domingo, 28 de setembro de 2014

COMENTÁRIO LITÚRGICO - 26º DOMINGO COMUM - OBEDIÊNCIA E FIDELIDADE - 28.09.2014

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 26º DOMINGO COMUM – OBEDIÊNCIA E FIDELIDADE– 28.09.2014

Caros Confrades,

A liturgia deste domingo deste 26º domingo comum dá sequência às parábolas de Jesus em relação aos fariseus, enfocando o tema de que obedecer não é cumprir formalmente a lei, mas vivê-la no seu coração. Cristo nos deu o mais perfeito exemplo da obediência, no dizer do apóstolo Paulo, quando deixou de lado sua condição divina e assumiu a nossa humanidade, humilhando-se até à morte, tudo para cumprir com fidelidade o plano do Pai.

A primeira leitura é retirada do Profeta Ezequiel, que chama a atenção para a conduta de acordo com a justiça, como garantia de uma vida longa. É importante lembrar que Ezequiel profetizou no tempo do exílio da Babilônia junto aos exilados. Ele era também um deles. Javeh permitiu que o povo hebreu sofresse essa imensa humilhação de ser levado cativo para uma terra estrangeira, por causa da desobediência à aliança, porque abandonaram o projeto dos Patriarcas, porque trocaram Javeh pelos ídolos e a lei pela vida luxuosa. O Profeta adverte: “Quando um justo se desvia da justiça, pratica o mal e morre, é por causa do mal praticado que ele morre.” (Ez 18, 26)  Era isso que havia acontecido ao povo hebreu: desviara-se da justiça, por isso estava no cativeiro. Todos tinham fé em que Javeh não iria deixar o seu povo para sempre cativo. No entanto, o Profeta foi enviado para anunciar que a libertação só ocorrerá quando eles se converterem, isto é, abandonarem a vida de desobediência e retornarem para o projeto de Javeh. O estilo de Ezequel é cheio de imagens fortes, pelas quais ele busca sensibilizar o povo. É muito conhecida  a profecia dele no cap. 36, 26: “tirarei do vosso peito o coração de pedra, e vos darei um coração de carne ” O coração do povo estava petrificado e essa era a missão do profeta: amolecer-lhes o coração. Não é certeza que Ezequiel tenha retornado do exílio, pois não são conhecidos os detalhes da sua morte. No entanto, a sua missão profética foi decisiva e seu trabalho foi completado pelos seus discípulos.

Na segunda leitura, retirada da carta de Paulo aos Filipenses, lemos aquela conhecida e nem sempre bem compreendida passagem em que ele diz que Cristo não se prevaleceu do fato de ser igual a Deus, isto é, não quis ter nenhum privilégio. A tradução da CNBB é infeliz, ao meu ver, porque fala em “usurpação”, abrindo espaço para entendimentos fora do contexto, no meu modesto modo de pensar. Com efeito, Paulo está enfatizando a fidelidade de Cristo ao projeto do Pai, fazendo-se obediente em tudo e, por isso, o Pai O exaltou e O colocou acima de tudo e Lhe deu um Nome que está acima de todo nome. (Fl 2, 9) Convém sempre lembrar que a comunidade de Filipos foi a primeira fundada por Paulo e pela qual ele tinha uma afeição especial, como se quisesse tornar esta a comunidade modelo para as outras. Daí ele dizer: “Se existe consolação na vida em Cristo, se existe alento no mútuo amor, se existe comunhão no Espírito, se existe ternura e compaixão, tornai então completa a minha alegria: aspirai à mesma coisa, unidos no mesmo amor; vivei em harmonia, procurando a unidade. ” Vê-se o cuidado que ele tinha em manter a comunidade fiel na observância do evangelho, evitando conflitos, praticando o amor mútuo e a comunhão fraterna. A fidelidade ao evangelho era a melhor maneira de conservar a obediência a Deus.

Temos no evangelho de Mateus (21, 28-32) outra das parábolas de Cristo dirigidas aos fariseus, que se consideravam obedientes a Deus porque cumpriam rigorosamente os preceitos da Lei. E por causa disso, desprezavam os outros (cobradores de impostos e prostitutas) porque não observavam tais preceitos. No domingo passado, foi a parábola dos trabalhadores que chegaram em horários diferentes e todos receberam o mesmo salário, contra os fariseus que se julgavam mais merecidos do que os pecadores. Aqui, Jesus faz uma comparação. Um pai tinha dois filhos e mandou a ambos que fossem trabalhar na vinha. O primeiro disse: “não vou” mas, depois, pensou melhor e foi; o segundo disse “vou já”, mas não foi. E aí faz a pergunta retórica e de resposta óbvia: qual dos dois realmente obedeceu ao pai? Os próprios sumos sacerdotes (fariseus) responderam corretamente, porém não compreenderam que, novamente, Jesus estava contrapondo os pecadores, representados pelo filho que, a princípio, desobedeceu ao pai, mas depois arrependeu-se e foi fazer o que o pai mandara, com a conduta dos fariseus, representados pelo filho que aceitou o compromisso, porém não o cumpriu. Os fariseus, além de se considerarem automaticamente salvos porque obedeciam fielmente os preceitos da Lei, ainda desdenhavam dos pecadores (cobradores de impostos, prostitutas) que estariam assim condenados a priori. Por isso, Jesus usa um linguajar mais do que direto: “João veio até vós, num caminho de justiça, e vós não acreditastes nele. Ao contrário, os cobradores de impostos e as prostitutas creram nele. Vós, porém, mesmo vendo isso, não vos arrependestes para crer nele”.” (Mt 21, 32) Ora, os fariseus achavam que não tinham do que se arrepender, pois afinal eles se consideravam puros e fiéis, eles eram os cumpridores da lei, não os outros. O que mais admirava aos fariseus nas atitudes de Jesus é que Ele, em vez de ficar na sinagoga, no meio deles, andava nas praças, nas montanhas, nas beiras dos lagos junto com os pecadores. Ora, se eles, fariseus, eram os herdeiros da promessa, então por que a prioridade de Jesus não fora dada a eles? Essa foi a questão que eles nunca entenderam.

Meus amigos, é muito comum observarmos essa atitude dos fariseus na conduta de muitos cristãos de hoje. No domingo passado, eu fiz a alusão às duas senhoras que discutiam no estacionamento da igreja logo após a missa. Mas esse é um exemplo entre muitos, infelizmente. Nos ambientes internos dos diversos serviços paroquiais encontramos cristãos que estão longe de praticarem o conselho de Paulo aos Filipenses (2, 3): “Nada façais por competição ou vanglória, mas, com humildade, cada um julgue que o outro é mais importante, e não cuide somente do que é seu, mas também do que é do outro.” Existe mesmo uma competição indisfarçada, uma busca insensata pelo “poder” dentro da comunidade, prática de bajulação como forma de conquistar a confiança do Pároco, domínio de espaços e locais (por ex: essa é a “minha” missa desde tantos anos), e o que é pior, chegam ao ponto de travarem discussões e agressões, gerando um clima de rivalidade e desconfiança. Provavelmente cada um dos leitores já se deparou com situações dessa espécie. Quanto maior visibilidade tem a função, maior é a disputa por ela no ambiente paroquial. Muitas vezes, a situação se torna tão instável, a ponto de comprometer até a permanência do próprio Pároco, porque as “conversas” chegam até o Bispo. Fico a imaginar que essas pessoas, se tivessem vivido no tempo de Cristo, estariam ali gritando: solta Barrabás.

Quero destacar, nesse contexto, que estamos em tempo de novena para a festa de São Francisco. Ele foi o modelo da obediência, legado que deixou para todos os seus seguidores. São Francisco ensinava aos frades o que ele chamava “obediência de cadáver”, algo como se a pessoa obediente não devesse ter vontade própria, mas comportar-se exatamente como lhe ordena o superior. Assim como se alguém coloca um cadáver numa posição, dali ele não se mexe. Lembro de uma historieta que o Frei Higino contava (e ele contava muitas) sobre um frade a quem o superior deu ordem para que ele levasse um certo objeto para um certo lugar “do modo mais rápido possível”. Esse frade, sem titubear, estando no andar de cima do prédio, simplesmente pulou a janela, não usando a escada, porque aquele era o modo mais rápido. E, segundo o Frei Higino, o frade “aterrissou” suavemente no chão, porque ele estava fazendo aquilo “em obediência”. Evidentemente, ninguém repetiria mais, nos dias de hoje, tais histórias nem iria afirmar, como São Francisco, que o obediente é igual a um cadáver. Essa era a pedagogia da época. No entanto, devemos sempre lembrar que a obediência é sinônimo de fidelidade, não de mero cumprimento de uma ordem. O exemplo de Cristo na parábola já ensinava isso: obediente não é aquele que diz “sim” e não pratica, ou seja, aquele que cumpre sua obrigação só da boca para fora, sem o envolvimento interior. Obediência não é fazer somente porque estão todos observando ou “para não dar o que falar”. Obediência é agir com o coração, mesmo que às vezes ocorram imperfeições nesse agir. O profeta Ezequiel já advertia aos cativos da Babilônia: “Quando um ímpio se arrepende da maldade que praticou e observa o direito e a justiça, conserva a própria vida.” (Ez 18, 27) Eventuais falhas na ação fazem parte da condição humana de seres pecadores, que somos nós. Foi para que tenhamos forças de superar as fraquezas da nossa natureza imperfeita que Cristo nos deixou os seus ensinamentos e os seus sacramentos, por meio dos quais permanece conosco. A humildade para reconhecer os próprios pecados e arrepender-se deles é o caminho que leva o cristão à perfeição. Os fariseus nunca entenderam isso, nem antes, nem agora.
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