias, este não
foi o único milagre operado por ele em favor daquela viúva que o
hospedava. Embora a leitura litúrgica não contenha o milagre
anterior, este é um episódio também muito conhecido. O profeta
estava em missão na região norte da Palestina e, ao chegar na
cidade de Sarepta, pediu hospedagem a uma mulher, que colhia lenha no
mato. Ela não recusou, porém avisou a ele que não podia
oferecer-lhe uma refeição, porque tudo que ela possuía era uma
pequena porção de trigo e de óleo, com a qual faria o último pão
para alimentação dela e do filho e depois iriam aguardar a morte.
Foi quando o profeta lhe disse: dá-me este pão e nunca faltará
farinha na tua vasilha. E assim aconteceu. Porém, algum tempo
depois, o filho da sua anfitriã contraiu grave enfermidade e veio a
falecer. Então, a mãe se queixou para Elias: por que vieste aqui
trazer a morte, eu que te forneci hospedagem. E Elias ficou deveras
desapontado e cobrou de Javeh uma atitude: por que vens afligir a
viúva da casa onde habito, atingindo o seu filho? Rogo-te que
devolvas a vida a essa criança. E assim Elias operou o segundo
milagre em favor daquela mulher. É importante esclarecer que o
profeta Elias estava naquela região pregando a fé em Javeh,
enquanto as pessoas do local homenageavam o ídolo Baal, que era
considerado uma divindade poderosa. Com este milagre, o profeta
demonstrou para o povo que Javeh tinha mais poder do que Baal.
No outro caso, narrado
no evangelho de Lucas, não houve nenhum pedido, o próprio Jesus
tomou a iniciativa de ressuscitar o filho da outra viúva, sabendo
tratar-se de seu filho único. E aquela notícia se espalhou por toda
a região: um grande profeta está entre nós. Obviamente, isso
causara um terrível ódio nos fariseus, que acompanhavam os passos
de Jesus. Tal como no episódio do profeta Elias, Jesus demonstrava
aos fariseus que era, de verdade, o filho de Deus, tanto assim que
podia fazer tamanha demonstração de poder. Porém, nem assim eles
acreditaram. Mas o que é mesmo importante observar nesses dois
episódios?
Primeiro, o nosso Deus
é o Deus da vida. Ele vem para restituir a vida aos que a perderam.
Isso deve ser entendido tanto no sentido literal quanto no sentido
figurado. O nosso Deus é maior do que a morte, Ele pode fazer os
mortos ressuscitarem. O exemplo que ocorreu com esses dois jovens é
o prenúncio do que acontecerá com todos os mortais. Até para os
não crentes, como é o caso das leituras, a ressurreição ocorrerá.
Mais ainda para os que acreditam. Vejam que estamos falando de
ressurreição, não de salvação. A ressurreição virá para
todos; a salvação, para os que praticam o evangelho de Cristo. E o
que é o evangelho de Cristo? É o amor. No domingo passado, eu
comentei aqui o sermão do Papa Francisco, quando ele falou que mesmo
os ateus, que fazem o bem, serão salvos. Os exemplos das leituras de
hoje, reforçam o que foi dito no domingo passado, acerca do milagre
praticado por Cristo na pessoa do servo do centurião, também um não
crente, no sentido de que a salvação é oferecida a todos e mesmo
os não crentes terão o seu prêmio, se praticarem a caridade de
Cristo. Como isso é possível? Ora, meus amigos, Jesus disse mais de
uma vez: não é aquele que diz: Senhor, Senhor... que entrará no
céu, mas o que cumpre a palavra de Deus. Ou seja, cumprir a palavra
de Deus equivale a uma crença mais forte do que a daquele que diz e
não faz. Por isso, mesmo os não crentes, de bom coração, terão a
salvação.
Em segundo lugar,
podemos observar que o nosso Deus tem uma predileção pelos mais
necessitados. Imaginemos a situação de uma viúva, ou seja, uma
mulher que já havia perdido o marido e que depois perde também o
seu único filho. Numa época em que as mulheres eram consideradas
economicamente inativas, como elas iriam sobreviver? Cristo, que não
veio negar a lei antiga, mas cumpri-la com perfeição, repetiu o
mesmo gesto do profeta Elias, que vivera cerca de mil anos antes
d'Ele, restituindo a vida ao filho único de uma viúva. Apenas para
esclarecer, a situação das mulheres viúvas, na antiguidade, era
desesperadora, pois devido à prevalência da linhagem masculina
(patriarcalismo), a herança do falecido era distribuída entre os
filhos e estes não tinham obrigação de sustentar a viúva, que
muitas vezes nem era a mãe deles e também porque tinham as próprias
famílias. Resultado: a viúva ficava numa situação deplorável.
Somente na época do imperador Justiniano (século VI depois de
Cristo) esta situação mudou, quando este sábio governante
determinou que 25% dos bens do falecido seriam destinados à viúva,
isso era chamada a “quarta da viúva pobre”. Atualmente, a regra
jurídica é mais benéfica, a viúva herda metade dos bens do casal,
no caso do regime da comunhão universal dos bens. Sabendo daquela
condição, Cristo ressuscitou o filho da viúva sem que ela Lhe
pedisse, obviamente também com o objetivo de reforçar a fé dos
Seus seguidores. Diz Lucas que aquela notícia se espalhou por toda a
região.
O terceiro episódio,
contido na epístola aos Gálatas (1, 11-19), é ainda mais
comovente, porque é narrado em primeira pessoa. Paulo fala de si
próprio, de como perseguia com todas as forças o cristianismo e
ganhava pontos no farisaísmo com isso. Mas depois que Cristo o
chamou, aquele Paulo perseguidor morreu e surgiu um novo Paulo
evangelizador. Eu já tive oportunidade de confessar aqui que uma das
razões mais fortes para se acreditar na divindade de Cristo está na
conversão de Paulo. Cristo sabia que os outros apóstolos eram
pessoas incultas e, para a propagação do cristianismo no mundo
greco-romano, era preciso uma pessoa de cultura. Ele não encontrou
essa pessoa na Galiléia, então foi buscá-la noutro meio e numa
situação bastante emblemática: arrebatou o seu maior perseguidor e
o tornou o seu mais fiel seguidor. E nessa carta aos Gálatas, Paulo
proclama: o evangelho que eu prego a vocês, eu não recebi de homem
algum, mas por revelação de Cristo (Gal 1, 12). Nos Atos dos
Apóstolos (cap 9), Lucas narra com detalhes o episódio. Mas a
narração do próprio Paulo, apesar de sucinta, é demasiado forte
para se perceber como ele “nasceu de novo”. Diz ele: “Quando,
porém, aquele que me separou desde o ventre materno e me chamou por
sua graça se dignou revelar-me o seu Filho, para que eu o pregasse
entre os pagãos, não consultei carne nem sangue nem subi, logo, a
Jerusalém para estar com os que eram apóstolos antes de mim.”
(Gal 1, 15-17) Foi um verdadeiro batismo de luz, pelo qual Paulo
recebeu toda a revelação diretamente de Cristo, nem precisou que os
outros apóstolos lhe repassassem o que haviam aprendido. A catequese
que Paulo teve foi recebida por iluminação, pois Cristo sabia que
os pescadores da Galiléia não iriam saber transmitir toda a
profundidade da doutrina que Paulo alcançou com as suas reflexões
teológicas. Os evangelistas transmitiram a tradição popular do que
se contava a respeito de Jesus, seus ensinamentos, seus milagres. Mas
Paulo produziu na verdade uma primeira reflexão teológica, unindo o
conhecimento que tinha da mensagem de Cristo com a sua formação na
cultura grega, surgindo daí as primeiras lições da teologia
cristã, que veio a se desenvolver também no evangelho de João e
depois, com os Padres gregos dos primeiros séculos (a chamada
Patrística). O cristianismo é fruto dessa conjugação entre a
mensagem cristã e o pensamento culto grego, daí porque Sto Tomás
de Aquino, anos mais tarde, adotou o pensamento de Aristóteles como
suporte teórico para desenvolver a Summa Theológica. A matriz grega
estava presente na doutrina cristã desde o início, portanto,
combinou perfeitamente com a filosofia aristotélica predominante na
Idade Média.
Meus amigos, vejam
isso: Paulo utilizou a cultura grega para ensinar o cristianismo aos
povos gregos. Sto Tomás utilizou a filosofia medieval para ensinar o
cristianismo no medioevo. Para ensinar o cristianismo na nossa
cultura, é preciso que saibamos compreender a mensagem de Cristo
dentro do nosso meio cultural. Este é o nosso desafio como pessoas
cultas: transmitir a mensagem de Cristo de acordo com a nossa
cultura. Fazer teologia não é repetir simplesmente o pensamento de
Sto Tomás, como se nós fôssemos europeus e vivêssemos na Idade
Média. Muitos católicos, infelizmente, não compreendem isso.
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