domingo, 20 de abril de 2014

COMENTÁRIO LITÚRGICO - DOMINGO DA PÁSCOA - 20.04.2014 - DIA DO SENHOR

COMENTÁRIO LITÚRGICO – DOMINGO DA PÁSCOA – 20.04.2014 – DIA DO SENHOR

Caros Confrades,

O ciclo periódico do ano litúrgico nos traz, mais uma vez, a celebração a festa da Páscoa. Foi num domingo de páscoa, há três anos, que iniciei a escritura desses comentários, pelos quais tenho tido a oportunidade de rever alguns conceitos bíblico-teológicos estudados no curso de teologia e também de aprender mais, através das leituras e pesquisas que faço, ao partilhar com vocês essas idéias. Agradeço a todos os que me honram com sua leitura, alguns me remetem opiniões animadoras, outros nada dizem mas espero que obtenham algum proveito do que leem. Ao reler sobre assuntos estudados por mim anos atrás, talvez o maior beneficiado seja eu mesmo, pela oportunidade que tenho de meditar e aprofundar os ensinamentos. Nesse contexto, animei-me a realizar um projeto antigo, que era estudar a língua hebraica, o que tem me trazido importantes informações, as quais também partilho aqui com vocês, porque são importantes para o conhecimento de todos os crentes em Deus, todos os cristãos e, em especial, os seguidores da fé católica. Existe muito romantismo associado à festa da Páscoa, o que se percebe nos textos das mensagens que circulam na internet nesses dias, mas é sempre oportuno refletirmos sobre o que significa verdadeiramente a Páscoa, para além dessas repetidas saudações.

Na tradição do catolicismo brasileiro, impera um misticismo muito forte em torno da paixão de Cristo, pelo Brasil afora, sabe-se de incontáveis encenações dos fatos relacionados com os eventos finais da missão histórica de Cristo, alguns mais e outros menos divulgados, mas sempre com aquela mesma receita emotiva, de modo a despertar pena de Jesus e ódio dos judeus. Num comentário que fiz há poucos dias, procurei apresentar uma versão menos convencional dos fatos relacionados com a “traição” de Judas, outro personagem que se tornou folclórico na mente do nosso povo, com a queima do boneco de pano. Essas práticas empanam o verdadeiro sentido da festa pascal, que é a comemoração da ressurreição de Cristo. Daí ser mais comum haver maior número de pessoas na cerimônia da sexta feira santa do que na vigília pascal. Certamente, ainda levará um tempo considerável para que uma nova catequese seja empreendida e se faça uma releitura dos sublimes acontecimentos rememorados na festa litúrgica do Tríduo Pascal. Por isso, decidi colocar o título deste comentário como “Dia do Senhor” ou “dies dominica”, na nomeclatura latina. Foi a partir da consciência da importância da ressurreição de Cristo como sendo o evento mais importante de todo o mistério da redenção, que as autoridades cristãs permutaram o antigo dia sabático pelo dia domínico. Essa mudança caracteriza também a tradição do antigo testamento para o novo testamento. Isso, porém, não aconteceu de imediato, mas foi necessário um tempo de amadurecimento e de evolução da compreensão teológica desses fatos para que, finalmente, a mudança fosse operacionalizada, por volta do século IV. Canonicamente, essa mudança foi definida nos Concílios de Nicéia (325) e de Laodicéia (364).

Nesses concílios, foi debatida a questão do cálculo da data da páscoa, para que não coincidisse com a páscoa judaica, considerando que os judeus não aceitavam Jesus como Filho de Deus e Salvador. As igrejas orientais (Constantinopla, Alexandria, Antioquia, Cairo) tinham maior aproximação com as comunidades judaicas e não queriam celebrar a festa da páscoa do mesmo dia, daí decidiram que seria no domingo que sucede a lua cheia após o equinócio da primavera no hemisfério norte, que tem como data de referência o dia 21 de março. Mas essa contagem não é assim tão simples e foi sempre ponto de discórdia entre a igreja romana e as igrejas orientais, que ainda hoje celebram a páscoa em datas diferenciadas. Isso sem deixar de mencionar também as discordâncias de outras denominações cristãs, que igualmente divergem das definições do catolicismo romano acerca da definição da data da celebração da páscoa. E visto que o fenômeno geográfico referencial para o seu cálculo é a fase da lua, a data da páscoa continua, nos dias de hoje, seguindo o calendário lunar, gerando incompatibilidade com a sequência das demais datas, que se orientam pelo calendário solar. Daí porque, a cada ano, o dia da páscoa sofre grande variação, sendo necessária, por via de consequência, uma sistemática de arranjamento das demais festividades, para que tudo se encaixe de forma harmoniosa. Contudo, mesmo não havendo coincidência de datas, no entanto a festividade pascal, em todas as culturas, é celebrada sempre nesse mesmo período do ano, desde os tempos ancestrais.

Com efeito, os pesquisadores não sabem a origem da festa da páscoa, porque essa é uma tradição que se perde no tempo. Estima-se que a páscoa começou a ser celebrada desde que os seres humanos começaram a formar grupos estáveis em determinados locais, onde passaram a plantar e criar animais, deixando assim de ser nômades, como eram os primeiros grupos humanos. Ou seja, a festa da páscoa originalmente estaria integrada com o próprio surgimento da sociedade humana. Este período geográfico que, no hemisfério norte, corresponde à primavera e coincide com o tempo em que as árvores iniciam a brolhar após o frio do inverno, começando a produzir os primeiros frutos da terra, passou a ser festejado como o tempo da primeira colheita, tempo de fartura e da prosperidade, celebrando a paz entre a natureza e os seus habitantes, tempo em que os animais também acasalam e a vida sobre a terra se renova. Este seria o sentido primitivo da páscoa, festejada desde tempos imemoriais.

A páscoa, portanto, originalmente está associada à renovação da vida na terra, (no caso, considerando a geografia européia, pois naquela época as terras do lado sul terrestre não eram conhecidas). Como podem verificar, nós celebramos a páscoa européia, a páscoa do norte, pois se fôssemos considerar os mesmos fenômenos geográficos no nosso hemisfério, a nossa páscoa seria celebrada no mês de setembro. Já imaginaram se nós, ocidentais e austrais, fôssemos fazer a mesma questão que os orientais fizeram acerca da definição da data da páscoa? Haveria um sério risco à unidade do catolicismo. Pois bem, mas isso de fato não fará diferença, uma vez que nós não celebramos a páscoa pelo seu significado histórico e cultural, mas pelo sentido religioso que essa festa passou a ter após a ressurreição de Cristo. Propositalmente, o plano salvífico de Deus fez coincidir a ressurreição de Cristo com essa simbólica festividade da humanidade setentrional, dando-lhe um sentido totalmente novo e inusitado. Após a ressurreição de Cristo, a páscoa deixou de ser apenas uma festa das colheitas, da vida natural, da cultura humana, assumindo uma dimensão especial na economia da salvação, usando uma terminologia bem característica dos compêndios de teologia. Jesus ia todos os anos a Jerusalém, para celebrar a páscoa com os discípulos, mas Ele sabia que naquela vez seria diferente, daí ter preparado tudo, conforme descrevem os evangelistas, inclusive aquela entrada triunfal, sendo aclamado com ramos de palmeiras, de modo a chamar bem a atenção dos fariseus, sacerdotes e chefes do povo. Tudo fora preparado, no plano divino, para que a antiga páscoa dos homens fosse transformada na nova Páscoa de Cristo.

As primeiras comunidades cristãs não perceberam isso logo e continuaram celebrando o dia do Senhor no sábado, como era a tradição judaica. Mas depois foram percebendo que, com a ressurreição de Cristo, a Páscoa tinha ganho um novo sentido e aquela tradição sabática precisava ser superada pela celebração dominical, porque Jesus havia ressuscitado no primeiro dia da semana. Aqueles que não creem em Cristo como o Salvador e, portanto, não reconhecem o novo testamento escrito com o seu sangue continuam guardando o sábado. Ou algumas denominações cristãs radicais que, mesmo acreditando em Cristo, não aceitam a mudança de significado do “sábado-dia do senhor” e continuam a guardar o sétimo dia, em vez do primeiro dia. O novo significado da Páscoa, como festa da vida renovada, da vida plena e definitiva, da vida que supera a morte devia ser comemorada como uma nova festa, com um novo simbolismo. O dia da ressurreição do Senhor, o primeiro dia da semana, essa devia ser a nova referência para as festividades pascais.

Meus amigos, quando hoje celebramos a Páscoa, devemos nos lembrar disso: pela Páscoa da ressurreição de Cristo, nós ganhamos um verdadeiro motivo para comemorar, qual seja, a nossa redenção, a conquista da nossa vida plena e definitiva, que Cristo antecipou para nós com a sua ressurreição dos mortos e nos deu a certeza de que, assim como Ele, nós também teremos a nossa vitória sobre a morte e sobre o pecado e um dia nos uniremos com Ele, junto do Pai, na morada eterna. Para além,portanto,  das costumeiras saudações de Feliz Páscoa ou mesmo utilizando essa costumeira terminologia, nossas palavras passam a ter um novo sentido, se estivermos conscientes do seu verdadeiro significado.


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