COMENTÁRIO LITÚRGICO – 3º DOMINGO
DO ADVENTO – O ÚLTIMO PROFETA – 14.12.2014
Caros Confrades,
Na liturgia deste 3º domingo do
advento, o tema predominante é o refrão “alegrai-vos, Ele está
bem perto”, sendo este o domingo da alegria. No evangelho,
destaca-se a questão da identidade de João Batista, questionado
pelos fariseus: quem és tu, afinal? E ele, humildemente, nega ser o
Messias ou um profeta, autodefinindo-se como “a voz que clama no
deserto”, porém, Jesus irá dizer dele, em outra ocasião (Mt
11,11) que João Batista é muito mais do que um profeta, dentre os
nascidos, ninguém é maior do que ele. Com efeito, João Batista foi
o último profeta, aquele que anunciou que o Messias já está no
meio de nós.
A primeira leitura, do profeta Isaias
(61, 1-11 – deuteroIsaías), contém aquela passagem que está
repetida em Lucas (4, 18), quando Jesus fez a leitura na sinagoga e
se autodeclarou para os presentes: o profeta falava a meu respeito. O
trecho é o seguinte: “O
Espírito do Senhor Deus está sobre mim, porque o Senhor me ungiu;
enviou-me para dar a boa-nova aos humildes, curar as feridas da alma,
pregar a redenção para os cativos e a liberdade para os que estão
presos; para proclamar o tempo da graça do Senhor.”
(Is 61, 1) Quando Jesus foi convidado para fazer a leitura na
sinagoga, onde ele comparecia como todos os bons judeus, Ele escolheu
propositalmente esse trecho de Isaías e, ao final, completou: hoje
se cumpriu aquilo que foi dito pelo profeta. Jesus havia há pouco
iniciado suas pregações e aquela era a primeira vez que ele ia a
Nazaré, sua terra natal, após o início de sua vida pública. Ao
proclamar-se abertamente que Ele era o ungido, os nazareenses
presentes na sinagoga ficaram se entreolhando e se perguntando: mas,
esse não é o filho de José? Não foi ele que vimos nascer e
crescer aqui? (Lc 4, 22) Ou seja, entre surpresos e incrédulos, os
habitantes de Nazaré não souberam reconhecer naquele “filho de
José” o Messias, filho de Deus, fato que levou Jesus a dizer:
nenhum profeta é bem recebido na sua pátria (Lc 4, 23), o que
deixou aqueles seus conterrâneos irritados, a ponto de quererem
lançá-lo do precipício. A escolha desse trecho para a leitura
demonstra o quanto Jesus era conhecedor das escrituras, em especial,
do profeta Isaías, o seu livro predileto.
Na segunda leitura, da carta de Paulo
aos Tessalonicenses (1Ts 5, 16-24), o Apóstolo exorta os cristãos
daquela cidade a estarem preparados para a vinda de Cristo,
afastando-se de toda maldade. Estai sempre alegres e rezai sem
cessar, recomendava Paulo. O conselho dele acerca da alegria na
espera do Senhor está em sintonia com o tema deste terceiro domingo:
a alegria da espera. No sermão de hoje para os peregrinos presentes
no Vaticano, o Papa assim comentou essa carta de Paulo: “Neste
terceiro domingo a liturgia nos propõe outra atitude interior para
viver a espera do Senhor, ou seja, alegria. Mais uma vez São Paulo
na liturgia de hoje nos indica as condições para ser "missionários
da alegria": orar sem cessar, sempre dar graças a Deus, seguir
o seu Espírito, buscar o bem e evitar o mal. Nunca se ouviu falar de
um santo triste ou de uma santa com cara fúnebre, nunca se ouviu,
seria uma contradição.” (cf boletim do site www.zenit.org)
Essa última afirmação do Papa nos faz lembrar uma frase que o Frei
Higino costumava dizer: um frade triste é um triste frade. São
Francisco era o protagonista da alegria, isso está documentado nos
escritos dos seus contemporâneos. A vocação cristã não é um
convite à tristeza e ao isolamento, pelo contrário, é como disse o
Papa, uma convocação para sermos missionários da alegria. Em outro
trecho do seu sermão de hoje, o Papa diz assim: “Não é só
uma alegria esperada ou deslocada para o paraíso, ‘aqui na terra
estamos tristes, mas no paraíso estaremos alegres’, não, não é
isso. Mas, de uma alegria já real e que já é possível sentir
agora, porque o mesmo Jesus é nossa alegria, é nossa casa.” O
paraíso não é uma situação futura, mas uma realidade que já se
faz presente. Nesse contexto, aquela narração bíblica da “queda”
de Adão e Eva deixa de ter um sentido de perda para adquirir um
significado de conquista. Nós não fomos expulsos do paraíso, nós
estamos a caminho de lá e a simples expectativa da chegada já nos
deixa alegres. O reino de Deus, que Jesus veio anunciar, é uma
experiência antecipada, na vida terrena, daquilo que nos está
prometido para uma vida futura. Ou seja, nós não precisamos esperar
que isso aconteça algum dia, pois pelo batismo, nós fomos colocados
no umbral do paraíso e já podemos antever o que ocorre naquela
dimensão transcendental.
No evangelho de João (Jo 1, 6-28),
lemos aquele episódio em que os fariseus vão até João Batista a
fim de indagarem sobre a sua identidade. A fama de João Batista se
espalhara na região e os líderes judeus queriam certificar-se de
quem era ele, para isso, mandarem mensageiros a indagar-lhe. Quem és,
afinal, para que possamos informar os que nos enviaram? João
Batista, então, serviu-se das palavras do profeta Isaías para falar
de si próprio: eu sou a voz que clama no deserto – aplainai os
caminhos do Senhor. E ao afirmar que ele não era o Messias,
acrescentou que “no meio de vós, está aquele que virá depois de
mim”, isto é, eu não sou o Messias, mas Ele já está no meio de
vós. João tinha consciência plena da sua missão preparatória,
conforme ele mesmo proclamou em outra ocasião: é preciso que Ele
cresça e eu desapareça. (Jo 3, 30) Ou como ele diz no evangelho de
hoje: eu não sou digno nem de desamarrar as correias das Suas
sandálias. (Jo 1, 27)
Os fariseus estranharam porque João
batizava sem ser um profeta. Aqui, podemos considerar dois aspectos.
Primeiro, Jesus mesmo disse que João era mais do que um profeta.
Etimologicamente, a palavra “profeta” deriva do grego pro+fainô,
isto é, falar por alguém, falar em nome de alguém. Essa palavra
surgiu, portanto, com a tradução da escritura em hebraico para a
língua grega, conhecida como a tradução dos setenta ou
septuaginta. A palavra correspondente, em hebraico, é NAVI (ou
NABI), que significa ter uma antevisão dos fatos, o que ocorria
geralmente com as manifestações de Javeh em sonhos para certas
pessoas. Então, João Batista era mais do que isso, porque ele não
falava em nome de alguém, mas em nome próprio, porque ele foi a
primeira testemunha da chegada do Messias; e ainda porque ele não
recebera nenhuma antevisão através de sonhos, como acontecera com
os profetas anteriores. Os teólogos consideram João Batista o
último profeta do Antigo Testamento, e de fato, ele foi um profeta
especial, um profeta-testemunha, enquanto os outros eram apenas
porta-vozes. A maior profecia de João Batista, na verdade, a sua
maior revelação, foi a de dizer para aqueles que iam ouvi-lo na
margem do Jordão, onde ele batizava: o Messias já está no meio de
vocês.
Um outro fato a merecer destaque era o
batismo trazido por João, donde lhe advém o cognome de Batista. Os
outros profetas não batizavam. Os judeus ficaram intrigados com
isso. Como é que ele batiza e nem profeta ele é. De fato, os judeus
praticavam um ritual (tevilah) de purificação, que era adotado
sobretudo pelas mulheres, após o ciclo menstrual ou após o parto,
para poderem novamente frequentar a sinagoga. João utiliza esse
ritual, dando a ele um significado novo, a tevilah de arrependimento,
a mudança de vida, preparando o caminho para a chegada do Messias. O
ritual feito por João era praticado através da imersão do corpo
todo no rio, significando que ao emergir, o fiel estaria renascendo,
abandonando a sua vida de pecados para reviver purificado. Jesus
também se submeteu a esse ritual, conforme sabemos pelas narrativas
evangélicas, embora Ele não necessitasse de arrependimento. Mas o
fato de Jesus ter-se associado a esse ritual é uma amostra de que
Ele estava aprovando aquilo e reconhecendo o valor daquele rito
simbólico. Com a tradução pra o grego, a palavra hebraica tevilah
passou para baptizô (ou baptismô), que significa também lavar,
derramar, aspergir, tendo essa palavra grega assumido todos os
significados da tevilah hebraica, inclusive as abluções que os
judeus faziam (lavagem das mãos) antes das refeições. João deu um
significado mais amplo e profundo para a tevilah (ou baptismô), que
deixou de ser um ritual simples e repetitivo para tornar-se uma
atitude única de mudança de comportamento, de assunção de um novo
modo de vida, de maneira que não haveria mais necessidade de ser
repetido. Aqui está mais uma razão para ele ser considerado o
último profeta e “mais do que um profeta”, porque depois dele,
não haveria mais outro, e sim a manifestação do próprio Deus, em
Jesus Cristo.
****
Nenhum comentário:
Postar um comentário