domingo, 9 de novembro de 2014

COMENTÁRIO LITÚRGICO - 32º DOMINGO COMUM - A IGREJA MÃE - 09.11.2014

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 32º DOMINGO COMUM – A IGREJA MÃE – 9.11.2014

Caros Confrades,

Neste 32º domingo comum, a liturgia celebra a festa da dedicação da Igreja de São João do Latrão, a igreja-mãe de todas as igrejas católicas, a catedral de Roma. Esta festa remonta aos tempos árduos da difusão do cristianismo na Europa, até sua “aprovação” por Constantino. Mas devemos pensar na “igreja” não apenas como o templo físico, de paredes, telhado e portas, e sim também como o templo vivo que somos cada um de nós, na medida em que, pelo batismo, nos tornamos morada da Santíssima Trindade, possibilitando a realização daquela promessa de Jesus: onde estiverem dois ou mais reunidos em meu nome, eu estarei no meio deles. Não é necessário estar dentro de um templo físico para que a Sua presença se faça sentir, porque de fato ela já está latente em cada um de nós, pulsando em nossos corações.

Antes de mais nada, um pouco de história: como a Igreja do Latrão se tornou a igreja-mãe de todas as igrejas católicas ocidentais? O cristianismo vivia tempos de perseguição em Roma, que era na época a capital do mundo ocidental. Contudo, dentro da sociedade romana, havia já muitos cristãos ocultos, que não podiam manifestar-se publicamente. Quando Constantino ascendeu ao trono do império romano, sua mãe Helena, que era cristã e foi depois canonizada, passou a interceder junto ao filho para permitir a liberdade de expressão do cristianismo, mas ele só concordou com isso quando teve um “sinal do céu”. O imperador estava enfileirando o seu exército para enfrentar um inimigo poderoso e temia pelo resultado da batalha. Então, ele viu uma formação de nuvens no céu em figura de cruz e teria ouvido uma voz a dizer: “in hoc signo, vinces” (neste sinal, vencerás). Ele teria feito uma espécie de “promessa” de que daria liberdade aos cristãos, caso fosse vencedor. E foi. Depois da vitória na batalha da Ponte Mílvia (312), Constantino proclamou solenemente a liberdade religiosa em todo o império romano, através do Edito de Milão, no ano 313. No ano passado (2013), as igrejas católicas ocidental e oriental celebraram juntas o aniversário de 1.700 anos deste Edito, que foi o marco inicial da existência oficial do cristianismo europeu.

Os historiadores dizem que Constantino teria se convertido ao cristianismo, porém estudos recentes indicam que ele era adepto da doutrina ariana, que negava a natureza humana de Jesus, portanto, ele não teria sido um cristão conforme a doutrina oficial. Ele foi o responsável pela convocação do Concílio de Nicéia (em 321), onde foi discutida essa divergência e prevaleceu a doutrina de Santo Atanásio, que afirmava que Jesus era verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem, texto que passou a constar no Credo. Com isso, o bispo Ario, autor do arianismo, foi derrotado e seus adeptos se dispersaram. Porém, consta que o imperador Constantino, secretamente, continuou defendendo o arianismo. Em outras palavras, Constantino teria sido um cristão por conveniência, não por plena convicção. Porém, ele ajudou muito a Igreja nesses primeiros tempos e, quando ele transmudou a sede do império romano para Constantinopla, ele doou o palácio que era residência da imperatriz para o Papa Silvestre, que passou a residir ali. E o local foi reformado para ser transformado num grande templo, que foi o primeiro templo cristão oficial de Roma e sede da residência papal: o Palácio do Latrão e a Basílica de São João do Latrão. A inauguração solene ocorreu nesta data, no ano 324, completando portanto hoje 1.690 anos da sua consagração. Ainda conforme os estudos históricos, no ano seguinte, Constantino mudou-se para Constantinopla porque não ficava bem que as duas maiores autoridades do mundo (ele e o Papa) residissem numa mesma cidade, deixando em Roma a sede do poder religioso e levando para Constantinopla a sede do poder político. Alguns anos depois, os bárbaros invadiram e dominaram Roma, eliminando de vez o poder político dos romanos na região. Porém, os bárbaros não fizeram oposição ao cristianismo, de modo que o poder religioso do Papa permaneceu, mesmo depois da queda de Roma. Apenas por uma questão de fidelidade histórica, convém esclarecer que as igrejas cristãs orientais (Éfeso, Alexandria, Damasco, Esmirna, Antioquia) são muito mais antigas do que a igreja de Roma. Portanto, a Basílica do Latrão é a referência inicial das igrejas cristãs ocidentais apenas.

Nas leituras litúrgicas da festa de hoje, temos a segunda leitura da carta de Paulo aos Coríntios (1Cor 3, 11-17), onde o Apóstolo ensina aos primeiros cristãos que o nosso corpo é o santuário de Deus e isso é mais importante do que as igrejas construídas de pedra e de barro. Vós sois a lavoura de Deus, diz ele, e eu coloquei em vocês o alicerce sobre o qual deveis construir a vossa fé: Jesus Cristo. “Acaso não sabeis que sois santuário de Deus e que o Espírito de Deus mora em vós? Se alguém destruir o santuário de Deus, Deus o destruirá, pois o santuário de Deus é santo e vós sois esse santuário.” (1Cor 3, 16-17) Ninguém pode colocar em vocês outro alicerce diferente de Cristo Jesus. A liturgia chama a nossa atenção para o templo de Deus, que somos nós, construídos sobre o alicerce divino, que é o próprio Cristo. Durante muito tempo, difundiu-se uma doutrina de cunho clericalista, que não reconhecia o valor teológico do povo de Deus, que somos nós, identificando a igreja como pertencendo aos cristãos ordenados (padres e bispos). Contudo, o Concílio Vaticano II, na Constituição Dogmática “Lumen Gentium” veio consertar esse equívoco, mostrando a grande importância dos leigos na configuração eclesial. Assim diz o seu item 30: “O Sagrado Concílio, depois de ter enunciado as funções da hierarquia, de bom grado dirige o seu pensamento para o estado daqueles fiéis que têm o nome de leigos. Quanto se disse do povo de Deus, vale igualmente para leigos, religiosos e clérigos. Todavia certas coisas dizem respeito de modo particular aos leigos, homens e mulheres, em razão da sua condição é da sua missão e importa considerar-lhes os fundamentos com mais cuidado, em virtude das especiais circunstâncias do tempo atual. Os sagrados pastores reconhecem perfeitamente quanto os leigos contribuem para o bem de toda a Igreja. Sabem que os pastores não foram instituídos por Cristo para assumirem sozinhos toda a missão da Igreja quanto à salvação do mundo mas que o seu excelso múnus é apascentar os fiéis e reconhecer-lhes os serviços e os carismas, de tal maneira que todos, a seu modo, cooperem unanimemente na tarefa comum. E, pois, necessário que todos, professando a verdade na caridade, cresçamos em tudo para aquele que é a cabeça, Cristo, pelo influxo do qual o corpo inteiro - bem ajustado e coeso por meio de toda a espécie da junturas que o alimentam, através de uma ação proporcionada a cada uma das partes - realiza o seu crescimento, em ordem à própria edificação na caridade (Ef 4,15-16).” O Concílio veio, assim, reafirmar a doutrina paulina sobre o santuário humano, a morada do Espírito de Deus em cada um de nós, fato que nos torna pedras vivas na construção eclesial.

Na leitura do evangelho de João (2, 13-22), vemos Jesus expulsando do templo os vendedores e cambistas, porque haviam transformado a casa de oração em um covil de ladrões. E quando os fariseus vieram pedir a Ele um sinal de autoridade para fazer aquilo, Jesus lançou-lhes um desafio que eles não entenderam: destruí esse templo e eu o reedificarei em três dias. Obviamente, os fariseus não entenderam o alcance profético dessas palavras. Aliás, os próprios discípulos não entenderam naquela hora. Somente muito tempo depois, quando passaram a refletir sobre a ressurreição de Cristo, compreenderam que o “templo” a ser reconstruído em três dias não era o prédio físico, feito de pedras, que teria consumido o trabalho de centenas de operários durante 46 anos. O templo que realmente importava ali era o do seu próprio corpo, ressuscitado ao terceiro dia. Jesus estava, então, chamando a atenção dos seus ouvintes (discípulos e estranhos) para o fato de que a verdadeira morada do Espírito de Deus não é o templo de pedra, mas o templo de carne. No entanto, o templo de pedra também merece respeito e a conduta dos frequentadores daquele lugar deve observar a devida compostura, sob pena de desvirtuamento e profanação.

Meus amigos, essa festa da igreja-mãe do cristianismo ocidental é também um momento para refletirmos sobre a unidade de todos os cristãos, eliminando as divergências históricas e superando os esquemas de divisão e de conflito. O Papa Francisco está envidando grandes esforços nesse sentido, através de viagens, reuniões e orações conjuntas com as diversas autoridades das variadas organizações cristãs. Sabemos que existem fortes empecilhos dentro do próprio Vaticano, mas o Papa está, com sabedoria e paciência, removendo os obstáculos. Eu creio nessa sua obstinação profética de congregar todos os cristãos num único rebanho, como foi sempre o desejo de Cristo: “Elas ouvirão a minha voz, e haverá um só rebanho e um só pastor.” João 10:16.

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