COMENTÁRIO LITÚRGICO – 4º DOMINGO
DO ADVENTO – O FILHO DE DAVI – 21.12.2014
Caros Confrades,
Neste quarto domingo do Advento,
destaco a referência que as leituras litúrgicas fazem de Jesus como
filho de Davi. O conhecido refrão cantado no domingo dos ramos
exalta o filho de Davi, em diversas outras passagens esta mesma
ligação de Jesus com Davi é repetida. Os numerólogos bíblicos
fizeram as contas de que desde Abraão até Davi contam-se 14
gerações; de Davi ao cativeiro da Babilônia são outras 14
gerações e do cativeiro da Babilônia até o nascimento de Jesus
são mais 14 gerações. (Ver evangelho de Mateus, 1, 1-17). O rei
Davi representa o auge do desenvolvimento material do povo hebreu; o
cativeiro da Babilônia representa o momento da queda, o auge da
destruição; o nascimento de Jesus representa, nessa linha de
raciocínio, o apogeu da promessa de Javé. Davi e Jesus significam,
portanto, os pontos mais significativos da história do povo de Deus,
daí a importância de se demonstrar que Jesus era um descendente de
Davi.
Na primeira leitura, do segundo livro
de Samuel (2Sm 7, 1-16), lemos a profecia de Natan acerca do filho de
Davi, que reinaria para sempre, sendo confirmado na realeza.
Historicamente, este filho de Davi foi Salomão, responsável pela
construção do templo e famoso por sua legendária sabedoria. No
sentido transistórico, aproveitando o cálculo genealógico de Jesus
explicado por Mateus, o filho de Davi confirmado perenemente na
realeza é Jesus Cristo. A insistência do evangelista em ressaltar a
descendência de Jesus da linhagem de Davi tem por objetivo
interligar o nascimento de Cristo com a promessa de Javeh aos antigos
patriarcas, fundamentando assim a fé no Messias salvador prometido
pelas escrituras. O rei Davi queria construir uma casa digna para o
Senhor, um templo suntuoso, mais do que o palácio onde ele, o rei,
morava. No entanto, através do profeta Natan, Javeh fez ver a Davi
que essa honra não seria dele, mas de um filho dele. Então, o filho
próximo dele, Salomão, edificou o famoso templo, que se tornou
referência para muitas gerações, alcançando até o tempo de
Jesus. E o filho longínquo de Davi, Jesus, erigiu a sua igreja como
templo vivo, não mais de tijolo e pedras, mas presente no coração
dos que nEle creem. Quando chegou a plenitude dos tempos, a promessa
de Javé foi cumprida também de forma plena.
Na segunda leitura, retirada da carta
aos Romanos (Rm 16, 25-27), o apóstolo Paulo enfatiza esse mistério,
que ficara escondido ao longo dos tempos, mas que então fora
revelado, por meio de Jesus Cristo. “Este
mistério foi manifestado e, mediante as Escrituras proféticas,
conforme determinação do Deus eterno, foi levado ao conhecimento de
todas as nações, para trazê-las à obediência da fé.”
O mistério referido por Paulo é exatamente este do cumprimento
definitivo da antiga promessa, através de um descendente da linhagem
de Davi. Diferentemente do próprio rei Davi, cujo poder se dirigia e
se limitava ao povo hebreu, o poder deste filho de Davi se estende a
todas as nações. Portanto, o mistério que Cristo veio revelar foi
de que aquela promessa feita por Javeh aos antigos patriarcas não
tinha seus limites atrelados a um determinado local geográfico nem a
uma etnia específica, mas todos os povos são os destinatários
dela, o seu alcance se estende a todas as nações.
O evangelho de Lucas (Lc 1, 26-38) é
também enfático em afirmar que José era descendente de Davi. Não
podendo afirmar que José gerou Jesus, como está escrito nas
genealogias anteriores, o evangelista refere que José era da família
de Davi e era esposo de Maria, a mãe de Jesus. “Eis
que conceberás e darás à luz um filho, a quem porás o nome de
Jesus. Ele será grande, será chamado Filho do Altíssimo, e o
Senhor Deus lhe dará o trono de seu pai Davi. Ele reinará para
sempre sobre os descendentes de Jacó, e o seu reino não terá fim'
” (Lc 1, 31). Observemos que José era pai adotivo de Jesus, porém
mesmo sem ser filho biológico, Jesus era herdeiro legal de José,
portanto, herdeiro da tradição de Davi. A escritura não menciona
que Maria era descendente de Davi. Existe um testemunho de Santo
Irineu, que viveu nos primeiros séculos do cristianismo, de que
Maria também era da linhagem de Davi, mas isso é atestado apenas
pela tradição, não consta nos relatos dos evangelistas. Talvez
fosse até mais fácil de fundamentar a descendência de Jesus em
relação a Davi através da análise de genealogia de Maria.
Contudo, naquela época em que prevalecia a linhagem masculina, para
evitar quaisquer dúvidas acerca da validade da profecia, se por
acaso ficasse demonstrada apenas a descendência pelo lado feminino,
os evangelistas destacam sempre a descendência pelo lado de José,
deixando de considerar a genealogia de Jesus pelo lado de Maria. Daí
porque tal referência só está presente na tradição.
Interessante nesse contexto é observar
a forma como a revelação divina foi dada a Maria, diferente do modo
tradicional em que isso acontecia. De acordo com a tradição
judaica, as mensagens proféticas eram reveladas por Javeh aos seus
escolhidos através de sonhos, portanto, quando eles não estavam
despertos. Porém, no caso de Maria, ela não apenas estava desperta,
mas chegou a dialogar com o anjo e expor suas dúvidas, ao que o anjo
respondeu e a tranquilizou. O caso do sonho de José é um desses
exemplos de revelação recebida em sonho. Outro caso também
relacionado com José é aquele episódio em que ele recebeu uma
“ordem” de fugir com Maria e o menino para o Egito, até passar a
perseguição de Herodes, através de outro sonho. Com base nessa
análise, pode-se afirmar que a revelação a Maria teve uma
característica totalmente peculiar, fora do padrão em que isso
costumava acontecer. Certamente, porque o evento que esta revelação
abordava não era apenas uma intervenção de Javeh na história dos
homens, mas a autêntica redenção prometida, a intervenção última
e definitiva. Com bastante probabilidade, o diálogo de Maria com o
anjo foi bem mais demorado e detalhado do que a narração bíblica
apresenta. Maria era muito jovem e estava no início de sua vida
adulta, ainda não começara sua coabitação com José. Era
necessário que ela ficasse bastante segura do que estava por
acontecer, para que ela finalmente concordasse. E obviamente a
gestação não teria iniciado, caso ela tivesse recusado. Daí a
importância do “sim” de Maria, porque naquele momento, ela
também deve ter antevisto os grandes problemas e as grandes dores
que iria suportar futuramente. Isso também deve ter sido objeto do
diálogo com o anjo. Por fim, ela aquiesceu: faça-se conforme a tua
palavra. E o anjo retirou-se.
Meus amigos, a concordância de Maria é
um ato de generosidade, de generosa grandeza. A missão que cada um
de nós recebe nessa vida, ou seja, aquilo que outra passagem do
evangelho chama com o nome de “talentos”, é um desafio que
depende da nossa generosidade. Generosidade para aceitar e
disponibilidade para executar. Do folheto da novena do Natal, que
celebramos hoje em família, destaco o seguinte trecho, que achei
bastante significativo: “A
generosidade é a capacidade de dar com desapego, onde o amor ganha
do egoísmo. É na entrega generosa que fazemos de nós mesmos que se
mostra a profundidade de um amor que não fica somente nas palavras.
É isso que celebramos no natal: o gesto generoso de Maria em aceitar
ser a mãe de Deus e o gesto generoso de Deus que se dá a si mesmo,
para a redenção da humanidade.” A generosidade é o
antídoto do egoísmo, é uma atitude por demais sugestiva para os
nossos tempos, em que o individualismo e o isolamento são uma marca
característica da nossa sociedade, sobretudo com a massificação do
uso da tecnologia da comunicação. Contraditoriamente, aquilo que
deveria nos unir mais é justamente aquilo que contribui para nos
afastar mais uns dos outros. A lição da generosidade de Maria
continua, portanto, eloquente e atual, merecendo fazer parte das
nossas reflexões e dos propósitos de melhoria de vida, que todos
nós devemos fazer nesse tempo de preparação para o nascimento de
Jesus.
Ao ensejo, envio a todos sinceros votos
de Feliz Natal.
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