COMENTÁRIO LITÚRGICO
– 12º DOMINGO DO TEMPO COMUM – O CRISTO DE DEUS – 23.06.2013
Caros Confrades,
Neste 12º domingo do
tempo comum, as leituras litúrgicas destacam a relação entre a
cruz e o batismo, através da ação salvífica do Cristo de Deus,
como assim Jesus foi definido por Pedro, pela inspiração do
Espírito. Pela cruz, Jesus nos abriu as portas da salvação e pelo
batismo, nós fomos incorporados a Cristo para, através dEle, termos
acesso às bem aventuranças que a Sua cruz conquistou para nós.
A primeira leitura traz
um texto que é bastante raro na liturgia, escolhido do livro do
profeta Zacarias. Este profeta é o pai de João Batista, cuja festa
é celebrada amanhã, 24 de junho, e é também aquele que ficou mudo
durante toda a gestação do menino, por haver duvidado da gravidez
de sua esposa idosa, quando isto lhe foi anunciado pelo anjo do
Senhor. No texto lido neste domingo, temos a profecia de Zacarias
acerca do futuro Messias (Zc 12, 10), quando ele diz que os mesmos
que causaram a morte deste irão pranteá-lo com tão profunda dor,
quanto alguém pranteia a morte de um filho único ou primogênito.
Este texto é reproduzido na liturgia do tríduo pascal, onde se lê
que “contemplarão aquele a quem traspassaram”. Trata-se de um
prenúncio do Messias sofredor, uma longínqua antecipação do
sacrifício de cruz, bem antes do nascimento do próprio precursor,
João Batista.
No versículo seguinte
(Zc 12, 11), o profeta faz referência a um dia tão calamitoso
quanto aquele em que o Messias irá ser imolado, recordando que
“haverá
um grande pranto em Jerusalém, como foi o de Adadremon, no campo de
Magedo.” Os exegetas não
têm certeza sobre qual fato o Profeta se refere, mas com certeza
teria sido algo que ocasionou grande comoção naquela época, algo
que teria vitimado alguém inocente de forma injusta e que, por esse
motivo, teria havido muita tristeza entre o povo. Este mártir
inocente era a prefiguração do futuro Messias, que também seria
inocentemente imolado. Esta primeira leitura, portanto, traz uma
alusão direta ao sofrimento pelo qual o Messias teria de passar e
também à reação de arrependimento que ocorreria entre aqueles
mesmos que causaram os sofrimentos. A começar por Judas e pelos
soldados responsáveis pela crucifixão.
Na segunda leitura,
novamente de Paulo aos Gálatas (3. 26-29), lemos o ensinamento do
apóstolo acerca da consequência mais importante que o batismo nos
traz, que é o fato de sermos inseridos em Cristo e, com isso, nos
tornamos herdeiros de toda a promessa que Javeh fez aos Patriarcas,
desde os tempos antigos. “Vós
todos que fostes batizados em Cristo vos revestistes de Cristo. …
Sendo de Cristo, sois então descendência de Abraão, herdeiros
segundo a promessa.” Pelo
batismo, nós nos tornamos um em Cristo e isso nos unifica também
entre nós, de modo que já não há mais distinção de raça, cor,
sexo, origem, classe social, a adesão a Cristo nos torna membros de
um só corpo e nos faz todos irmãos. Pela cruz, Cristo abriu para
nós o acesso à casa do Pai. Pelo batismo, nos revestimos de Cristo
e nos tornamos merecedores de sua graça. Observem que o batismo não
apenas nos une a Cristo, mas nos reveste dEle, é muito mais
profundo. Daí porque Paulo pôde dizer aquilo que lemos na leitura
do domingo passado: “Eu
vivo, mas não eu, é Cristo que vive em mim.”
(Gl 2, 20) O batismo não apenas nos aproxima de Cristo, mas nos
torna “outros Cristos” porque nos insere no seu corpo místico e
glorioso. Se formos fiéis a isso, poderemos também repetir com
Paulo que é Cristo que vive em nós.
A leitura do evangelho
está divida em dois blocos bem distintos. Na primeira parte (Lc 9,
18-21), temos aquela conhecida passagem em que Pedro faz a definição
mais perfeita de Jesus, quando responde à interrogação dEle
próprio sobre “quem vós pensais que eu sou?” Pedro se antecipa
aos demais e responde com determinação: Tu és o Cristo de Deus.
Antes, Jesus havia perguntado o que o povo falava a respeito dEle.
Talvez algum dos antigos profetas que ressuscitou, era essa a opinião
popular a Seu respeito. Quando o evangelista Mateus narra esse mesmo
episódio (Mt 16, 13), ele acrescenta outros detalhes que Lucas
omite. Lucas diz apenas que Jesus proibiu os apóstolos de dizerem
isso para as outras pessoas. Segundo Mateus, nesse momento, Jesus
disse ainda que Pedro havia falado aquilo por revelação do
Espírito, ou seja, Pedro não teria chegado sozinho àquela
conclusão. E é também neste momento que Jesus teria dado a Pedro o
primado sobre os demais apóstolos, com aquela famosa frase: Tu és
Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha igreja. Este trecho de
Mateus será utilizado posteriormente, no século IV, para
fundamentar a tese teológica do trono de Pedro, transformando o
Bispo de Roma no chefe supremo de toda a cristandade. Conforme
podemos ver na leitura deste domingo, Lucas, que é conhecido por ser
um escritor detalhista, não colocou este diálogo no seu texto. Esta
tese teológica foi uma das mais polêmicas de toda a história do
cristianismo, sendo a responsável direta pela cisão dos Padres
gregos, que não admitiam submeter-se à chefia do Bispo de Roma.
Lucas é bem mais objetivo e sintético: és o Cristo de Deus, o
ungido de Deus, o cordeiro de Deus. E aí encerra o seu discurso.
No segundo núcleo
temático deste texto (Lc 9, 22-24), o evangelista mostra Jesus
falando sobre a sua paixão aos apóstolos. O Cristo de Deus irá
sofrer perseguição pelos chefes do povo, morrerá e depois
ressuscitará. Foram várias as vezes em que os apóstolos ouviram
Jesus dizendo algo semelhante: sofrer, morrer, ressuscitar, mas
provavelmente eles só vieram a entender isso depois que esses fatos
aconteceram, depois do fenômeno da cruz. Judas foi um que ficou
esperando, até o último momento, que Jesus fizesse uma grande
demonstração de poder e liquidasse todos os inimigos de Israel.
Este foi o único que expressou o que tinha na mente. Quanto aos
demais, não se sabe ao certo. Pedro O negou por três vezes porque
não tinha compreendido o alcance daquelas palavras (sofrer, morrer,
ressuscitar). João foi outro que se aproveitou do conhecimento que
tinha com pessoas do palácio de Pilatos e conseguiu entrar no
pretório para tentar ver o que estava acontecendo com Jesus, pois
ele também não tinha entendido o sentido daquelas palavras. Aqueles
dois discípulos que iam para Emaús também estavam encucados, sem
entender o que havia acontecido. De fato, eles estavam desistindo do
projeto de seguir a Cristo, porque parecia que tudo tinha terminado.
Eles também não entenderam aquelas palavras. Dos demais, não se
sabe, porque as reações não ficaram registradas. O certo é que,
após a ressurreição e as seguidas aparições de Jesus no meio
deles, foi que começaram a juntar as ideias e compreender o que Ele
havia dito.
E no final deste
discurso, Jesus diz ainda palavras mais incompreensíveis para eles:
“quem
quiser salvar a sua vida, vai perdê-la; e quem perder a sua vida por
causa de mim, esse a salvará”
(Lc 9, 24). Se eles já não tinham entendido a primeira parte, esse
final era ainda mais enigmático. Quem veio trazer a explicação
desse enigma foi Paulo, na epístola aos Gálatas, lida no domingo
passado (Gl 2, 20): “Eu
vivo, mas não eu, é Cristo que vive em mim. Esta minha vida
presente, na carne, eu a vivo na fé, crendo no Filho de Deus, que me
amou e por mim se entregou.”
Quem quer salvar a sua vida, isto é, quem quer viver segundo seus
próprios desígnios, sem seguir os ensinamentos de Cristo, vai ao
final se perder, se destruir. Mas quem se deixar guiar pelos
ensinamentos de Cristo, pode parecer que está perdendo o seu tempo e
a sua vida, mas pela fé alcançará a salvação. A vida na carne, a
vida material não pode fechar-se sobre si mesma, buscando angariar
cada vez mais, possuir cada vez mais, desfrutar cada vez mais, porque
quem age assim vai perdê-la. A vida material deve ser vivida na fé
e na caridade, crendo no Filho de Deus e seguindo os seus
ensinamentos. O cristão não abandona a vida material, a vida na
sociedade, não recusa a posse dos bens materiais, mas vive tudo
isso, possui tudo isso com espírito de solidariedade, utilizando
esses bens a serviço dos irmãos. Isso é possível porque, pelo
batismo, nos revestimos de Cristo e assim a nossa vida material se
constrói numa vivência de fé, sabendo administrar os bens
materiais em vista do bem de todos. Que a lição de Paulo aos
Gálatas possa se transformar no lema da nossa vida cristã.
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