domingo, 6 de abril de 2014

COMENTÁRIO LITÚRGICO - 5º DOMINGO DA QUARESMA - E JESUS CHOROU - 06.03.2014

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 5º DOMINGO DA QUARESMA – E JESUS CHOROU – 06.04.2014

Caros Confrades,

Neste 5º domingo da quaresma, a liturgia traz para nossa reflexão outro trecho do evangelho de João que era utilizado na catequese antiga durante a preparação dos catecúmenos, completando uma trilogia de ensinamentos. No domingo anterior, o tema foi a luz, com a cura do cego; no domingo mais anterior, o tema foi a água, no diálogo com a samaritana; neste domingo, o tema é a vida, com a ressurreição de Lázaro. Jesus é a luz que dissipa as trevas, a água que sacia para sempre a sede, a vida que nunca se acaba. Mas, dentro dessa temática da ressurreição de Lázaro, eu escolhi tratar um subtema, que mostra o lado humano e emocional de Jesus: o choro diante do túmulo do amigo.

Na primeira leitura, o profeta Ezequiel (37, 12-14) destaca o poder divino sobre a vida e a morte, ao anunciar:  “vou abrir as vossas sepulturas e conduzir-vos para a terra de Israel; e quando eu abrir as vossas sepulturas e vos fizer sair delas, sabereis que eu sou o Senhor”. Mais de uma vez, Jesus demonstrou esse poder, por exemplo, fazendo ressuscitar a filha de Jairo (Mt 9, 18), o filho da viúva de Naim (Lc 7, 11), sendo o evento mais comentado a ressurreição de Lázaro, pelo grau de amizade que Jesus mantinha com a família dele. O profeta Ezequiel foi discípulo de Jeremias e sucedeu a este na atividade profética, tendo sido levado cativo para a Babilônia. A sua profecia é cheia de imagens enigmáticas, que trazem divergências nas interpretações dos teólogos, os quais comparam suas visões àquelas narradas por João, no Apocalipse. Esse trecho lido na liturgia de hoje refere-se aos israelitas mortos durante o cativeiro, que mesmo assim serão conduzidos para a terra de Israel, porque o Senhor é poderoso, Ele diz e faz.

Na segunda leitura, aos cristãos Romanos (8, 8-11), Paulo desenvolve também a temática da ressurreição, fazendo o paralelo entre a vida segundo a carne e a vida segundo o espírito. A primeira leva à morte, a segunda conduz à vida plena. “Vós não viveis segundo a carne, mas segundo o Espírito, se realmente o Espírito de Deus mora em vós. Se alguém não tem o Espírito de Cristo, não pertence a Cristo.” (8, 9) Quem vive segundo o espírito, tem o Espírito Santo dentro dele e isso é a garantia de que aquele que ressuscitou Jesus dentre os mortos também vivificará nossos corpos mortais. Neste último domingo da quaresma, as leituras litúrgicas já estão preparando os cristãos para a vivência dos mistérios da Redenção operada por Cristo, cuja memória celebramos na festa da Páscoa. Embora a tradição religiosa que nos foi legada tenha uma tendência a enxergar em primeiro plano o aspecto do sofrimento, da paixão, a liturgia já está nos exortando que o foco central da preparação da Páscoa deve ser a fé na ressurreição de Cristo, porque esta é a verdade básica do cristianismo. Paulo fez essa síntese catequética extraordinária, quando declarou: se Cristo não ressuscitou, vã é a nossa pregação e vã é a vossa fé (1Cor 15, 14). Devemos, portanto, enxergar para além do sentimentalismo que a devoção tradicional associou aos eventos da semana santa, concentrados nos sofrimentos de Cristo, para alcançarmos o verdadeiro sentido da Páscoa cristã.

No evangelho (Jo 11, 3-45), lê-se um dos trechos mais longos dos evangelhos dominicais, no qual o apóstolo narra com riqueza de detalhes os fatos circunstanciais relativos ao milagre da ressurreição de Lázaro. O propósito catequético joanino está bem evidente no destaque que ele dá a esses detalhes, para demonstrar a figura divina de Cristo, que não dissocia do seu lado humano. João fala da amizade de Jesus com Lázaro e suas irmãs. Mostra o receio dos discípulos pelo fato de Jesus querer voltar para a Judéia, onde morava Lázaro, pois de lá eles haviam escapado fazia pouco tempo, com receio da ira dos judeus, que queriam apedrejar Jesus. E sobre tudo isso, mostra um fenômeno raro nos evangelhos, ressaltando a humanidade de Jesus, quando diz por duas vezes que ele se emocionou profundamente até o ponto de chorar. Nenhum trecho do evangelho afirma que Jesus sorriu, isso foi até motivo de discussão durante a Idade Média por parte de alguns teólogos radicais que afirmavam que o riso e dança são contrários ao cristianismo, porque Jesus nunca teria feito nada disso.

O relato da ressurreição de Lázaro é um texto clássico na literatura cristã e apresenta uma verdade incontestável. Nenhum daqueles judeus que estavam presentes na casa das irmãs Marta e Maria, quando Jesus ali chegou depois de Lázaro ter sido sepultado, pôs em dúvida este fato. No caso do cego de nascença, conforme vimos no domingo passado, houve questionamentos se o homem era mesmo cego, até os pais dele foram inquiridos para atestarem isso. Mas no caso de Lázaro, a prova foi tão inconteste que João diz apenas assim, no fim da narrativa: muitos dos judeus que viram isso creram nele. Lázaro já estava sepultado há quatro dias, não havia como alegar algum tipo de armação ou fingimento. As irmãs até alertaram Jesus, quando ele mandou afastar a pedra da entrada da sepultura: ele já cheira mal. Não havia nada que alguém pudesse alegar para tentar desconstituir aquele espetacular milagre que Jesus produziu.

Quero comentar um detalhe dentre os muitos contidos nessa narrativa, que é este: e Jesus chorou. João relata que os judeus viram Jesus chorando e até comentaram: veja como Ele o amava... Isto é, ninguém duvidou de que Jesus estivesse realmente chorando, ninguém alegou que fosse fingimento. Pois bem, por que estou eu insistindo nisso? Porque o principal mistério da teologia cristológica é exatamente esse das duas naturezas de Cristo: a natureza divina e a humana. Esse foi um dos temas mais difíceis enfrentados pelos primeiros teólogos do cristianismo, por causa da dificuldade de sua compreensão. Foi nesse contexto que surgiu a principal heresia dos tempos iniciais do cristianismo, chamada de arianismo, divulgada pelo bispo Ario. A questão era colocada nesses termos: Jesus é filho de Deus, mas não é Deus, porque Deus é um só. Cristo seria filho de Deus, criado desde o início dos tempos, conforme consta na Bíblia, mas não seria igual a Deus, ou seja, não teria a natureza divina. Ele estaria colocado numa posição acima dos homens e abaixo de Deus. Em resumo, Ario negava a natureza divina de Cristo. Ele seria um semideus, um demiurgo, uma pessoa especial, mas não igual a Deus, porque só existe um Deus. Com isso, Ario negava também a Trindade Santa, o Deus Uno e Trino, porque essa verdade da fé não pode ser explicada pela razão humana. Desde o início, a teoria ariana foi rejeitada pelos teólogos orientais, porém os cristãos gregos a admitiam com facilidade, por causa da semelhança dessa doutrina com as divindades gregas, que eles cultuavam antes do cristianismo.

Foi o sustentáculo dos teólogos orientais, sobretudo de Santo Atanásio, bispo de Alexandria, que fez prevalecer a doutrina de que Cristo é “homo-ousios”, ou seja, tem a mesma essência, idêntica essência à do Pai. A consolidação dessa doutrina atanasiana se deu no Concílio de Nicéia, em 325, quando foi elaborado o símbolo dos Apóstolos, o Credo que se reza na missa: Cristo foi gerado (não criado), consubstancial ao Pai, e o Espírito procede do Pai e do Filho. Dizem os historiadores que, ao final daquele Concílio, onde foi vencedora a tese de Santo Atanásio, alguns bispos presentes que tiveram voto vencido (os arianos), mesmo não concordando, terminaram por assinar o documento oficial do Concilio, porém houve bispos que se recusaram a assinar e esses foram destituídos dos seus cargos e expulsos da Igreja. Dizem ainda os historiadores que isso não determinou o fim do arianismo, pois esses bispos expulsos fugiram para outras localidades mais distantes, onde continuaram pregando a sua doutrina como verdadeira e assim, durante séculos, várias comunidades continuaram professando a fé ariana, especialmente no território oriental.

Meus amigos, quando lemos sobre essas difíceis polêmicas suportadas pelo cristianismo primitivo, compreendemos melhor o motivo de termos, nos dias de hoje, tantas divergências doutrinárias dentro do universo cristão católico. Ou seja, essas dissensões sempre existiram e já foram causa de inomináveis ações separatistas, as quais tenta-se evitar nos dias de hoje. O caso mais recente é o da comunidade São Pio X, do Monsenhor Lefébvre, cujo realinhamento com a Santa Sé vem sendo negociado já faz alguns anos, embora ainda não tenha se concretizado. E o Papa Francisco carrega consigo essa enorme responsabilidade de unificar as comunidades divididas, para que haja um só rebanho. Que a Páscoa seja uma festa inspiradora para a união de todos aqueles que creem em Cristo e estão comprometidos com a sua mensagem de salvação.


Nenhum comentário:

Postar um comentário