domingo, 13 de abril de 2014

COMENTÁRIO LITÚRGICO - DOMINGO DE RAMOS - 30 MOEDAS - 13.04.2014

COMENTÁRIO LITÚRGICO – DOMINGO DE RAMOS – 30 MOEDAS - 13.04.2014

Caros Confrades,

O ciclo litúrgico nos coloca novamente no período mais simbólico das comemorações cristãs, que é o tempo da Páscoa. A celebração desta é antecedida pelo Tríduo Pascal (quinta, sexta e sábado santos) e estes são antecedidos pelo Domingo de Ramos, festejado nesta data. Conforme já tive oportunidade de referir-me em outras vezes, precisamos ir além da tradição que recebemos, na qual a memória da Paixão do Senhor se coloca acima da memória da Páscoa do Senhor. Na verdade, toda a nossa fé cristã e católica se alicerça é na Ressurreição de Cristo, não na sua paixão. É óbvio que ele teve de passar pelo sofrimento extremo e pela morte, isso não foi pouca coisa, mas tudo isso só faz sentido se estivermos olhando para a ressurreição. Se não for assim, é vã a nossa fé, já disse o apóstolo Paulo. (1Cor 15, 17).

Conforme alguns Colegas já sabem, eu estou participando de um curso sobre hebraico bíblico e no decorrer do curso, tomamos conhecimento também dos costumes judaicos. O curioso é que os judeus ainda hoje celebram a sua páscoa do mesmo modo como era no tempo de Cristo: mesma data, mesmos rituais, mesma tradição. Quando o evangelho de Mateus, lido hoje, diz assim: “no primeiro dia dos ázimos...” (26, 17), lembrei que, na semana passada, a professora falou que estavam nesse período, que são os dez dias subsequentes à lua nova do mês de nissan, pra eles, o primeiro mês do ano. Outra curiosidade que ela informou foi a seguinte: ninguém pode comer nenhum alimento proveniente do trigo nesse período, apenas o pão ázimo, que é preparado com a massa sem fermento. Ela disse que a preparação da massa deve demorar, no máximo, 18 segundos, pois a partir daí já começa a fermentar e já não pode mais ser usada. Fez-me lembrar daquelas regras antigas sobre o jejum, quando o Direito Canônico estabelecia a quantidade de gramas máxima para cada refeição. Felizmente, já superamos essa “burocracia” ritual.

Pois bem, estou comentando acerca dos costumes judaicos, porque desenvolveu-se, na nossa cultura cristã, um terrível preconceito contra os judeus, porque foram eles que mataram a Jesus. Lembrei agora de uma matéria que li, faz poucos dias, sobre Santa Gemma Galgani, uma santa italiana que conversava com Jesus. Ela perguntou-lhe: Senhor, quem te matou? E Jesus respondeu a ela: foi o amor. De fato, Jesus deu sua vida por amor da criação divina, do universo inteiro, incluído aí o ser humano. Os agentes operadores dessa façanha foram os sumos sacerdotes judaicos e Judas, cognominado de Iscariotes, para diferenciar do outro, o Tadeu. Por causa disso, esses personagens foram historicamente execrados. Judas, o traidor; os judeus, os pérfidos judeus, como dizia a antiga oração da sexta feira santa. Mas quem matou Jesus foi o amor, o imenso amor, incomensurável amor, que só cabia mesmo no seu incomensurável coração. Então, nós precisamos também ir além daquela vetusta tradição que nos martelou a cabeça durante muito tempo: Judas traidor, pérfidos judeus. Nesse Domingo de Ramos, eu escolhi o tema das 30 moedas, para falar um pouco sobre esse personagem sombrio na tradição, Judas Iscariotes, aquele que é enforcado e queimado, não sem antes ser perseguido, escondido, procurado... quem não lembra da noite da procura do Judas, na qual ninguém dormia.

Comecemos por interpretar o nome dele – Judas Iscariotes. O nome em português Judas é a transliteração do grego IOUDA, que por sua vez é adaptado do hebraico Yehudhah, palavra que significa “abençoado”. Vejam só o impacto que isso causa sobre a cultura tradicional: o abençoado. Iscariotes em hebraico corresponde a duas palavras ISH QUERYOT, significando (uma das suas compreensões) “o homem de Queryot”, filho de Simão de Queryot, sendo esse o nome de uma vila na Judéia. Existe outra interpretação mais política para esse apelido, que é ISH SICARI, em que sicari significa punhal e deu origem ao nome sicário, assassino que mata por dinheiro, o pistoleiro dos sertões nordestinos. Essa interpretação se refere a um grupo de terroristas judeus que existia dentro de um partido político chamado de zelotes. Os zelotes eram inimigos dos romanos, que naquele tempo ocupavam aquela região do oriente médio e faziam tramas contra os invasores. Havia uma facção dos zelotes, que praticavam assassinatos de adversários políticos, usando punhais. Talvez Judas fizesse parte desse grupo, mas isso não tem confirmação documental, são apenas hipóteses dos estudiosos. Mas embora não seja certo que ele pertencia a esse grupo de assassinos, o fato de ser um zelote é aceito por todos. Os zelotes eram conhecidos na época, porque faziam propaganda aberta contra os romanos. Eram como um certo “partido” que, antes de galgar o poder, também pregava a liberdade e a igualdade social. Enquanto zelote, Judas lutava pela libertação da Palestina, pela expulsão dos romanos de lá e viu em Jesus um líder que poderia ter apoio popular para isso. Desse modo, a aproximação de Judas a Cristo teria sido motivada por esse interesse político.

Não podemos esquecer que o grupo dos doze foi escolhido por Jesus, Ele os chamou para a sua companhia, não foi imposição de ninguém. Ora, todos cremos que Jesus sabia de todos os desafios que iria enfrentar, sabia que Judas seria o intermediário dos acontecimentos, então, por que razão Jesus teria mantido Judas no grupo dos doze até o final? Com certeza, era porque Jesus tinha consciência do papel dele, da sua importância, fazia parte do 'plano' do Pai. De acordo com um manuscrito descoberto há pouco tempo, denominado o evangelho de Judas, documento escrito por volta do século II ou III, Judas era o discípulo que tinha mais conversas com Jesus, era da sua total confiança. Se Jesus fosse um de nós, poderíamos dizer que ele estava sendo enganado. Mas Jesus, sendo Deus, não teria como ser enganado por Judas. Portanto, Jesus sabia de tudo e sabia que Judas seria “necessário” para que o plano do Pai se concretizasse.

A partir desse raciocínio, podemos concluir que a infâmia de “traidor” foi criada pelos outros onze, após os acontecimentos, com a finalidade de execrá-lo. Todos os evangelistas, sem exceção, tratam Judas como traidor, mas Mateus é o que carrega mais na difamação dele, descrevendo até o seu suicídio. Na verdade, podemos dizer que o evangelho de Mateus tem dois objetivos básicos: um é mostrar que Jesus é o Messias esperado e predito pelos Profetas; o outro é execrar Judas. Quando lemos o texto de Mateus, vemos que ele está, com frequência, dizendo algo assim: isso aconteceu para que se cumprisse o que disse o profeta tal. Na narração da Paixão, Mateus inclui a história das 30 moedas, relacionando com um trecho de Jeremias (Mt 27, 9), quando na verdade, a citação é de Zacarias (11, 12-13), ele até confundiu os profetas. Mas ele queria mesmo era justificar a história das 30 moedas. Nenhum dos demais evangelistas fala nas 30 moedas, dizendo apenas que os sumos sacerdotes haviam lhe prometido dinheiro (Mc 14, 10; Lc 22,5) e João nem comenta sobre alguma recompensa. Somente Mateus fala no arrependimento de Judas e na devolução do dinheiro, com o qual os sacerdotes compraram um campo que serviria de cemitério para os estrangeiros. Aqui podemos encontrar uma outra inconsistência nessa história das moedas inserida no texto por Mateus, além da troca dos nomes dos profetas, que é a seguinte. Segundo os historiadores, naquela época, as 30 moedas corresponderiam ao preço de um escravo. Então, podemos questionar se com o preço de um escravo seria possível adquirir um terreno suficientemente grande para servir como um cemitério? Penso que não. Mas o objetivo de Mateus era mostrar que havia se cumprido a predição do profeta, não estava ele preocupado com valores monetários.

Portanto, observamos que nenhum dos evangelistas considerou o fato de que Jesus sabia de tudo desde o início e, mesmo assim, manteve a presença de Judas no grupo e não o discriminou. Jesus até fez dele o “caixa” do grupo. Os discípulos aproveitaram esse fato e transmitiram a imagem de Judas como um avarento, que só estava preocupado com as finanças do grupo. Provavelmente, Mateus também se aproveitou disso para incluir o detalhe das 30 moedas, como forma de justificar a sua fama de avaro. Por outro lado, segundo o texto do evangelho apócrito citado acima (evangelho de Judas), não teria havido traição, mas sim o atendimento a um pedido de Jesus, para que Judas informasse aos romanos onde Ele estava. Não quero, com isso, dizer que esta seja a dimensão mais fiel dos acontecimentos, pois esse evangelho apócrifo foi descoberto recentemente e ainda precisa ser melhor estudado. O objetivo dessas referências é apenas trazer subsídios para uma nova reflexão da pessoa e da função de Judas, fora da tradição que o difama e o abomina.

Com essas reflexões, antecipo meus votos de Feliz Páscoa a todos..


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